Tudo estava calmo em Asgard, guerreiros treinando, guardas em seus postos, algumas mulheres cuidando das casas, outras cuidando dos jardins, algumas crianças estudando, outras brincando sob o sol que insistia em embelezar ainda mais o reino, que já era belo por si só, mas dentro do castelo o clima não poderia ser pior. Das masmorras Loki não conseguia ver o reino, as crianças, o sol, tudo o que via era os guardas que passavam de tempos em tempos, a pedido de Frigga, para verificar as condições de sua cela e se ele estava ao menos, confortável. Era tudo o que ela podia fazer pelo filho, que fora julgado por Odin e condenado a passar a eternidade preso pelos crimes que cometera em Midgard.

Loki nunca foi um exemplo de bondade e Frigga sabia disso, sabia que o filho tinha uma veia para as trevas e fazia o que podia para que ele não se sentisse tentado ao mal, sabia também que o título de Deus das Trapaças não era à toa, desde muito pequeno já possuía grandioso talento para pregar peças, ela mesma acobertou inúmeras vezes as brincadeiras infantis que ele fazia, que com o passar do tempo estavam ficando mais sérias, obrigando a rainha deixar que ele mesmo assumisse o que fazia. Frigga sabia também que Odin levava os julgamentos muito a sério, tudo que saísse do controle, o mínimo que perecesse ser, ele já se culpava, ele tinha que mostrar aos asgardianos que ninguém estava acima da sua lei e da ordem, nem mesmo Loki, seu próprio filho. Isso, Loki filho de Odin, pois ninguém poderia saber da sua verdadeira origem, ninguém.

Thor havia retornado de Midgard, teve que resolver umas pendências junto com os Vingadores, esteve fora durante o julgamento do irmão, ele sabia que o pai não iria ser bondoso, o que Loki fez foi realmente grave.

- O senhor fez o quê? – pede Thor com uma ponta de indignação, até tristeza talvez – Acha que jogá-lo nas masmorras vai resolver o problema?

- O que eu deveria ter feito então Thor? – responde Odin olhando por cima, sentado em seu trono – Loki estava incontrolável, nem você, nem seus amigos de Midgard conseguiram detê-lo. Até segunda ordem, Loki permanecerá preso, não vou voltar atrás de minha decisão por conta do seu sentimentalismo. Ele foi condenado e vai cumprir a pena como tal.

- Porque está falando assim dele? – fala Thor visivelmente surpreso com a atitude do pai – Agora me dirijo ao senhor não como um Deus, mas como seu filho, o que está havendo? Aconteceu algo enquanto eu estava fora? Eu e Loki já fizemos coisas, coisas meu pai que o senhor nem deu tanta importância. Baniu-me para Midgard para que eu melhorasse, sabia que eu poderia... poderia ser uma pessoa melhor. Porque com ele é diferente?

- Está dispensado Thor, tenho outros assuntos para resolver. – responde Odin, sem um pingo de sentimento.

Thor faz uma breve reverência e vira as costas, mas antes de sumir da sala do trono fala alto o suficiente para que Odin possa escutar.

- Sempre achei besteira o que Loki dizia sobre o senhor nos tratar de formas diferentes, mas agora posso perceber como ele tinha razão.

Frigga estava no seu jardim preferido do castelo, talvez o seu lugar preferido nos nove reinos, ela adorava cuidar das flores, vê-las desabrochar era reconfortante, melhor ainda era perceber que estavam brotando.

- Tempos melhores virão! – dizia sorrindo, era mais uma autoafirmação que qualquer outra coisa.

- Falando sozinha minha mãe? - Thor chega e a abraça de surpresa, mas não a assusta.

Frigga conseguia sentir a essência dos filhos de longe, seria influência da magia que ela possuía ou era coisa de mãe? Sinceramente? Nem ela sabia Loki se aproximava ela sentia frio, um frio incontrolável, o sol poderia estar no seu ápice, mas quando ele estava por perto todo seu corpo estremecia, lógico que ninguém nunca percebeu, nem mesmo ele, não era algo ruim, mas era no mínimo curioso. Com Thor era diferente, ela sentia o cheiro de terra molhada depois de uma chuva calma, esse era o indício de que ele estava por perto, e quando ele estava nervoso ela poderia jurar aos Deuses que sentia descargas elétricas percorrer seu corpo. E hoje, não seria diferente.

- Aborrecido filho? – pergunta preocupada, mas quase adivinhando a resposta.

- Não concordo com a decisão dele. Também não estou concordando com o que Loki fez, mas as masmorras? Não consigo entender...

- Eu tentei – fala Frigga num suspiro quase inaudível – Você sabe que detesto injustiças, sabia que eu nem pude acompanhar o julgamento? Eu iria intervir por Loki, as atitudes dele não condizem com o que ele é eu o conheço melhor que todos e...

Thor envolve a mãe num abraço carinhoso e reconfortante, tenta de alguma forma acalmar a rainha que estava visivelmente abalada.

- Nós vamos dar um jeito mãe, vamos implorar aos Deuses para que ele não faça nenhuma besteira e nos ajude a ajudá-lo! Nem falei com o pai sobre Jane, sobre o que eu penso em fazer...

- Tudo há seu tempo Thor, agora não é uma boa hora para dar uma notícia desse porte, vamos aguardar as coisas se acalmarem. – Frigga falava calmamente, como costumava ser.

- Vou seguir seu conselho mãe, espero que o Pai de Todos entenda.

- AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAH

Um grito de raiva ecoa das masmorras, os guardas podiam garantir que o Hel estremeceu dessa vez, Loki estava inconformado para não dizer coisa pior. Estava preso há algumas semanas, mas pela contagem do mesmo pareciam anos. Sua cela estava impecavelmente limpa, cama arrumada, mobília no lugar, comida intocada em cima da mesa posta ao canto, na estante ao fundo haviam livros, dezenas deles, a maioria ele já havia lido inúmeras vezes, todos trazidos pelas serviçais ou por Frigga, a única autorizada por Odin a fazer visitas. A cela era magicamente selada, o que o impedia de praticar feitiçaria. Sua sanidade estava sendo testada. Ele podia sentir. Sua magia estava implorando para ser liberta, isso doía, física e psicologicamente.

Sentado em um dos cantos da cela, Loki observava os guardas que caminhavam e olhavam discretamente para o interior.

- Devem estar se divertindo...

- Desculpe alteza, não temos autorização para lhe dirigir a palavra! – diz um dos guardas sem ao menos o olhar nos olhos. Medo? Talvez.

- Háhá claro que não! – Diz Loki num riso forçado e debochado – Que grande perigo vocês correm ao fazer a guarda de um prisioneiro em uma cela mágica, o que ele acha que vou fazer? Comandar um motim? Fazer com que os fieis guardas traiam o Pai de Todos?

- Só estamos obedecendo ordens, com licença! – o outro guarda responde tão rápido que mal se pode entender.

- Patético! – Loki fala sozinho observando os guardas que sumiam de sua vista.

Ele se levanta e vai em direção a estante, procurando algum livro que seja bom o suficiente para lhe distrair. Pega o livro mais velho que vira, senta na beirada da cela e começa a ler tranquila e pausadamente, por mais que a sua vontade era de explodir aquela maldita cela, ele tinha ciência que seu comportamento era crucial para uma possível retratação de Odin e conseqüentemente a sua liberdade. Esse não era o momento para agir sem pensar. Não mesmo.

Concentrado em sua leitura nem percebe a figura feminina que se aproxima.

- Vejo que está mais calmo agora, posso ficar? – pergunta Frigga na intenção de conversar.

- Não posso lhe impedir. – Loki responde frio e seco, como sempre fora.

- Não precisa falar assim comigo Loki, você não sabe o quanto eu tentei convencer seu pai de desfazer essa besteira, mas ele acha que você deve pagar pelo o que fez em Midgard... – Frigga percebe que Loki estava atento, escutando – Não sei o que houve lá, e sinceramente nem sei se quero saber por enquanto, só sei que você não é assim, você conhece as leis, é diplomático, sempre odiou guerras sinceramente, imaginei que teria essa conversa na prisão com o impulsivo do seu irmão e não com você. – Loki levanta o olhar e encontra os olhos desapontados da mãe – Você é melhor que isso Loki, eu confio em você!

- Talvez não devesse! – ele diz numa tentativa falha de intimidar a mãe, ou desapontá-la ainda mais.

Loki é, no mínimo, complicado. Nunca fora de muito sentimentalismo, enquanto Thor, seu irmão, precisava ter o ego constantemente afagado por quem quer que fosse, onde fosse e por qualquer motivo, Loki se permitia ficar feliz com os elogios, constantes, de sua mãe Frigga, seu único ponto fraco. Frigga é mais que sua mãe, como se isso fosse possível, ela fora sua mentora, foi ela quem ensinou os primeiros passos na feitiçaria, ele jurava que herdara dela o gosto pelos livros, tanto que é um dos únicos a ter acesso a livros da biblioteca particular de Frigga, é ela quem sabe os pontos fracos dele, é ela quem consegue tirar sorrisos sinceros e é com ela os raros momentos de leveza, onde ele não pensa em trapaças nem em mentir, na maioria das vezes ela sabia quando ele mentia, mas ela não podia negar que com o passar do tempo Loki ficou bom nisso, ou seja é cada vez mais difícil para ela decifrá-lo.

- Mentes tão bem para todos, mas não consegue esconder a verdade de si mesmo! – Fala a rainha num sorriso tão sincero, que desmonta o Deus.

- Mãe, eu... só... é complicado! – ele fala se levantando de onde estava e se sentando ao lado dela.

- Tudo é complicado quando se trata de você, sabes disso!

- Sempre piadista minha mãe! – ele fala sorrindo, pela primeira vez.

- É um dom! – ela responde na mesma intensidade, mas murchando aos poucos – Escute Loki, não quero que pense que eu desisti de você ou o esqueci...

- Porque está falando assim? – visivelmente preocupado.

- Ele não quer mais que eu venha... te visitar, eu deixei uma ilusão no jardim das fontes, só assim pude vir! Ele disse que se me visse aqui me proibiria de sair do castelo e... – ela fala abaixando o rosto.

- O QUE? Como ele ousa? Ele me prometeu o que não é grande coisa, mas prometeu a você! – Loki já estava de pé, o sorriso de antes sumiu mais rápido que qualquer mágica que ela já fizera – Ele quer que eu enlouqueça que eu sucumba à insanidade preso nessa cela maldita! Mas ele não vai conseguir isso... e você vai acatar as ordens dele?

- Loki se acalme... não há nada que eu possa fazer... – ela fala numa tentativa de conter a ira do filho.

- COMO NÃO? Não é a primeira vez que ele prende você. Eu já fiquei semanas na sala de cura sem receber a visita da minha própria mãe porque ELE não queria que você me visitasse. Quando houve o baile em Vanaheim, o que ele foi sozinho quando todos os outros levaram suas esposas, onde você estava? Háá sim, presa no castelo, porque ELE não queria que você fosse! Você conseguiu presenciar a batalha que Thor venceu em comemoração à boa colheita de Alfheim? Não! Porque estava no quarto, de portas trancadas! – Neste momento Loki pode perceber os olhos marejados da mãe, mas não podia parar – Você, a Deusa do Matrimônio, fadada a viver a eternidade num casamento infeliz!

- Eu não estou infeliz Loki... seu pai me faz feliz, só que...

- Só que?... – ele a interrompe e pega na mão dela - Não minta pra mim mãe, mesmo nessa cela eu sinto a mentira, e você sabe disso!

- Ele não era assim, éramos felizes, seu pai era compreensivo, carinhoso, mas em algum momento da nossa caminhada algo o mudou! Eu sei disso, mas eu não sei mais o que fazer, sinceramente não sei... – ela estava triste, ele podia sentir, mas o que o impressionou nesse momento é que ela não mentia.

- Pelos deuses! Ele sabe que você se sente assim?

- Ele tem muita coisa pra pensar, esse assunto só o aborreceria ainda mais...

- Você pensa tanto nos outros que não pensa em si mesma! – ele beija as mãos da rainha antes que ela deixe a cela, em silêncio.

Ele odiava isso, odiava esse sentimento de impotência, odiava vê-la triste desse jeito, ela sempre foi tão alegre, é horrível para ele ver isso sumindo aos poucos, eles eram muito próximos. Desde sempre. Quando não estavam na biblioteca da rainha, estavam na sala de magia treinando. Frigga o treinava bem, estrategicamente e magicamente falando. No início ele não tinha noção do tamanho do poder que possuía, ela sabia, sabia que seria difícil com o passar do tempo, ela sabia que mais dia menos dia ele descobriria a verdade e não seria bom, mas até que esse dia não chegasse ela o treinaria, seria sua amiga, sua companheira, sem julgamentos e sem as distinções que Odin fazia. Ela o acompanhava em seus exaustivos estudos e ele se empenhava dia após dia para saber tudo o que podia sobre leis, códigos, etiqueta e tratados, Loki implorava a Odin para que o levasse nas reuniões dos reinos. Ele queria conhecer tudo, saber o máximo que podia, ele queria ser rei e sabia que conseguiria. Enquanto Thor estava ocupado em exibir seus músculos para as moças de Asgard, ele mostrava alternativas para os acordos, estratégias de guerra, ele se comprometia cada vez mais com os reinos, com Asgard. Odin sempre foi contra, inúmeras vezes discutiu com Frigga sobre isso, para ele, Loki já sabia de sua origem e tudo não passava de um plano para tirá-lo do trono, pois imagine só, alguém como Loki no poder de Asgard seria uma tragédia. Frigga sempre deixou claro, os únicos que sabiam do segredo eram ela, Odin, Heimdall e o próprio Laufey.