Disclaimer: Lost e seus respectivos personagens não me pertencem. Esta narrativa não possui finalidades lucrativas.
Categoria: Romance, Drama, Sobrenatural
Shipper: Sana.
Censura: M
Sinopse: Ilhas Desventuradas, Chile, 1968. Na pequena ilha de Paraíso, uma lenda se fez viva por gerações. Mas quando a jovem Ana-Lucia encontra um homem desacordado trazido pelo mar, tudo o que sempre acreditou pode mudar para sempre.
Nota da autora:
Baseado nos contos "El ahogado mas hermoso del mundo" de Gabriel Garcia Marquez e "Dos Palabras" de Isabel Allende.
HAY AMORES
Capítulo 1- De las Profundidades (Das Profundezas)
Existe um fio muito fino segurado pelas mãos do destino que rege nossas vidas. Ele é como uma corda de violino, pode parece frágil, mas com um único toque dos dedos podemos perceber o quanto é forte. Sim, forte, minha menina, mas não indestrutível. O destino pode romper esse fio quando lhe aprouver.
Ana-Lucia ouvia atentamente a história que a avó lhe contava. Mas em sua mente. Embora estivesse na cama, enrolada em um grosso cobertor de lã, como todas as vezes em que escutara aquela velha história, desta vez sua avó não estava ali, e aquela nem era a sua cama, muito menos a casa de seus pais. Mas Ana gostava de fechar os olhos e imaginar que estava em casa de novo, ouvindo as histórias da avó. Tinha apenas dezessete anos, mas já estava casada havia dois com um homem escolhido por seu pai, como era costume na pequena ilha de Paraíso.
Entretanto, o nome não fazia jus ao lugar. A ilha se localizava no arquipelágo chileno conhecido como Ilhas Desventuradas, pouco habitas e frias a maior parte do ano. Não nevava, mas quem andava sem agasalho ao longo da praia depois das sete horas da noite podia sentir o vento cortando-lhes o corpo como facas afiadas, açoitando-lhes as costas como chicotes. Além disso, todos os dias eram cinzas. As terras áridas. Comida escassa. A comunidade vivia basicamente da pesca e da criação de alguns animais. Não havia plantações em Paraíso. Quando precisavam de trigo, frutas ou verduras, os homens iam até outras ilhas próximas ou às vezes viajavam até Santiago para negociar peixe em troca desses artigos. Mesmo assim, a vila era muito precária. Ao todo 50 casas iguais, distribuídas uma ao lado da outra em um elevado acima da praia para evitar que a maré bravia as engolisse. A única construção diferente das outras era a igreja no início da vila, um prédio de madeira de apenas um andar e com uma enorme cruz no topo. Não havia dinheiro para construir torres ou colocar um sino.
Por muito tempo Ana sonhou com uma vida longe dali. Mas ao completar 15 anos seus sonhos foram se apagando aos poucos. Era tradição em Paraíso casar-se com alguém da própria ilha ou de ilhas vizinhas. Seu marido era oriundo de San Gonzalez, seu primo em terceiro grau. Tornou-se mãe pouco tempo depois do casamento e teve que assumir suas responsabilidades. Já não era mais a menina livre que corria pela terra seca da ilha e brincava no mar gelado, mas a esposa de Daniel Cortez. Apenas isso e mais nada. Sua única felicidade na vida era o filho Pedro, prestes a completar 2 anos. Era ele quem mantinha a chama da esperança acesa em seu peito de que um dia algo aconteceria, algo de grandioso, talvez até mágico que mudaria sua vida para sempre. Sua avó estava sempre falando de magia afinal.
Tudo pode acontecer. Mas isto só funciona se acreditarmos. Não existe magia sem crença. Foi por isso que quando Ele chegou à praia naquela manhã chuvosa de julho a mágica aconteceu, porque nós acreditamos nela.
Ana sorriu consigo mesma, ainda se lembrando das palavras da avó. Aquela história era a mais especial de todas que ela contava. A história do homem que fora trazido pelas águas até a praia de Paraíso, morto, afogado há dias, mas tão belo que nem mesmo a morte conseguira tirar-lhe a beleza.
Quando os homens o trouxeram e as mulheres resolveram limpar o corpo do morto para tentar descobrir quem ele era, emocionaram-se diante de tamanha formosura. Os cabelos Dele eram compridos e finos como fios de ouro, as sobrancelhas cheias, porém não havia um só fio de cabelo fora do lugar, o nariz era imponente, o queixo largo e ligeiramente pontudo. Todo o seu corpo era forte pois, era o corpo de um bravo guerreiro. E sua masculinidade... – a avó sempre acrescentava um sorriso quando dizia esta frase. ...era algo de se admirar. Muitas mulheres então passaram a desejar que seus maridos fossem como Ele. Mas quem era Ele? O homem precisava de um nome. As mulheres queriam chamá-lo por um nome.
Ana-Lucia se mexeu inquieta na cama. Aquela era sua parte favorita da história. Fechou os olhos e continuou ouvindo a narrativa da avó em sua mente.
Os homens da vila pegaram seus barcos e foram até as ilhas mais próximas e também até as mais distantes. Perguntaram em todos os cantos se alguém sabia a identidade do morto, mas ninguém sabia e isso trouxe grande alegria às mulheres quando por fim os homens retornaram com tal notícia. Se ninguém viria reclamar o morto, então o morto pertencia à vila. E finalmente deram-lhe um nome depois de muito discutir entre elas. Chamaram-no Sawyer, simplesmente porque gostavam do som daquele nome e parecia combinar tanto com Ele.
É claro que a princípio os homens o desprezavam-no e riam da devoção das mulheres para com Ele. Mas Sawyer tinha algo de tão fabuloso em sua essência que acabou por conquistar também aos homens.
- O que Sawyer tinha de tão especial afinal, vovó? O que era diferente sobre ele além do fato de estar morto mas continuar belo?
Ana sempre fazia aquela pergunta naquela parte da narrativa, embora já soubesse a resposta. A avó suspirava antes de responder:
- Ele era tudo o que todos nós sempre sonhamos. Ele era a esperança de que havia uma vida melhor muito além destas ilhas.
Depois que o afogado tinha sido batizado, os homens e as mulheres prepararam seu túmulo. Como não há cemitérios na ilha foi preparada uma barca para acomodá-lo. Os homens a construíram e as mulheres a encheram de flores quando Sawyer foi trazido. Muitas choravam emocionadas e os homens o olhavam com pesar. Da onde aquele homem teria vindo? Por que sua vida fora ceifada tão cedo? Ele teria sido feliz? Muitas foram as perguntas, mas o fato é que quando Sawyer foi levado em sua barcaça para o topo do abismo ninguém amarrou-lhe uma bola de ferro na perna porque todos queriam que ele voltasse e não que seu corpo ficasse submerso para sempre no mar.
Quando o corpo Dele foi finalmente sepultado no abismo, as pessoas fizeram pedidos para que se um dia Ele voltasse pudesse realizá-los e mudar suas vidas. Desde então estamos esperando que Sawyer volte.
- Acha mesmo que um dia Ele voltará, vovó?
- Sim, minha menina, Ele voltará e tudo será diferente.
Ana deixou cair uma lágrima ao se recordar do final da história. Por mais que a história de sua avó parecesse fantástica demais, ela gostava de acreditar nela, gostava de ter esperanças. Era reconfortante pensar que aquele homem fora um bom presságio para a ilha e que a vida dela haveria de mudar um dia. Ela sempre ao precípio da onde atiravam os corpos dos mortos e pedia para que Sawyer voltasse e realizasse seus sonhos.
- Por que a vela está acesa?- seu marido perguntou despertando de repente ao seu lado e voltando-se para ela, dando um enorme bocejo.
- Tive um sonho ruim.- Ana mentiu. – Por isso acendi a vela, Daniel.
Soltando um suspiro irritado, ele passou o braço por cima do corpo dela e pegou o pequeno candelabro de prata onde a vela estava acesa, soprando-a.
- Peça perdão a Deus pelos seus pecados e não terá mais pesadelos.
- Sim, marido.- ela respondeu e fechou os olhos procurando dormir.
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- Acorde, mulher preguiçosa!
Ana-Lucia ouviu a voz áspera do marido perto dela e sentiu um vento frio em seu corpo, quase congelando-a, os dedos dos pés retorceram-se inquietos e ela se perguntou onde estavam suas meias de lã. Ele havia retirado os cobertores de cima dela e possivelmente suas meias.
- Não vai acordar não?
- Eu estou acordada, Daniel.- ela respondeu, encolhendo o corpo na cama por causa do frio. Ainda estava escuro.
- Ótimo!- respondeu ele. – Porque eu estou esperando pelo meu café quente há pelo menos uns cinco minutos. E você sabe que os peixes no mar congelado não vão me dar todo esse tempo para pescá-los. O Josias e o Antonio já devem estar na Doca, provavelmente me amaldiçoando por terem que me esperar lá com esse frio.
- Me desculpe!- Ana respondeu, já se levantando da cama e procurando os tamancos de madeira revestidos com lã para calçar. Precisava desesperadamente esquentar os pés. O xale não estava muito longe, pendurado em uma das quatro cadeiras que havia na pequena casa onde viviam. Colocou-o sobre os ombros e esfregou as mãos uma na outra enquanto procurava pelos grãos de café em um pote de barro. Ela precisava moê-los e misturar o pó com água fervente.
Assim que encontrou a lata de café, pegou uma chaleira e acendeu o fogão à lenha para esquentar a água.
- Quem sabe se vamos ter sorte esta manhã.- Daniel comentou olhando pela janela. Estava muito escuro lá fora. Devia ser por volta das 4 da madrugada. – As águas estão congelando tão depressa que cada dia fica mais difícil chegar até os peixes.
- Eu tenho certeza que vão conseguir pescar muitos peixes hoje.- disse Ana com um sorriso, tentando animá-lo.
Daniel franziu a testa com ar de deboche.
- Do jeito que você tem pesadelos, Ana-Lucia, é porque tem muitos pecados guardados. Se parasse de pecar tanto, talvez Jesus fosse mais bondoso conosco e não resfriaria tanto o mar para que pudéssemos pegar mais peixes.
- Que tantos pecados você acha que eu tenho?- ela ousou perguntar. – Não acredito que pense que eu o traio ou algo assim.
- Não, é claro que não!- disse ele. - Se você me traísse, Ana, eu saberia e pode apostar que eu mataria você e o desgraçado com quem estivesse me traindo. Mas a preguiça é o seu pecado maior! Vive por aí pelos cantos, deixa nossa casa e nosso filho sozinhos para ficar de conversinha com as outras mulheres ao invés de cuidar de seus afazeres! Pensa que eu não te vi ontem quando estava voltando do mar?
- Por Deus!- Ana exclamou. – Eu estava apenas ajudando as outras mulheres a decorar a praia para a festa de natal. O José conseguiu trazer uma árvore grande no barco dele. Estava quase desfolhada mas conseguimos deixá-la bonita, você viu? Esqueceu-se de que hoje é véspera de natal, Daniel? O Pedro esperou o ano todo por isso.
- O Pedro ainda é muito pequeno para entender estas coisas, e além do mais é tudo perda de tempo, Ana! Estou cansado de te dizer isso! Ficar fazendo farra não é o que o Senhor espera de nós. Eu sou um homem prático, me preocupo em botar comida dentro desta casa!Me preocupo em ser o provedor da família como está dito nas escrituras.
A água na chaleira ferveu e Ana apressou-se a colocar o pó dos grãos que ela moera em um pilão dentro de uma pequena jarra de metal onde jogou a água quente juntamente com um torrão de áçúcar.
Daniel entregou a ela sua velha caneca de estanho e Ana a encheu com café fresco.
- Pois eu espero, querida esposa que esteja em casa quando eu retornar do mar.
Ela nada respondeu, ao invés disso, comentou:
- Minha mãe perguntou o que iremos oferecer esta noite no jantar de natal. Eu disse a ela que falaria com você porque só temos trigo e leite na despensa. Pensei em fazer um pouco de pão e...
- E desperdiçar nossa comida com a vila? Nada disso! Cada um que consiga a sua própria refeição!
Ana abaixou a cabeça sentindo-se quase derrotada. Todos os anos Daniel fazia isso. Ele não se importava com nada e nem com ninguém. Ás vezes parecia não se importar nem com o filho deles. Mas ela sempre dava um jeito para que tivessem algo a oferecer no jantar de natal.
Era uma data importante, que ela gostava muito. Pessoas das ilhas de San Félix, San Anbrosio e San Gonzalez, as ilhas mais próximas, vinham celebrar com eles e traziam mantimentos e presentes para repartir com todos. Assistiam à missa juntos e depois comiam em uma grande mesa de madeira que era posta na praia. Naquela noite as esperanças de Ana se renovavam todos os anos e sua avó sempre contava novamente a velha história do homem afogado mais belo do mundo que trouxera tanto amor e esperança aos corações dos habitantes da ilha.
Sentindo-se melhor, ela buscou na despensa o trigo e o leite que tinham. O leite estava ficando coalho porque Daniel o tinha trazido há cerca de três dias. Mas serviria para fazer um bolo de nata se ela fosse buscar um pouco de manteiga e alguns ovos na casa da avó. Mesmo com o clima hostil da ilha, Maria Cortez criava algumas galinhas e tinha ovos sempre que precisava, além de preparar manteiga em sua própria casa. Alguns diziam que sua avó era uma bruxa por viver isolada da vila, mas para Ana-Lucia ela era apenas mais inteligente do que os outros e parecia encontrar soluções para os problemas da ilha onde ninguém mais encontrava.
Sorrindo satisfeita, decidiu que assim que amanhecesse deixaria o filho com sua mãe e iria até a casa da avó que morava em uma cabana na parte mais alta da ilha.
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- Mamãe vai voltar logo!- Ana sussurrou para o filho ao entegá-lo nos braços de sua mãe.
Pedro começou a chorar muito mas a avó embalou-o nos braços enquanto Ana lhe jogava beijos.
- Procure não demorar.- disse-lhe a mãe observando Ana arrumar a capa de lã cinza nos ombros para sair. – Daniel não vai gostar se voltar do mar e não encontrá-la em casa.
- Como se nossa ilha fosse tão grande assim, mamãe.- Ana ironizou. – Eu voltarei logo. – Cuide do meu bebê!
- Cuidarei!- Teresa Cortez prometeu. – Sabe, eu não entendo como sua avó conseque viver lá em cima tão isolada de todos nós.
- Ela virá para a festa de natal esta noite, mamãe.
Teresa apenas balançou a cabeça negativamente e disse:
- Vá logo, meu anjo. Estaremos esperando por você.
Ana sorriu e então se afastou, jogando mais um beijo para o filho ainda no confortável abraço de sua avó, chorando. Ela sabia que assim que as outras crianças saíssem para brincar, ele a esqueceria por algumas horas
Assim que se afastou da vila, Ana-Lucia respirou o ar frio e puro da manhã com prazer. Sempre que ia visitar a avó sentia-se tão livre. Daniel odiava que ela subisse até os rochedos mais afastados onde a avó dela vivia. Mas ela adorava ir até lá e ver-se livre do domínio dele mesmo que apenas por alguns momentos.
Ela estava caminhando há cerca de uma hora, já perto dos rochedos que levavam ao precípio onde as pessoas que morriam na ilha eram sepultadas direto no mar quando avistou algo se movendo sob as ondas pouco antes de começar a subir a escada de pedra natural que a levaria até a cabana da avó.
Ana recuou um pouco para ver melhor o que era aquilo. A princípio parecia uma mancha escura no mar azul claro e gelado. Uma mancha muito comprida. Ela descobriu o capuz que protegia seu rosto do frio e desceu o declive que levava até o mar sentindo-se muito curiosa sobre o que seria aquilo.
À medida que se aproximava da água suas botas enterravam-se na areia gelada, mas ela persistiu enfrentando a lama formada pela mistura de areia e água até ficar próxima o bastante da coisa que enxergara de cima. O céu acinzentado não ajudava muito, a manhã estava escura e sombria, mais sombria do que Ana reparara quando deixara a vila mais cedo.
No entanto, quando ela finalmente conseguiu vencer sua batalha pessoal contra a areia da praia e já sentindo seus joelhos cansados pelo esforço que fizera, aconteceu. Ela o viu. Podia jurar que havia um único raio de luz do sol sobre ele.
- Meu Deus!- Ana exclamou forçando os joelhos novamente, desta vez para dentro da água que estava congelante, mas ela não se importou. Precisava tirá-lo da água. – Sawyer! Sawyer!- ela chamou como se assim pudesse acordá-lo. O corpo do homem estava emborcado, com o rosto para dentro da água, mas Ana sabia que era ele. Só podia ser. Seu sonho se tornava realidade.
- Você voltou pra nós!- exclamou sem conseguir conter um largo sorriso.
Continua...
