UM DIA

Um dia pode fazer a diferença. Um dia apenas pode decidir toda uma vida.

Desta vez ele seria derrotado. Com certeza. O reinado de Tyson Granger como o campeão absoluto de beyblade estava prestes a acabar. Praticamente todas as equipes que participaram do último campeonato de beyblade estavam reunidas no armazém abandonado na frente do porto tentando achar uma solução para o problema conhecido como "Anta Sortuda". Ali encontravam-se integrantes dos BEGA Bladers, White Tiger X, PPB All Starz, Batalhão Barthez, Majestics, Dinastia F, e, claro, os Blitzkrieg Boys, responsáveis por organizar este encontro. Segundo informações divulgadas pela BBA, o próximo campeonato mundial seguiria os moldes do anterior, portanto era necessário escolher o time mais forte para enfrentar o mestre de Dragoon e finalmente acabar com sua tremenda sorte na hora das lutas.

À princípio, seriam realizadas exaustivas lutas para que os mais fortes se mostrassem. Até o fim da manhã, apenas Kai, Brooklyn, Tala, Garland, Ray e Max ainda permaneciam invictos. Durante a pausa de uma hora para o almoço, cada um seguiu seu caminho em busca do restaurante menos ruim e capenga que o pouco dinheiro que ainda lhes restava pudesse pagar. Com as despesas para ir até o Japão, somente os Majestics ainda podiam sem considerar em condições de saborear um almoço de gente.


"Chico's Bar". Não parecia um mau lugar. Fora os pontinhos pretos que corriam de um lado para o outro do chão fugindo de criaturinhas peludas, brancas e com um rabo nojento, não havia nada repugnante naquele lugar. Os vidros da janela eram sujos e quebrados, a iluminação era insuficiente, o pano de limpar pratos do barman estava mais sujo que uma múmia milenar, mas isso não era motivo para Bryan dar meia volta e procurar outro restaurante. As necessidades de seu estômago falavam mais alto, e ele temia que se continuasse andando pela cidade acabasse sendo confundido com seu rival pela sinfonia vinda do estômago.

Sentou-se. O velho carcomido de sorriso banguela o atendeu, deu-lhe a especialidade da casa, um sanduíche de presunto podre e queijo passado que custava cinqüenta centavos. Bryan olhou para a comida desconfiado, como se avaliando a situação. Só percebeu que estava parecendo um idiota fazendo isso quando uma mão pousou em seu ombro, fazendo-o se virar em alerta:

- Quem...

- Calma, eu não vou te atacar! – Respondeu o outro, com seu sorriso sempre calmo e inocente, embora sua personalidade não fosse assim tão simples de descrever. Os cabelos ruivos estavam um tanto despenteados naquele dia, por causa das lutas recentes, mas de resto ele ainda era o mesmo Brooklyn que havia quase um ano por pouco não enterrara a BBA para sempre.

- Brooklyn... O que você está fazendo aqui? – Perguntou Bryan, desconfiado.

- O mesmo que você. – Dizendo isso, o dono de Zeus mostrou o mesmo sanduíche rançoso e de qualidade nutritiva que o russo segurava. – O que você acha, devemos comer ou damos nossos preciosos cinqüenta centavos como definitivamente perdidos?

Bryan ficou ainda algum tempo encarando o garoto, havia alguma coisa estranha no jeito que ele o encarava, não era só aquela tranqüilidade (quase) inabalável, algo mais estava escondido em sua expressão enigmática, embora ele não conseguisse ainda dizer o que.

- Que foi? Por um acaso eu tenho algum poder desconhecido de hipnose?

Bryan piscou duas vezes em resposta, como se seu cérebro estivesse falhando e precisasse se ajustar.

- Eu acho que a melhor solução para o nosso problema é pedir um auxílio-moradia da BBA. Ou isso, ou metade dos beybladers que representam alguma competitividade vão sumir do mapa por falta de grana. Como eles esperam que a gente sobreviva, sinceramente, com o campeonato ocorrendo só uma vez por ano? – Não sabia se era o momento adequado para falar no assunto, nem porquê escolhera falar disso agora. Suspeitava que fosse a influência de Brooklyn de algum modo.

- Me parece que vocês andam passando por algumas dificuldades...

- É. Desde que o Boris faliu, tem faltado grana pra gente. O crápula do avô do Kai já tinha nos largado de mão por causa das derrotas e aqui estamos nós, os vice-campeões mundiais por dois anos atrás de patrocínio tendo que comer em qualquer bodega por falta de fundos! Isso é um absurdo! – Deu um soco na mesa, derrubando vários copos empoeirados. – Mas, falando nisso, o que é que você está fazendo aqui? Que eu saiba, você não foi afetado pela crise de Boris Balkov...

- Na verdade... – Brooklyn abriu ainda mais o seu sorriso ao falar, encarando Bryan de um jeito tal que deixou o outro arrepiado, com um arrepio que começava na nuca e ia até o baixo ventre, muito mais intenso nessa última parte. – Eu vim aqui atrás de você.

A falta de comida descente em seu organismo já estava causando estragos em Bryan. Em seu estado normal, teria entendido a afirmação de Brooklyn em apenas um ou dois segundos ao invés de ficar cinco minutos feito um idiota com a boca aberta na frente dele.

- De... de mim? – Finalmente. Uma pessoa normal já estaria irritada. Sorte dele que Brooklyn era alguém muito diferente do normal.

- Isso mesmo. Você tem chamado minha atenção desde que começamos a treinar hoje de manhã. Venceu quase todos os seus oponentes, foi por muito pouco que não ganhou do Garland. Sua fera-bit é linda, sabia? – Seguiu-se a essa frase um sussurro que o russo não conseguiu ouvir.

- O que foi que você disse? – Bryan estava perigosamente perto de Brooklyn, ingenuamente perto.

- "Assim como você" – Brooklyn sussurrou de volta, no mesmo tom, mas desta vez o outro conseguiu ouvir. Antes que pudesse responder, o outro já o segurara pela cintura e o envolvia em um beijo quase de cinema. O coração de Bryan disparou, recheado de dúvida, insegurança... Aos poucos, porém, foi se deixando envolver pelo outro, deixando que ele se aproximasse...

O momento romântico foi interrompido pelo rachar dos bancos, que não resistiram ao peso dos garotos e acabaram arremessando-os contra o chão.

- Brooklyn... O que você? – Aproveitou a separação para finalmente falar. Estava confuso, claro, havia sido pego de surpresa por alguém que ele mal conhecia.

- Sabe, eu sempre consigo tudo que quero. Que tal sairmos daqui e irmos para um lugar mais... tranqüilo?

Sem esperar resposta, o ruivo ergueu-se do chão e, puxando o outro pela mão, o conduziu para fora do bar. Eles seguiram por algumas ruas movimentadas, quase foram atropelados por motoristas bêbados, ajudaram três velhinhas a atravessar as ruas, foram pegos por aqueles vendedores insistentes e sem noção antes de finalmente chegar no ponto de encontro mais badalado dos beybladers: a ponte sobre o rio perto da casa de Tyson.

- Posso saber por que me trouxe até aqui? – Perguntou Bryan, que desde que uma senhora o chamara de "gentil meninha" encontrava-se mais furioso do que o normal, com sua cara de "eu-vou-te-matar-se-você-disser-alguma-coisa".

- Porque aqui é bem mais tranqüilo. Tem coisas que eu quero fazer agora e as pessoas podiam atrapalhar...

Brooklyn se aproximou novamente do russo. Seu olhar novamente baixou as defesas do garoto, a irritação evaporou de imediato, como se aqueles olhos tivessem algum tipo de poder sobrenatural. Brooklyn era capaz de dominá-lo somente com o olhar, ele sentia-se um coelho indefeso prestes a ser atacado por um caçador. O ruivo se aproximou ainda mais, seus lábios a milímetros de distância.

- Eu sempre tive tudo que quero. E agora eu quero você, Bryan Kuznetsov.

As lutas e a competição para decidir os rivais de Tyson recomeçaram naquele exato momento. Com a ausência de Brooklyn, Kai e Garland viriam e ser os escolhidos, porém, nada disso importava mais para o ruivo ou para o russo de cabelos acinzentados. Derrotar Tyson, o campeonato mundial, as beyblades, tudo não passava de um vago sonho distante, nada que merecesse realmente sua atenção.

Um dia pode fazer a diferença. Um dia apenas pode decidir toda uma vida. No caso de Brooklyn e Bryan, bastou apenas um dia para que eles percebessem seus futuros estavam interligados.


Feliz aniversário, Kaina-chan! XD