Título: CONSTELAÇÕES Sumário
Autora: Jade Toreador
Gênero: Yaoi
Casal: Aiolia X Shaka
CONSTELAÇÕES
- Capítulo 1 -
Aolia, cavaleiro de Leão, não reagia. As pedras voavam furiosas contra o seu corpo, mas ele não se defendia ou recuava. Era como se desejasse aquilo. A dor física o fazia esquecer a dor moral, o choque... Poderia ele, facilmente, usar seu Cosmo, considerado extremamente elevado, para curar as feridas do seu corpo, mas não o fazia... Apático, se deixava apedrejar pelos aprendizes do Santuário...
- Traidor, irmão do traidor! MORRA!
Os gritos e mesmo alguns xingamentos se misturavam...
Ele não se esquivou de uma única pedra sequer, mesmo daquela que lhe acertou o supercílio, rachando-o, inundando seus olhos de sangue...
Apedrejamento era comum entre os povos antigos, não propriamente entre os gregos, mas eficiente, de qualquer forma. Era aquela agressão uma covardia infame, patrocinada mais pela inveja dos discípulos de Aiolos, seu irmão, agora chamado traidor. Os outros garotos há poucos dias, haviam perdido para Leão a armadura de ouro, por ter sido ele, entre os jovens candidatos, o possuidor de Cosmo mais elevado e de destacado conhecimento bélico. Alguns cavaleiros de Prata e os demais meninos, discípulos que não eram graduados na rígida hierarquia das armaduras, também participavam da punição violenta, sem pestanejar. Agarravam as pedras, abundantes no Santuário de Atena, com afoiteza, sadismo até, e as atiravam com ambas as mãos, com toda força que conseguiam.Os cavaleiros de Ouro presentes, amigos pessoais de Leão, tão jovens quanto ele, estavam revoltados, chocados e incrédulos quanto à atitude de Sagitário e não atacavam Aiolia, mas não podiam intervir: era tradição punir com a morte os traidores, bem como toda a família deste e, a não ser que o novo Grão Mestre, Ares, pessoalmente livrasse Leão daquele destino, ele não escaparia.O clima era duplamente tenso. O antigo mestre, Shion morrera há poucos dias e Ares tomara para si a difícil tarefa de ser o novo comandante supremo do Santuário, o protetor máximo de Atena. Como ele iria agir diante da responsabilidade de castigar Leão?Por ser Aiolos, Sagitário, e seu irmão caçula, Aiolia, Leão, cavaleiros sagrados de Atena, a punição era ainda mais certa e esperada.Viver seria uma desonra, e Aiolia sabia disso... Ouviu, apesar dos gritos da caterva que fazia o linchamento, Shura anunciar ao Grão Mestre que o traidor fora atacado com o poderoso golpe "Excalibur" e que de certo estava morto...
- NÃO!
O grito de Aiolia foi um protesto doloroso, mas que ecoou, firme, convicto da inocência do irmão, como um possante rugido leonino. Ele se ergueu e seu Cosmo se elevou, mesmo contra sua vontade consciente, e ganhou os céus formando uma poderosa energia estelar que impressionou até mesmo o maligno Gêmeos. Saga, cavaleiro de Gêmeos, assassinara o irmão de Shion, Ares, e lhe tomara secretamente o posto, se ocultando sob o elmo vermelho: a máscara de Grão Mestre. Por isso, o Santuário agora, com a morte de Shion, e sob a influência maligna do falso Ares, vivia dias difíceis, cruéis, até.
Shaka, controlado, sempre de olhos fechados, os abriu naquele instante, como se aquele sofrimento de Leão fosse demais para ele não presenciar plenamente...
- Por favor... Não! Parem com isso!
Leão gritou, empurrando Shaka que se punha entre ele e os agressores, chegando inclusive a levar no rosto bonito algumas das pedras...
- Não, cavaleiro não vou querer sua piedade!
Peixes, que também sofria em agonia silenciosa diante daquela situação, aproveitou a atitude de Shaka para se interpor também entre eles dois, Shaka e Aolia, e os agressores... Fez as pétalas das "rosas sangrentas" se colocarem em torno de Aolia e os demais que sabiam ser morte certa enfrentar aquele encantamento poderoso da constelação de Peixes...
Afrodite, o belo, olhando o falso Ares com súplica murmurou...
- Aiolia não tem culpa de nada! Poupe-o, grande Mestre!
Gêmeos, sempre simulando ser Ares, estava mais impressionado com a possante manifestação cósmica de Leão do que propriamente com a intervenção dos outros dois jovens cavaleiros.Fez um gesto solene com a mão que mandava todos se silenciarem. Respeitosamente, foi obedecido... Saga assassinara Shion e Ares, planejara matar também a Deusa bebê que fugira nos braços do cavaleiro de Sagitário... Não era tolo, sabia reconhecer um valoroso guerreiro quando via um, e assim era Leão! Há muito, desde a última guerra Santa entre Hades e Atena, não se via um Cosmo de um cavaleiro se elevar a tal nível... Se deixasse Aolia morrer, perderia uma importante peça do seu intricado jogo pelo Poder...
- SHAKA, AFRODITE... Não interfiram. Não desonrem ainda mais esse cavaleiro!
Afrodite se calou, mas não Shaka...
- Aiolia não merece essa punição! Há mais honra nele do que entre todos os sagrados cavaleiros juntos!
Os amigos murmuraram concordando, os inimigos continuaram em um silencio raivoso, com as pedras nas mãos prontas para serem atiradas ao menor sinal do Grão Mestre...
O falso Ares deu um sorriso mordaz sob a máscara, influenciado pela maldade que agora o dominava por completo...
- Tomaria o lugar dele na punição, valente cavaleiro de Virgem? Ou você, Afrodite, deixaria seu belo corpo ser lacerado pelas pedras?
Antes que um deles respondesse, o Grão Mestre elevou a voz ainda mais e sentenciou:
- Chega! Aiolia será perdoado para que todos saibam que Atena é misericordiosa! Voltem todos para seus aposentos... As sentinelas continuarão vigiando... O traidor pagará com a morte e seu irmão viverá em desonra até quitar essa divida vergonhosa com a Deusa...
Mu, recém graduado Cavaleiro portador da armadura de Áries, presenciava o desenrolar de tudo com uma dor lhe apertando o peito, uma agonia infinita... Ele sentia o Cosmo de Ares tão intenso quanto antes, mas... Era algo estranho, muito estranho. Não sabia o motivo. O fato é que há dias, desde o sumiço de Saga, ele, o novo grande Mestre, andava taciturno e o que era pior, nunca mais Ares o procurara, nunca mais se comunicara telepaticamente com ele ou o tocara... Aquilo doía como uma ferida que não cicatrizava! Milo, de Escorpião, estava inconformado pelo sumiço de Saga. Alguns poucos dali sabiam do caso dele, Escorpião, e do cavaleiro de Gêmeos, mas... E agora? Ares não fazia com ele, Mu algo ainda pior? Seu adorado mestre Shion estava morto e Ares, desde que tomara as obrigações de Shion para si, se tornando o novo Grão Mestre, ignorava a ele, Mu, por completo. Estava mais distante do que nunca! Não se comunicava mais com ele por telepatia...Não o beijava...
Todos foram se dissipando aos poucos... Mu seguiu Ares até a sala do trono... Ajoelhou-se...
- Senhor... O que aconteceu...
- Não me compete discutir os assuntos do Santuário com um reles cavaleiro, Mu.
- Eu já fui mais do que isso para você...
O sorriso oculto sob a máscara era malévolo... Ah, sim, Mu fora o brinquedinho de Ares... Era a tradição os mais belos serem iniciados pelos cavaleiros mais graduados... Se não fosse tão arriscado... Tocou de leve o rosto imberbe e delicado de Mu. Ele desejava ardentemente levar o menino aos seus aposentos... Mas isso era impossível! Mu iria querer ver o seu rosto, tinha um poder telepático poderoso que era difícil até para ele próprio bloquear...
Mu, por ser de Lemúria, continente que fora submerso pelas águas na mesma época que Atlântida, era um dos poucos cavaleiros que tinha o dom alquímico dos antigos mestres de Lamúria, o único capaz de consertar as sagradas armaduras! Agora que Shion e Ares não eram mais obstáculos aos planos dele, Saga, tudo se resolveria, mas a proximidade do adolescente lhe era uma ameaça considerável. Mu iria descobrir que ele era um impostor e que Ares estava morto esquecido numa vala comum de Star Hill... Infelizmente, não podia se livrar dele,Mu, por ser ele o herdeiro dos conhecimentos dos antigos sobre como restaurar as armaduras. Não podia saciar o desejo que a visão inocente do menino provocava...
Tocou novamente o rosto do garoto com a ponta dos dedos... Os lábios... Mu beijou-lhe a mão...A esperança e a paixão fazendo seu coração bater acelerado...
- Ares...
- Você vai partir amanhã, Mu. Vai para Jamiel, terminar seu treinamento...
Os olhos lindos de Mu lacrimejaram...
- Não! - Agora ele sabia a agonia que Milo deveria ter sentindo quando Saga partiu-Quero ficar com você!
- Nós, cavaleiros, temos apenas um desejo, Mu, que é servir a Deusa... e a minha decisão já foi tomada.
- Você não me quer, não me ama mais!
Gêmeos ampliou seu sorriso sádico... Dominado pelo seu lado demoníaco, falou o que sabia ser um golpe fatal à alma do jovem cavaleiro de Áries...
- Nunca quis, pirralho. Não mais do que desejei um pedaço de carne.Estou farto de você. Você... É insignificante... Sem graça.
A dor de Mu foi algo palpável, como se houvesse levado um murro, Até um cego perceberia, quanto mais um cavaleiro treinado para sentir auras... Era um sofrimento pungente que regozijou o lado sádico de Saga.
Em silêncio, Mu fez uma reverência profunda, as lágrimas escorrendo pelos seus olhos lindos, os lábios tremendo... Nunca mais iria amar quem quer que fosse naquela vida maldita!
- Estou as ordens da Deusa, meu senhor!
- Parta. E não volte de Jamiel até que receba uma ordem direta minha.
Engolindo sua imensa dor, as lagrimas que teimavam em querer cair, Mu se retirou da sala do Grão Mestre. Iria para o exílio.
XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX
Leão tinha uma febre alta, que não estava cedendo nem com os silenciosos e eficiente cuidados de Shaka. Ele mesmo dispensara as duas servas Amazonas e tomara para si os cuidados das feridas de Aiolia, mas sabia que o real problema era a dor da perda, a dor psíquica, e não as chagas que as pedras haviam provocado... Aiolia fora sempre um menino vigoroso, cheio de dignidade. Seu corpo e seu temperamento indômito firmavam, com a chegada da adolescência, forma e conteúdo admiráveis.Não era como Milo, que vestia a máscara da sedução para fugir dos seus fantasmas, nem esnobe, como Afrodite, ou frio como Aquário. Era ele uma exótica combinação daquelas características, temperadas com um enorme senso de justiça! E diabolicamente lindo. Uma beleza masculina e agressiva começava a despontar-lhe no corpo juvenil, que realmente muito lembrava a majestade de um felino. Mesmo eternamente de olhos fechados, Shaka tinha uma visão daquela beleza perfeita, uma beleza que chegava a agredir, pois o hindu não a "via" com os olhos, mas com seus sentidos apurados de cavaleiro. Cada poro seu vibrava quando captava as emanações da virilidade e força do corpo de Leão, um corpo que,de certo, despertava inveja no próprio Deus Apolo!
De olhos fechados, Shaka embebia panos nos ungüentos fétidos e os passava no corpo nu de leão com um toque gentil, refrescante... Suas mãos eram suaves e precisas. Longas, elegantes... Como Afrodite, Shaka tinha uma compleição delicada, quase feminil... Mesmo envolto em seus problemas, Leão não conseguiu deixar de compará-lo a um elfo de Tolkien...
- Olhe para mim, Shaka... Esqueceu da sua promessa de sempre abrir os olhos para mim?
Shaka fez um não veemente com a cabeça... Não gostava de abrir os olhos para ninguém, e, no caso desse alguém ser Aiolia, era algo ainda mais perturbador... Sempre fora, desde que era um menininho...
- Você também pensa que eu...?
- Não, Aiolia! Você não é um traidor do Santuário!
Os olhos de Leão estavam cheios de lágrimas contidas...
- Não somos amigos, mais?
- Você sabe a resposta...
- Então...
- Aiolia! Veja Camus e Milo... Sofrem horrivelmente por esquecerem que devem amar somente a Deusa! Veja Afrodite, que a cada dia, ama mais apenas a si mesmo! São criaturas se perdendo no sentido primitivo, paixão, enquanto os sentidos elevados são enfraquecidos, negligenciados, esquecidos! Uma grande batalha virá ainda, eu sinto, e nesse dia, eles... Eles estarão entorpecidos pelos sentimentos mundanos!
Shaka calou-se. Sabia que a desgraça de um cavaleiro era amar, querer a vida, quando sua obrigação era a de se preparar para transcender a morte... E o sentimento perturbador que o invadia quando estava com Leão, tão poderoso quanto seu Cosmo, era...
A voz grave, mas macia, do amigo lhe interrompeu os pensamentos temerários...
- Eles são humanos, Virgem, sofrem, erram, pecam, mas não temem a audácia de desafiarem o medo... Buscam o amor...
Shaka estremeceu. AMOR! Por segundos, esqueceu-se do seu autocontrole. Chegou a abrir os olhos fulgurantemente lindos... Leão, por segundos que lhe valeram pela eternidade, mergulhou na profundidade daquele olhar... Elevou a voz:
- VOCÊ NÃO ENTENDE NADA DO AMOR! - depois, controlou-a, fazendo-a quase sussurrar... - Eros é irmão de Thanathos, Aiolia, um é o amor, o outro, a morte... Não compreende isso, amor e morte andam juntos. Meu destino e o seu...
- Diga...
Shaka, reverberando o azul celestial dos seus olhos nos olhos escuros de Aiolia sentia o elo que os unia, até vislumbrava na mente o nome daquele sentimento antigo como os próprios Deuses... Ágape... Não, não aceitava aquilo! Não poderia aceitar! Intuía que seu destino era Thanatos, não Eros... Como cavaleiro, deveria se preparar para alcançar "Arayashiki", o oitavo sentido. Mas era inútil tentar fazer Leão entender aquilo. Tudo ao seu devido tempo! Era uma lei karmática e não havia como mudar o destino...
Os olhos de Aiolia suplicavam coisas inconfessáveis... Eram dois jovens cuja infância havia sido moldada a ferro e fogo para a vida espartana do Santuário e, agora, na explosão da puberdade deles dois, corpo e o coração, desejos, carnal e espiritual, ferviam, mas deveriam ser moldados no mesmo fogo e ferro da disciplina! O que eram as dores e emoções deles dois diante da missão sagrada de proteger Atena, gloriosa guardiã da Justiça na Terra? NADA!
Shaka fechou os olhos para fugir do olhar de Leão. Era uma fuga, mas uma fuga necessária. Seus sentimentos estavam em turbilhão, o coração aos saltos, uma excitação nada elevada, vibrando no chácra da sensualidade...
Leão lamentou:
- Você crê que meus sentimentos por você são desonrados...
Não! Como explicar que sua relutância em se aproximar de Leão era, justamente por sublimar e compreender a força daqueles sentimentos? Ai, Deuses, o que eram as palavras diante daquela situação tão complicada? Pouco podiam ajudar...
Sem forças para enfrentar aquele duelo de emoções, pior para ele do que qualquer batalha cósmica, Virgem se afastou...
- Volte!
Shaka ouviu mentalmente o chamado de Leão. Respirou fundo. Não queria se aprofundar mais numa conversa perigosa como aquela... Saiu da casa de Leão. Desceu as escadarias íngremes com uma rapidez espantosa. Sem errar um único degrau, com seus olhos sempre fechados. Mesmo assim, conseguia vislumbrar o rosto de Leão em sua mente, aquele olhar sério e triste ao mesmo tempo... Ao invés de ir para a casa de Virgem, refugiou-se no jardim que cultivava ao lado de sua casa. O entardecer despontava fazendo a lua e os últimos raios de sol conviverem numa tênue harmonia... Os dois, um no jardim da casa de Virgem e o outro na casa de Leão, ficaram perdidos nas lembranças que foram chegando devagar, mas imperiosas. Eram as recordações de ambos um manto de nostalgia e tristeza, um místico encantamento que tomava forma juntamente com a lua, fazendo os dois mergulharem na doce agonia do passado...
XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX
Risos... Um som de felicidade inconfundível...
- Consegui, Aiolos, consegui! Estou rodando sozinho!
A bicicleta havia sido comprada na feirinha de escambo que, uma vez por mês, acontecia na vila de pescadores, próxima ao Santuário. Estava em mau estado, mas, graças à habilidade de Sagitário, fôra totalmente reformada: o guidão e as rodas desentortados... Os ferros, lixados e pintados...
Na verdade, o menino Aiolos não tivera nada de valor para ofertar por ela, mas conseguira o cobiçado produto com a promessa de trabalhar durante as próximas folgas que tivesse naquele mês, quando os meninos do Santuário, aspirantes às armaduras, fossem dispensados dos treinamentos...
Valera a pena! Agora, depois de pronta, a "bike" estava linda! Os olhos brilhantes e felizes do seu irmão caçula fizeram valer todo o sacrifício!
- Estou andando sozinho, olha, mano, olha!
- Parabéns, Aiolia, eu sabia que você iria conseguir! Vou ter que sair agora... Brinque até eu voltar!
- Tudo bem, nano!
Logo, os outros meninos corriam em volta, batiam palmas, felizes como se também houvessem ganhado o adorável presente.
A vida no Santuário era inspirada nos antigos costumes espartanos.Tvs, vídeo-games, parafernálias eletrônicas e outros tipos de brinquedos eram vedados! Qualquer objeto que desviasse as crianças do objetivo máximo delas, que era treinar para serem os sagrados cavaleiros de Atena, era imediatamente descartado. Uma norma disciplinar rígida, que beirava a crueldade, mas, infelizmente, necessária. À infância se sobrepunha um valor maior: o nascimento de guerreiros; cavaleiros capazes de suportarem situações normais e supra normais sem o menor conforto psíquico ou material...
Ah, mas diante daquela "bike", o que eram além de crianças? Agora, Aiolia era o centro máximo das atenções. Mesmo os meninos mais velhos corriam em volta dele, como se Aiolia houvesse subitamente conquistado o cedro de um rei...
- É linda!
- Empresta?
- Dá outra volta, depois deixa eu ir!
Todos corriam rumo ao lago, enquanto Aiolia dava voltinhas em seu veículo, fazendo diversos "círculos" e "oitos" com ela. Aiolia viu quando o pequeno Shaka veio também correndo na direção dele, os cabelos longos reverberando no sol como ouro antigo...
Parou diante do menino...
- Abra os olhos, Shaka, quero que você veja a minha "bike"!
Shaka obedeceu... Mesmo para ele, tão controlado, às vezes era penoso viver eternamente na escuridão...
- Como é linda, Aiolia!
Aiolia sorriu, triunfante. Estava hipnotizado pelo olhar do garoto candidato à armadura de Virgem. Quando os outros meninos chegaram gritando atrás dele, foi que, finalmente, conseguiu desviar seu olhar daquele rosto único... Pulou da bicicleta como um cavalheiro saltaria de um cavalo faria diante de uma dama...
- Quer dar uma volta?
O sorriso feliz de Shaka foi a segunda coisa mais linda que Aiolia havia visto na vida. A primeira havia sido o olhar do pequeno hindu... A bicicleta ficaria em terceiro lugar...
- Quero!
- Suba!
Aiolia segurou a cinturinha de Shaka e o colocou cuidadosamente sobre a bicicleta.
- Sabe andar?
- Eu aprendo!
- NÃO, EU PRIMEIRO, AIOLIA, PRIMEIRO EU!
Era Afrodite. Dono de uma beleza digna de imortais era normalmente dócil, mas a verdade é que ultimamente estava tendo seu ego mimado demais, o que estava começando a prejudicar o seu caráter infantil. Estava ele acostumado a pequenos mimos e regalias. Um doce a mais no refeitório... O melhor cobertor... Ver-se assim preterido por Aiolia, que cedera a honra de andar na bicicleta para Shaka, feriu o seu ego, já vaidoso...
- EU PRIMEIRO!
Afrodite empurrou Shaka com tanta força que ele e a bicicleta saíram rolando pelo barranco que havia próximo ao lago... Foi um tombo e tanto! O menino louro chorava, pois havia ganhado feios arranhões nas mãos, pernas e joelhos, já que usavam todos ali,no perímetro do Santuário, túnicas gregas,curtas, como mandava a tradição.
Aiolia ficou furioso com Afrodite...
- SEU PESTINHA!
Afrodite estremeceu, mas escondeu seu medo e mostrou a língua...
- Não é culpa minha se esse idiota não sabe se equilibrar!
- Vou lhe dar uma surra!
Shaka parou o choro de repente e começou a correr na direção de Afrodite...
- Não, Aiolia, EU vou dar!
Engalfinharam-se, Afrodite e Shaka, e começaram a rolar pelo chão. Os outros meninos presentes fizeram uma rodinha em volta dos pequenos protagonistas daquela tragédia. Uivavam, batiam palmas, apostando na vitória de um ou de outro.
Milo tentou entrar no meio para separar a briga e proteger Afrodite, mas Máscara da Morte o segurou...
- Nada disso, deixa a gente ver quem leva a melhor...
Lutavam os dois meninos furiosamente, agora sem técnicas, estilos ou Cosmos. Era no "mano a mano" mesmo, uma questão de honra! Duas crianças comuns numa situação comum...
Aiolia olhou feio para Máscara...
- Você é mesmo um escroto!
Máscara riu e fez um gesto obsceno para Aiolia, que, ignorando-o, se colocou entre os dois meninos...
- Parem, vocês dois!
- Ele começou! (Afrodite)
- Foi você! Você me empurrou! (Shaka)
Para piorar tudo ainda mais, Shura apareceu, os olhos rasgados e escuros brilhando perigosamente. Embora fosse tão jovem quanto os outros, era, juntamente com Aiolos, um supervisor, responsável pelo comportamento disciplinar dos demais...
Gostava dessa função e às vezes exorbitava do poder de comando que tinha entre eles...
- Chega! É uma ordem!
Os dois garotos pararam, assustados. Afrodite fez um muxoxo adorável. Sabia que nem mesmo Shura resistia aos seus encantos...
- Foi o Shaka! Ele me bateu! Eu não fiz nada!
Aiolia interveio:
- Mentira! Não foi nada disso, Shura! Ele empurrou o Shaka!
De repente, Shura vislumbrou o objeto de duas rodas, pivô de toda aquela confusão...
- Uma bicicleta!
Camus se aproximou...
-Foi um presente de Aiolos para o irmão...
- Hunf!- Shura estava indignado - Quer dizer que Aiolos desobedeceu as regras do Santuário...
Milo, com um sorriso lindo e malandro, foi tentando botar "panos quentes"...
- Deixa disso, cara, é só uma "bike"... Que mal há nisso?
- Temos regras, Milo, se bem que você é a última pessoa desse Santuário capaz de entender a necessidade delas! Onde está Aiolos?
Foi Camus quem respondeu...Não queria fazer papel de dedo-duro, mas sabia que Shura não iria deixar ninguém em paz até que soubesse de todos os detalhes... Quanto mais ele ficasse irritado, pior seria...
- Foi até a vila dos pescadores... Ele me contou que vai trabalhar lá nas folgas, até cobrir o valor da bicicleta...
Shura não falou mais nada... Ergueu a bicicleta do chão e, com um golpe possante, Excalibur, cortou o ferro como se fosse manteiga, partindo o precioso brinquedo no meio.
Houve um silêncio sepulcral...Incomodado com o silêncio que era uma manifestação clara de reprovação, Shura falou qualquer coisa que lhe veio à mente...
- É assim que deve ser, Aiolia. Você sabe disso...
Aiolia saiu correndo para que ninguém o visse chorar... Escondeu-se nas pedras que avançavam para o mar Egeu, a revolta lhe queimando o peito, fazendo as lágrimas cair sem que ele quisesse. Assustou-se quando percebeu a presença de mais alguém... A mão suave de Shaka o tocou no braço...
- Desculpa, foi...Minha culpa.
- Não, não foi... Venha, vamos cuidar desses arranhões...
Pegou Shaka no colo. O menino enlaçou o pescoço de Aiolia e lhe deu no rosto um beijo cálido de gratidão...
Aiolia se afastou das pedras e foi novamente para perto do lago, onde havia água limpar tirar a terra dos joelhos machucados... Aiolia fez Shaka se deitar embaixo de uma árvore e foi até o lago onde algumas mulheres da vila de pescadores lavavam roupa e conversavam. Conversou com elas que, encantadas com sua aparência viril, lhe cederam uma pequena ânfora de barro para ele levar água limpa até Shaka.
Mesmo com seus olhos cerrados, Shaka "via", através da mente, o candidato à armadura de Leão se aproximando... Aiolia se ajoelhou a sua frente. O cândido beijo que o pequeno aprendiz de cavaleiro havia depositado em sua face parecia queimar...Docemente...
- Shaka...Está doendo! Vou lavar...
-...
Aiolia, ainda com as lágrimas contidas, lavou os ferimentos... O hindu murmurou:
- Um dia vou comprar uma bicicleta para você tão linda quanto essa...
Aiolia acabou de limpar os machucados de Shaka...
- Só quero ver sempre seus olhos... Promete?
- Não posso, meu mestre não iria gostar... E ele tudo sabe...
- É verdade que seu mestre é o próprio Buda?
- Não me diz o nome dele, às vezes, aparece nos meus sonhos, ou quando eu estou em meditação...
- Se for um espírito bom, ele não vai se importar... Prometa.
Shaka sorriu...Deu de ombros...
- Prometo Aiolia... Sempre que pedir, abrirei meus olhos para você... Mas agora acho que devemos ir embora... Os outros aprendizes já voltaram para Santuário... Seu irmão também logo voltará da vila e não vai ficar nada satisfeito ao ver a bicicleta destruída... Shura foi mau!
Aiolia deu de ombros... Queria ocultar o quanto o havia magoado aquela perda... Ignorando o comentário de Shaka sobre o cavaleiro de Capricórnio, disse:
- Vou levar você até o Santuário...
Shaka ampliou ainda mais o seu sorriso lindo...
- No seu colo? Você não agüentaria o meu peso!
Aiolia sorriu também...
- Uma ova que não!
Girou o corpo do garoto hindu e o colocou sobre si, com as pernas abertas em seus ombros, como se lembrava de seu irmão ter feito algumas vezes, quando ele era ainda menor. Não era muito mais velho do que o hindu, mas conseguia levar o peso do outro, leve e esguio, sem esforço, graças às horas de exaustivo treinamento físico durante os longos dias do Santuário...
Saiu correndo com Shaka nas costas. Corria contra o vento, sentindo a brisa fresca que vinha do mar acoitar face e cabelos...Envoltos naquela nova brincadeira, estimulados com o som reconfortante das risadas, esqueciam os dois os dissabores daquela manhã...
De longe, Afrodite observa a cena com o coração apertado de ciúmes...
XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX
A monotonia do aprendizado no santuário, suas regras rígidas e eternas, eram amenizadas em poucas ocasiões. A chegada de um aprendiz de algum país distante era uma delas. Os meninos se eriçavam, adoravam ouvir as novidades e rever os amigos que passavam longos meses longe da Grécia, aprendendo as mais diversas técnicas com mestres estrangeiros.
Naquele verão Aiolia levou um impacto... Havia ido com Aldebaran buscar Shaka no porto... Ele mesmo não gostava muito da civilização, e ficava impressionado como Aldebaran andava no meio de toda aquela multidão com naturalidade... Misturados entre os transeuntes, pareciam ser apenas mais dois garotos, mas o brasileiro Aldebaran impressionava com seu porte atarracado, bem desenvolvido para a idade. Era o mais forte e truculento entre os aspirantes às armaduras, e, com a puberdade, ganhara ainda mais músculos. Um touro, literalmente. Aiolia, por sua vez, chamava a atenção dos olhares femininos por outro motivo: era um Aquiles, perfeito, em forma e aparência. Iam os dois conversando, olhando para o céu, cujas nuvens escuras ameaçavam romper uma típica tempestade de verão...
Quando chegaram os dois rapazes ao local onde o navio que transportava Shaka havia atracado, Aiolia esperava encontrar o mesmo garotinho louro que estivera em sua mente nos últimos meses, mas o que viu descer do navio foi um corpo esguio, quase andrógeno, sensualmente envolto nos panos hindus, bordados em cores fortes. Os cabelos, presos, eram uma longuíssima trança que daria inveja à própria Guenevere! Como havia chegado diretamente de sua terra natal, nem mesmo a mancha de tinta vermelha na testa, símbolo da alta casta, havia sido removida do rosto delicado. Mesmo de olhos fechados, percebia-se em Shaka a pintura khal típica dos hindus. O coração de Aioria disparou. Disparou loucamente, uma emoção mundana, da qual ele se envergonhava, mas que tinha total e absoluta consciência! Sem jeito, fechando a jaqueta para que ninguém percebesse o seu estado evidente de excitação, ele chegou a perder as palavras...
O riso cristalino de Shaka chegou docemente aos seus ouvidos...
- Perdeu a língua? Tudo bem, caras? Finalmente a terra! Eu sempre enjôo nesses navios... A tempestade vem forte por aí... E aí, se eu estivesse a bordo, ficaria ainda pior...
Começaram a cair os primeiros pingos do céu, que agora reverberava cinzas do mais claro ao mais escuro em suas nuvens de diferentes matizes...
E diante de um jovem aparvalhado pela flecha de Eros, Shaka aceitou a ajuda de Aldebaran para carregar a mochila dele.Foi tagarelando em direção a pequena estação rodoviária local, enquanto os dois o seguiam... Nem de longe parecia um monge ou um guerreiro, era tão somente um adolescente, sem a menor consciência da sua sensualidade, contando as novidades!
Entraram no velho ônibus que vazia o circuito a beira mar para depois adentrar a velha estrada que saia da área portuária. O destino deles era a vila de pescadores, não muito distante do Santuário que ficava estrategicamente isolado em altas altitudes, entre as rochas e o mar... Um local cujo acesso era permitido apenas a pé, como mandava a tradição, ou por helicópteros.
A tempestade era torrencial. Mas com chuva, ou não, fariam, da vila, o resto do percurso a pé.
Aiolia chegou a corar quando percebeu que a poltrona destinada a Shaka ficava ao lado da sua. Aldebaran ficou logo atrás, de modo que podiam continuar a conversa sem incomodar os diversos passageiros, gente humilde do povo. Shaka riu quando "viu", com a mente, uma velha senhora e seu pequeno gato...
- Na Índia transportam até galinhas dentro do ônibus...Um gatinho não é nada!
Aiolia ia dando graças aos céus por nenhum dos seus dois colegas terem percebido seu constrangimento. Não era ingênuo. Sabia como funcionavam as questões sexuais no Santuário. Na verdade, era até mesmo assediado por muitos garotos que estavam loucos para lhe consentir "favores". Afrodite era um deles. Insinuava-se oferecia-se, mas a verdade é que ele, Aiolia, nunca levara "Dite" a sério. Sabia-o encantador e traiçoeiro como uma serpente e, mesmo que fosse só para uns "amassos", não gostava de gente assim! O garoto era volúvel e arrogante! Por isso, ele, Aiolia, preferia trocar carinhos e afagos com as meninas da vila. Afrodite se zangava quando era rechaçado, mas e daí? Era só orgulho ferido... Ele tinha que aprender a não se achar irresistível!
Aiolia continuou mergulhado nos seus pensamentos...
Sempre reparara nos furtivos afagos de Milo em Camus, mesmo o modo como Ares e Mu se olhavam... Compreendia, aceitava aquilo como um jeito natural de viver o sexo e o amor, mas se achava além destas questões mundanas, num nível superior a tudo isso... Até agora! Aquele desejo súbito e inesperado por Shaka o assustava ao mesmo tempo em que fazia explodir nele um doce e secreto prazer. Era uma sensação de quase... sacrilégio. Deu graças aos céus por Shaka não estudar a leitura das mentes como o cavaleiro de Áries...Será... Que alguém tão certinho quanto Shaka pensava em sexo? Engoliu em seco. Porque não? Os hindus não cultuavam o kama-sutra? O tântrismo...
- Não acha?
- O quê?
Aldebaran riu...
- Aiolia, em que mundo você está? Eu e Shaka estamos falando com você há horas e você está parecendo um zumbi! O mundo está se acabando em água e você nem percebeu!
- Eu... Eu... Distrai-me.
Aldebaran riu:
- Percebemos!
Shaka veio em auxílio de Aiolia:
- Eu e aldebaran estávamos dizendo que do jeito que a tempestade está, vamos ter que pernoitar na vila... Na casa do velho pescador... Aldebaran disse que tem em vista uma namoradinha lá... É a caçula do velho...
Aiolia estremeceu... Na vila? Uma noite com Shaka na vila! Na casa do velho pescador? Sua imaginação lhe trouxe imagens quase indecentes... Balançou a cabeça... Iria ser uma tentação terrível estar perto dele e não...
- Podemos andar, com chuva ou não... Aspirantes às armaduras não ligam para o desconforto... Ou para namoradas. O dever deve vir em primeiro plano.
Aldebaran protestou:
- Você está falando como o chato do Shura! Está quase anoitecendo. O Grão mestre não vai se incomodar se pedirmos hospedagem, desde que estejamos logo cedo nos treinamentos...
- Não sei... Estão começando lá os preparativos para a grande cerimônia de abertura para os rituais de posse das armaduras sagradas... Talvez devêssemos ir logo para...
Shaka interrompeu o amigo com sua voz meiga:
- A idéia de me resfriar não me agrada e essa chuva está pior do que as tempestades de monções da minha terra!
Aiolia deu de ombros...
- Ah, tudo bem! Democracia é democracia, o voto da maioria vence... Se formos açoitados pelo atraso, não digam que não avisei...
XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX
A temperatura havia caído bastante.A chuva caia lá fora torrencialmente enquanto os meninos ouviam a conversa dos presentes, reunidos à mesa, numa sala simples, mas aconchegante. Estavam na casa de um antigo pescador da vila, cujo sobrinho mais novo, órfão, era, como ele, aspirante a cavaleiro. O tio abrira mão do poder de tutela sobre o garoto a favor dos mestres do Santuário para que o menino fosse viver sob a proteção de Atena.Por isso, para o velho, era questão de honra absoluta hospedar os discípulos dos cavaleiros, que iam e vinham ocasionalmente por ali, a caminho do Santuário ou de partida para treinarem em países longínquos. Além disso, o povo grego era tradicionalmente hospitaleiro.
Shaka, Aldebaran e Aiolia foram bem alimentados com pão e peixe assado; uvas e vinho. Aldebaran flertava com uma das garotas, faceiras, que estava evidentemente fascinada pelo porte quase gigantesco dele. Aiolia, por sua vez, tentava não olhar para a boca de Shaka que se movimentava graciosamente para se alimentar, mas era difícil. Os lábios bonitos lhe lembravam todas as boas coisas que se eles poderiam fazer durante o sexo...
Estremeceu... Tentou se concentrar e conseguiu ouvir, finalmente, um trecho da conversa. Interessou-se, porque era Shaka quem falava. O louro contava um pouco sobre seu país, suas lendas e costumes, a miséria crônica do povo sofrido...
Uma das garotas da casa, que servia a comida, mas que também tentava em vão chamar atenção para que os olhos dele se abrissem, perguntou ao hindu:
- Porque você é tão louro e se diz indiano?
Shaka deu de ombros...
- Meus pais, pelo que consegui descobrir, eram Ingleses, trabalhavam em Nova Deli para o Governo, até que...-Por alguns segundos, Aiolia achou que Shaka pensava se deveria contar a verdade ou não, mas logo a breve pausa de hesitação, ouviu o jovem continuar sua narração:
- Eles foram assassinados por Tugues e eu fui seqüestrado para viver entre eles... Fui... Adotado como um deles...
Um dos pescadores perguntou:
- Tugues? O que é Tugues? Um povo, uma seita?
A hesitação que Aiolia percebera em Shaka era real, pois naquela vez o garoto desconversou... Ergueu-se:
- Eu... Estou com sono, peço desculpas! Preciso me deitar, ou não vou conseguir acordar antes do nascer do sol...
Todos concordaram. Aldebaran aproveitou que os olhares eram dirigidos a Shaka e saiu sorrateiramente com a rapariga que se jogava para cima dele. Aiolia sorriu... De certo ele, Aldebaran, iria dormir bem acompanhado em algum outro canto da casa... Sorriu, matreiro...Pensando bem, não iria dormir em absoluto...
Levantou-se também. Despediu-se do anfitrião e foi atrás de Shaka, para o quarto que o velho pescador deixava sempre a disposição dos hóspedes. Na verdade, era apenas um antigo cômodo cavado nas rochas, como eram os cômodos rústicos das casas gregas, que, pintadas com cal, reverberavam a beira mar num dia de sol como pérolas branquíssimas...
Encontrou o garoto fazendo meditação. Respirou fundo... Não queria passar a noite com um homem santo, porra! Sentou-se na cama de Shaka.
- Porque você fugiu da sala?
- Eu não fugi...
- Shaka, olhe para mim...
- Não.
- Pensei que você cumprisse suas promessas...
Não houve resposta. Depois de um tempo que para o jovem aspirante à armadura de Leão parecia ser longo demais, Shaka se virou para ele e lhe deu a visão maravilhosa daquelas íris esplendorosamente azuis... Estavam lindas, agoniadas, escondendo nelas alguma coisa, sim, era um segredo! Aiolia intuía isso fortemente, mas qual? Segurou as mãos delicadas como pétalas de Lótus...
- Você está tremendo...
- É o frio da noite...
- Não é não, você sabe que é... Outra coisa. E você não quer me contar o que é, não é? Foi algo que você lembrou da sua infância?
- ...
Aiolia cansou de se esperar pela resposta que não veio.Não mais conseguindo fingir indiferença ao corpo de Shaka, segurou o hindu pelos ombros e tocou de leve os lábios dele com os seus. "Agora vem porrada em mim..." Um segundo, dois... Nada. Aquela passividade elevou a excitação de Aiolia a um grau intolerável. Ele forçou a entrada dos lábios agora com a língua, explorando, adorando desmanchar aquela trança loura de cabelos em ondas. Sentiu a pele alva, marcou-a com beijos e carícias, enquanto empurrava o sari para baixo... O corpo de Shaka reagia ao seu toque querendo mais! Aiolia gemeu de prazer e incredulidade. O hindu também o queria!
Tirou suas próprias roupas dando a Shaka uma visão deslumbrante da sua nudez perfeita no auge de uma ereção e tornou a se aproximar da cama, avançando com a graciosidade de um felino faminto.Lambeu os mamilos do hindu com avidez, mordeu a curvatura do pescoço, buscou de novo os lábios com urgência, enquanto acariciava a barriga esculpida numa musculatura sedutoramente perfeita... A respiração ofegante e os gemidos tênues do outro eram para ele pura música! Não conseguindo mais se conter, Aiolia desceu os lábios para o abdômen. Fez carícias ondulantes no umbigo, nas coxas... No sexo túrgido. Queria dar a Shaka todo o prazer do mundo!
Foi nesse momento que o hindu pareceu conseguir forças para reagir contra o frenesi que tomava seu corpo... Ardia em febre, seus olhos azuis estavam vidrados de desejo, mas pulou para trás, esquivando-se. Arfava, embriagado pelo êxtase que ainda fremia em seu corpo...
- Não, Aolia. Eu não quero. Não... posso.
Foi como uma ducha de água fria jorrasse em sua face. Aiolia chegou a pensar em forçar o sexo entre eles.Teve que contar até dez para não agir como um crápula, mas estava indignado, quase furioso... Os dois estavam loucos de excitação, e Shaka dizia... Não!
- Não me diga que tem nojo. Seu corpo nega isso!
- Apenas... Não posso.
Aiolia deu um riso de escárnio...
- Somente pode com o calhorda do Máscara, não é?
Shaka abriu a boca de puro espanto e indignação:
- Eu e ele nunca...
- Não é o que ele diz por lá...
- Isso é mentira! Ele é um...
- Shaka... -Aiolia fazia o humanamente possível para não dar um grito de raiva e frustração...-Seja razoável, é o que eu e você queremos... Isso é quase comum no Santuário, olha...Camus, Milo... Mesmo o discípulo de Shion e o próprio mestre Ares ,eles...Droga, cara! Mas que porra!
Frustrado, Leão deu um soco na parede. A marca do seu punho cravou na rocha que fazia vezes de parede...
Shaka virou o rosto, uma agonia infinita, uma vontade premente de chorar.
De repente, Aiolia pulou para trás, assustado. Uma imagem medonha se formou ali, na sua frente, envolvendo Shaka e flutuando sobre ele... Aiolia estremeceu, porque não admitir? Com medo! Para vencer Fóbos era necessário jamais lhe virar as costas ou subestimá-lo... E era de meter medo o que via: uma lindíssima mulher, mas com presas na boca, como um vampiro. Sua nudez perfeita estava coberta apenas por sangue e uma guirlanda de cadáveres. Por frações de segundo, a visão o dominou, inundando o pequeno cômodo para logo depois se evaporar no éter... Shaka percebeu o espanto de Leão, mas era evidente que não tivera a mesma visão...
- O que foi?
A perplexidade se transformou em fúria. Leão sabia que Shaka era um mestre nas ilusões...
- Você está usando suas técnicas idiotas comigo, aspirante à casa de Virgem!
- Não!
- Está! Pensei que era maturo o suficiente para encarar a coisa com dignidade, conversando comigo, e não... Fazendo truquezinhos baratos de alucinações!
- Eu não fiz nada
- Ainda nega!
Aiolia começou a se vestir, irritado. Shaka sentia-se desamparado... Do que Aiolia estava falando!
O candidato à armadura de Leão abriu a porta...
- Aonde você vai?
- Não sou seu palhaço! Vou dormir no chão da sala, bem longe de você, seu puritano metido a santo! Afrodite é bem menos hipócrita do que você! Ele assume o que deseja!
Aiolia saiu batendo com a porta num forte estrondo.Shaka tentou mentalizar seus chácras, atingir o equilíbrio do kundalini para abstrair-se das emoções fortes, mas não conseguiu. Agiu então como um garoto comum: jogou-se na cama e chorou, aproveitando que barulho ensurdecedor da tempestade e raios iria ocultar o som agoniado do seu pranto...
XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX
Naquele mês, algumas armaduras teriam novos cavaleiros. Estava programada a consagração de novos cavaleiros para as Casas de Aquário, Peixes, Áries, Touro, Câncer, Leão, Virgem e Escorpião. As casas de Libra, Gêmeos, Capricórnio e Sagitário já tinham seus titulares, que eram consecutivamente Dohko, Saga, Shura e Aiolos. Saga desaparecera misteriosamente do Santuário e Dohko não portava a armadura por causa da idade, porém, mesmo assim, fora resolvido que eles eram os legítimos titulares das suas casas zodiacais e portadores de suas armaduras. Haveria nos próximos dias lutas e testes dificílimos, até que as casas zodiacais vagas, exceto a de Gêmeos, tivessem um novo titular... Para o início dos rituais e lutas que davam aos escolhidos o direito vitalício e sagrado de portar as armaduras douradas, uma grande solenidade estava prevista para ter início naquela noite... Quando os três garotos chegaram no centro de treinamento do santuário, perceberam uma movimentação incomum. Havia convidados chegando de Asgard, Ilha da Morte, Ilha de Andrômeda e também dos mais diversos países. Quase ninguém teve tempo de reparar a tristeza de Shaka ou a frieza de Aiolia, nem mesmo Aldebaran, já que, durante o restante da viagem ficara mais preocupado em se lembrar da noite que passara com a rapariga da vila do que em reparar o humor dos amigos...
XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX
Afrodite acabara de chegar com seu mestre da Suécia. Estava na ala dos dormitórios, se preparando para a abertura dos rituais, quando ouviu que Aiolia havia chegado com os outros aprendizes... Não pensou duas vezes. Dispensou o costureiro que dava os toques finais no seu "peplos" e saiu em desabalada carreira escadaria abaixo, sem se preocupar em calçar as sandálias ou prender os cabelos fulgurantemente azuis... Um etéreo perfume de rosas inundou o ar quando ele se colocou ofegante e feliz, diante dos três recém chegados. Seu rosto estava corado por causa da corrida e da emoção de ver Aiolia, seus lábios entreabertos por causa da respiração emocionada...
- Aiolia, veja a minha túnica, ela não é linda?
Afrodite era mesmo uma visão de embasbacar qualquer mortal, ainda mais naquelas vestes diáfanas. Era simplesmente... Perfeito. O garoto ficou na ponta dos pés para ficar um pouco mais alto, e ergueu bem o rosto, fazendo seus lábios quase se encostarem em Aiolia que sentiu nuas narinas deliciosamente impregnadas pelo cheiro de rosas que vinha dos cabelos que tinham a cor do céu ao entardecer...
Shaka, mesmo de olhos fechados, chocou-se. Conseguia perceber claramente a aura do menino andrógeno... Ele era apaixonado por Aiolia! Pela primeira vez em sua vida, Shaka percebia como era horrível o sentimento corrosivo dos ciúmes. Abriu os olhos, não conseguindo ficar indiferente ao comportamento oferecido do outro...
- Comporte-se com a dignidade de um aprendiz de cavaleiro, Afrodite!
- Você não é meu mestre me dar ordens, hinduzinho! Você tem é despeito porque não tem cacife para conquistar sequer uma vaca sagrada!
Shaka empalideceu muito, como se estivesse passando mal. E estava. Seus sentimentos ferviam em um verdadeiro caos e ele fremia, tentando ser superior às emoções mundanas, mas naquele momento, autocontrole era-lhe algo extremamente penoso. Foi com um esforço sobre-humano que não retrucou nada. Aquela aparente indiferença do hindu frustrou e enfureceu Aiolia que segurou Afrodite pelos ombros e o puxou para si lhe dando um beijo brusco na boca.Não se importava quem mais veria aquele beijo, desde que Shaka visse! Descolou os lábios da boca macia e disse:
- É para lhe dar sorte nas lutas finais...
Os olhos de Afrodite brilhavam lágrimas contidas de emoção. Já rodara muito de mão em mão, mas era como se nunca houvesse sequer sido beijado... Os lábios dele chegaram a tremer. Ele não conseguia acreditar...
- Você... Me beijou!
Ouviram a voz desagradável de Máscara, que se aproximava, um olhar cheio de ódio para Aiolia, um riso de escárnio na boca...
- Ele e o resto desse Santuário!
Afrodite virou-se para ele, furioso...
- Cale a boca, eu não estou falando com os porcos do chiqueiro...
- Sim, você prefere trepar com eles, e não falar...
Shaka, magoado com Aiolia, mas orgulhoso demais para admitir isso, fechou os olhos e se afastou sem dizer nada. O aspirante a armadura de Leão teve que se conter para não ir atrás dele. Não, não iria bancar o maricas apaixonado! Bateu nas costas de Aldebaran...
- Vamos, temos que nos apresentar aos mestres...
Aldebaran concordou, entre confuso e divertido... Podia perceber os ânimos exaltados de todos os protagonistas que haviam participado daquela pequena tragédia, só não atinara bem quem tinha ciúmes de quem...
- Vamos...
Afastaram-se, Aiolia e Aldebaran.
Afrodite bateu os pés, irado, furioso com Máscara...
- Seu grande cretino! Você atrapalhou tudo!
- Ora, adorável putinho... Aiolia não vai cair nas suas garras tão facilmente, não percebe? Shaka abriu os olhos por causa dele... Nunca vi Shaka fazer isso por ninguém!
O rosto de Afrodite quase chegou a ficar feio, tamanha a careta de desprezo que fez...
- Quero que Shaka morra, e você junto, seu grosseirão!
Afrodite começou a subir os degraus que o levariam de novo ao dormitório irritadíssimo, enquanto ainda ouvia a risada de Máscara soar em seus ouvidos...
XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX
As doze divisões do relógio sagrado foram acesas, iniciando doze horas de festa e solenidades... Eram uma visão belíssima as caixas das armaduras sagradas dispostas em semicírculo diante da imensa estátua de Atena. À direita da Deusa de pedra, na ala principal do anfiteatro, ficavam o camarote que abrigavam os altos mestres do santuário e seus convidados especiais... Saga, sempre se passando por Ares, no centro, iniciou as preces como sumo sacerdote de Atena. Era acompanhado por dois assistentes de altar, cavaleiros de prata. Importantes convidados, entre eles a pequenina Hilda Polaris, e sua irmã, ainda bebê, representantes de Odin, acompanhadas dos seus tutores, ouviam as preces em silêncio respeitoso. O sumo sacerdote proclamou em grego arcaico preces antigas como o próprio Oráculo de Delfos... Palavras que calavam nos corações e mentes de todos...
- Que a sabedoria da Deusa abençoe os cavaleiros e que sua misericórdia faça os que padecerem pelo caminho atravessar o rio da morte com Carontes, rumo ao reino de Hades para um justo e benéfico julgamento, pela bravura que tiveram em vida...
Moedas de ouro foram colocadas por dois sacerdotes sobre cada caixa de armaduras, simbolizando o dinheiro necessário para a passagem pelo rio Styx, passagem esta que seria feita pelos candidatos que morreriam durante as provações.
Aiolos, já consagrado cavaleiro de Sagitário, ouvia aquilo com um sentimento mesclado de orgulho e terror... O barqueiro Carontes! Sim, muitos aprendizes iriam morrer durante os testes e jamais viveriam a plenitude da juventude. Eles seriam arrebatados pelo barqueiro... Ele mesmo, Aiolos, perdera muitos colegas quando lutara pela sua armadura... Não temera seu destino, mas temia o de seu caçula. Amava-o demais para aceitar a idéia perdê-lo...
Logo a seguir as preces inaugurais, uma chuva de cometas cruzou os céus, o que foi interpretada por todos como um presságio de benção aos novos cavaleiros que iriam se consagrar naquele ano. Mas Aiolos não mais estava atento ao espetáculo. Percebia que seu caçula não estava ali, entre os aspirantes a cavaleiros que adentravam o "Pequeno Anel". Havia no Santuário dois trajetos para corridas e desfiles cerimoniais: Os chamados "Grande e Pequeno Anel".Exatamente como eram os trajetos de competições das antigas metrópoles da Lacedemônia, o "Grande Anel" ocupava o perímetro de todo o Santuário, o que dava quase seis milhas. O "Pequeno Anel", que era usado para os desfiles e rituais esportivos, por sua vez, ocupava cerca de umas três milhas, circundando o anfiteatro e a Grande Deusa de pedra. Mas Aiolia não estava entre os garotos que desfilavam solenemente no percurso do "Pequeno Anel", todo iluminado por tochas. Onde estava ele?
Aioros livrou-se de sua resplandecente armadura, fazendo-a retornar à caixa sagrada e esquivou-se dos convidados e amigos para procurar o irmão.Nada. Não estava na ala dos dormitórios, nem na grande sala de banho... Onde...? Sentiu o cosmo do irmão na biblioteca. Correu até lá e abriu a porta, zangado...
- Como ousa perder uma solenidade tão importante? Enlouqueceu?
Aiolia largou o livro que lia... Aiolos estava incrédulo...
- O que você está fazendo aí! Nunca ligou para leituras, ainda mais num dia de festa... Um evento tão importante para o Santuário e você ai!
- Eu... Quem são os Tugues? Não consegui encontrar nada sobre isso...
Aioros franziu o cenho...
- Tugues? Porque quer saber sobre isso?
Aolia deu de ombros...
- Curiosidade... Você sabe alguma coisa? Sempre foi mais estudioso do que eu...
- Tugues é uma antiga seita dos adoradores de Kali...
- Kali?
- A mãe negra, dos hindus... Uma Deusa demônio, o lado escuro da grande Deusa Parvati. Parvati é como Atena, sabedoria, luz, proteção. Kali é a morte, a ilusão, o lado de dor e escuridão que há no mundo... Uma Deusa com sede de sangue...
Aiolia estremeceu... Lembrou-se da estranha imagem que vira pairar sobre Shaka na noite anterior... Uma mulher vampiro... demônio... Kali!
- Como... é essa Deusa?
Aiolia deu de ombros...
- O que ouvi dos mestres é que é consorte de Shiva que destrói espíritos malignos e restabelece a ordem cíclica do mundo, enquanto, ao mesmo tempo, quebra o paradigma desse mundo com a destruição e morte... Aiolia, chega, eu quero ir à festa!
- Por favor, mano, conte-me mais!
- Eu não sei mais!
- Fale-me mais sobre os Tugues!
- Lembro me de que o mestre Shion uma vez ensinou que os Tugues se passam por camponeses e artesões comuns, mas que em certa época do ano, tornam-se assassinos sacerdotais, assassinando e decepando dezenas de vítimas em nome de Kali...
Aiolia lembrou-se do que Shaka contara sobre ter sido seqüestrado pelos integrantes da seita...Os pais dele haviam sido assassinados por Tugues!
Aiolia olhou sério para o irmão...
- Shaka viveu com eles...
- Isso não pode ser verdade, Aiolia! Ouvi o meu mestre contar uma vez que os tugues freqüentemente adotavam os filhos de suas vítimas para se tornarem sacerdotes um dia, mas isso não faz sentido! Um garoto maculado por essa seita jamais seria aceito pelo Santuário!
- Mas se esses...
- Chega! Não me interessa a vida de Shaka agora.Se você pretende ficar ai e perder a festa, eu não. Venha...Vamos! Conversamos sobre isso depois!
Meio a contra-gosto, o caçula seguiu o irmão até as proximidades do anfiteatro.
Agora, ao invés do clima de santidade e solenidade de antes, havia um quê de puro divertimento no ar... Todos se confraternizavam e riam, brincavam, dançavam em volta da grande fogueira que crepitava no centro do anfiteatro. O vinho corria livre, como se Dionísio fosse o Deus que mais iria abençoar aquela madrugada. Na verdade, a idéia era a de que todos os discípulos rissem e brincassem, usassem os sentidos do corpo e aproveitasse a vida ao máximo, porque nas provações que estavam por vir, muitos conheceriam a morte. Eram de três a cinco aprendizes para cada casa zodiacal, mas apenas um seria cavaleiro de ouro. Os outros morreriam ou se mutilariam durante as provações. Com muita sorte e habilidade, entre os sobreviventes, talvez um ou outro conseguisse o consolo de uma armadura de prata, mas o destino de ser um sagrado cavaleiro de ouro era mesmo para pouquíssimos privilegiados... Por isso, como o destino dos meninos já havia sido tramado pelos Deuses com fios de desgraças e bênçãos, eles poderiam aproveitar a noite ao máximo. Até a luxúria seria permitida! Agora que os meninos mais novos haviam sido levados para seus aposentos, dançarinas com poucas vestes e até rapazes insinuantes circulavam próximos ao fogo bruxuleante da fogueira... Os corpos cujas atitudes já eram audaciosas por causa do efeito do vinho, se entrelaçavam em danças cheias de lascívia e se jogavam pelo chão. Tudo seria permitido aos jovens que beberiam a taça de glória ou de morte... O que ganhariam aqueles meninos que, durante anos, haviam sido duramente treinados? O amanhã glorioso ou a morte prematura? Os Deuses eram mesmo irônicos em suas tramas... Sádicos, até...
Shura chamou por Aiolia, sorridente. Capricórnio nunca se permitia extravagâncias, mas, naquela noite, estava feliz, particularmente animado."É o efeito do vinho" pensou Aiolia, enquanto via seu irmão se afastar com um Shura que nada lembrava o arrogante e punitivo Shura de sempre. Os dois foram numa roda em volta da fogueira felizes como duas crianças...
Aiolia continuou caminhando, procurando inconscientemente os cabelos dourados de Shaka, mas de repente, uma fragrância inconfundível de rosas inundou suas narinas, um odor deliciosamente agradável...
- Afrodite...
- Oi, eu procurei você até agora...
- Continue procurando, faça de conta que não me viu!
Os olhos lindos de Afrodite brilharam desaponto...
- Não precisa falar assim, droga!-Afrodite se colocou na frente de Aiolia, uma expressão sedutora nos rosto lindo, mas havia também um olhar agoniado que era quase suplicante... - Vem dançar em volta da fogueira comigo...
- Não, Afrodite! Vá lá com o Máscara, ele que gosta de bancar seu leão de chácara.
- Droga, cara! Você... Hoje foi legal comigo, me beijou... eu achei...
- Achou errado.
Afrodite estava inconsolável... Aiolia estava já virando as costas para se afastar dele, mas então ouviu sua voz agoniada...
- Amanhã o Camus vai para a Sibéria... Eu também vou partir, para a Suécia, depois sei lá pra onde, eu e mais três candidatos... Todos os aspirantes às armaduras vão partir, mas poucos vão voltar vivos... Aiolia, eu ouvi coisas horríveis sobre as provações... Quase todos os candidatos à armadura sagrada de Peixes na época que meu mestre se tornou cavaleiro morreram, o único que sobreviveu... - Afrodite deixou escapar um soluço de aflição - Meu mestre me levou um dia para visitar o único colega dele que havia sobrevivido... ele estava todo queimado, Aiolia, estava horrível, medonho como a própria Medusa... Um velho horrendo e queimado! Eu não vou conseguir viver se algo assim me acontecer! Sonhei várias noites que estou morrendo, que estou, como aquele pobre diabo, com o rosto todo queimado... E que estou passando com Carontes pelo rio Styx. Tenho medo!
Aiolia o segurou pelos ombros e o fitou com seriedade... O coração agora um pouco mais enternecido do que antes...
- Você não deve pensar como um... droga, Afrodite, você foi treinado desde pequeno para agir como um homem de coragem. Use essa coragem agora.
A voz de Afrodite soou quase num sussurro...
- Fique comigo, então. Me faça seu.
Aiolia ficou realmente surpreso. Não pelo que Afrodite dizia propriamente, mas pelos sentimentos inconfessáveis que via agora naquele olhar. Não esperava algo tão... doce.
- Eu não acho que devo.
- Aiolia... A gloria e a Morte são duas irmãs siamesas que chamam para si os aspirantes a cavaleiros... Uma dessas irmãs é o selo do nosso destino. A tradição diz que nós, os que andam de mãos dadas com elas, temos o direito de abraçar um sonho antes de partir... E o meu sonho... sempre foi você.Não me negue esse pedido...
Afrodite ficou na ponta dos pés e alcançou os lábios de Aiolia com os seus. Foi como se um choque percorresse o corpo do aspirante à armadura de Leão, acendendo seus sentidos com uma libido irrefreável. Aiolia puxou o corpo de Afrodite para si, sentindo a pele deliciosa, exageradamente sedosa para ser de um rapaz, mas ao mesmo tempo firme, máscula. O sexo dele, Afrodite, se pressionava contra o seu, tão teso quanto o dele próprio, também já no ápice de uma excitação furiosa. Aiolia não conseguiu mais refrear o desejo que explodia com a força de um dique arrebentado. Beijou Afrodite novamente, mas agora com uma paixão crua, sedenta, fazendo as línguas se entrelaçarem insinuantes e ávidas como serpentes. O aspirante a armadura de Peixes gemeu e seu gemido fez com que Aiolia perdesse de vez qualquer resquício de autocontrole. Puxou Afrodite quase aos trancos para o dormitório que dividia com o irmão, certo de que este não retornaria tão cedo, por estar na festa com Shura. Aiolia encostou Afrodite contra a parede dos aposentos, tocando, bolinando, mordendo os ombros lívidos sem se importar se deixaria marca neles ou não. Os gemidos cada vez mais enfermos do outro o atiçava à beira da loucura. Aiolia ergueu o "peplos" cerimonial do outro, vislumbrando as coxas firmes, a plenitude da excitação masculina... O falo ereto pulsava agora deliciosamente em suas mãos...
- Isso, menino, geme assim que eu gosto de ouvir...
Afoito, deliciado com as carícias que recebia de Aiolia, Afrodite o despiu, com a mesma urgência e pressa do aspirante à armadura de Leão. Logo, rolavam pelo chão, num ritual de volúpia que era quase uma luta, uma medida de forças para ver quem seria o copulador e o copulado. Aiolia deu um tranco quase violento em Afrodite, segurando seus pulsos com firmeza e o imobilizando com um beijo furioso. Aquilo fez o corpo andrógeno parar deitado no chão, fremir e se submeter... Uma languidez súbita mostrou a Aiolia que Afrodite estava pronto para ser dele. Ele tocou com a língua os mamilos, depois as coxas, o abdômen que se movimentava sôfrego por causa de respiração entrecortada... Depois, percorreu os caminhos secretos entre a sexo e o ânus, fazendo Afrodite gritar alto de puro tesão enquanto era invadido em suas partes íntimas pela língua dele, Aiolia, que se tornara, ao mesmo tempo um instrumento de tortura e também instrumento do mais puro êxtase!
Aiolia de repente parou e riu, feliz, sádico até, quando ouviu o murmúrio de protesto do garoto de cabelos azuis... Disse:
- Peça... Eu quero ouvir...
- Não pare agora... AIOLIA!
O nome do caçula de Aiolos saiu num grito alto quando Afrodite sentiu o seu corpo ser invadido com deliciosa brutalidade pelo sexo pulsante do outro, que lhe abrira as pernas e as erguera para o alto como faria com uma fêmea. Uma fornicação louca e ritmada começou enquanto os dois transpiravam suor e êxtase por todos os poros! Afrodite ergueu os quadris ainda mais. Gritava e se masturbava, enquanto Aiolia segurava os cabelos azuis como se fossem rédeas para sua frenética cavalgada.O tempo foi se esgotando, enquanto o furor da fornicação e o cheiro de sexo impregnavam o ar... Aiolia estava muito próximo do seu gozo, mas de repente, gemeu de frustração e susto, e se jogou para trás. Afrodite gritou de raiva e praguejou, mas, no mesmo instante, percebeu o porquê daquela atitude do amante recém conquistado: O cosmo de Shaka! Olharam para a porta e sim, realmente, Shaka estava lá, e o que era pior, de olhos bem abertos, com uma expressão de fúria neles... Aiolia sentia na pele o cosmo do outro reverberando uma raiva assustadora...
- Shaka...
- Peço desculpas pela intromissão! Fiquem à vontade!
Aiolia meteu-se em sua roupa, desesperado para alcançar o outro, esquecendo-se completamente da nudez linda de Afrodite...
- Não ouse ir atrás dele, Aiolia, ou eu não vou perdoar você!
- Estou me fodendo para o seu perdão! SHAKA!
Aiolia saiu rápido dali e gritou mais uma vez o nome do louro, mas este não parou e nem se virou. Shaka correu, misturando-se entre os outros que estavam no pátio externo... E sumiu. Aiolia percorreu tudo por ali: as casas zodiacais, o anfiteatro, a biblioteca, a grande cozinha, o salão de refeitório, os aposentos, a sala de banho... Nada, ele simplesmente desaparecera. Ocultava sua aura com uma perfeição enervante, impedindo qualquer contato telepático ou cósmico.
Inferno! A frustração de Aiolia parecia não ter limites. Iria achar Shaka nem que tivesse que mover o Santuário de lugar! Ele procurou por Shaka exaustivamente, até que o dia raiou, mas a sorte dos Deuses não lhe sorria. A última casa do relógio de fogo se apagou na grande torre, indicando que os candidatos às armaduras deveriam se reunir para partirem. A partir de agora, ninguém, além dos antigos mestres, deveria falar com eles ou tocá-los.
Aiolia foi chamado por Shura...
- Ande! Depressa, Aiolos está procurando você! Os candidatos à armadura de Leão deverão se reunir agora em frente a grande estátua da Deusa...
- Eu não posso ir ainda, Shura, preciso...
O tapa feroz no rosto de Aiolia o fez calar a boca. O som da pele estalando o fez estremecer. Seu olhar vibrou de ódio, mas seu semblante continuou impassível.Shura gritou, os olhos rasgados brilhando ameaçadoramente:
- Não ouse se acovardar agora, Aiolia, seu irmão não suportaria essa vergonha! Ande, ou eu mesmo vou arrastá-lo!
Raiva e frustração se misturavam no coração do jovem Aiolia. Sentia ódio de Shura naquele instante, mas entendia, na verdade, que este estava apenas cumprindo seu papel naquela hierarquia austera. Aiolia disse, seco:
- Jamais Fóbos vai me dominar, Capricórnio. Eu serei o novo cavaleiro de Leão!
Mais jovem, mas tão alto quanto Shura, Aiolia passou por ele com uma expressão determinada no olhar. Havia ainda um gosto amargo em sua boca, porque não mais conseguiria encontrar Shaka. Ao caminhar entre as pedras que o levariam a ponto de encontro dos candidatos à armadura de Leão, Aiolia viu diversos garotos se enfileirando, ao longe, para partirem rumo as lutas que dariam aos vencedores o direito de portar as sagradas armaduras...
Jeans surrados, jaquetas, sonhos, esperanças, tênis coloridos... Agora, sem as túnicas cerimoniais, eram apenas garotos! Finalmente, vislumbrou Shaka ali, entre eles. Semblante inexpressivo, olhos cerrados... Viu também o belo Afrodite olhando para ele, Aiolia, de longe. Havia naqueles olhos mágoa e frustração... Sua consciência pesou, mas ele, Aiolia, não podia falar nem com um, e nem com o outro, pois assim mandava a tradição.Agora que as doze casas do relógio de fogo haviam se apagado, os meninos somente poderiam falar com os mestres e sacerdotes, até que finalmente saíssem dos limites do Santuário... Alguns voltariam para buscar as armaduras sagradas, outros voltariam em suas mortalhas...
Continua...
