N.A.: O capítulo contém cenas/falas retiradas do livro "O Sangue do Olimpo".
Durante o conflito entre gregos e romanos no Acampamento Meio-Sangue, no final da guerra contra Gaia.
- / -
You and I must make a pact
We must bring salvation back
Where there is love, I'll be there
(Você e eu devemos fazer um pacto)
(Devemos trazer a salvação de volta)
(Onde houver amor, eu estarei lá)
- / -
POV – WILL SOLACE
Eu, Lou Ellen e Cécil observamos, impressionados, os seis onagros dos romanos, abastecidos com uma incendiária munição de ouro imperial, prontos para destruir o acampamento que era minha casa há tantos anos. Foi então que ouvi um pequeno movimento, desviando o olhar pra uma figura esguia próxima de nós, que me parecia familiar.
- Nico? – eu chamei, em voz baixa, reconhecendo o menino magro, pálido, de cabelos negros cortado irregularmente, caindo sobre os ombros.
Ele se virou, a espada de ferro estígio vindo parar perigosamente próxima do meu pescoço.
- Abaixe isso! – eu pedi, em voz baixa. – O que você está fazendo aqui?
Ele parecia surpreso de nos encontrar agachados ali, porque me respondeu com uma série de perguntas, em tom ríspido.
- Eu? O que vocês estão fazendo aí? Querem morrer?
Eu tinha algumas lembranças de Nico di Angelo. Não eram tantas assim, porque ele não parava muito no Acampamento Meio Sangue. Me recordava brevemente de quando ele tinha chegado ainda criança acompanhado da irmã, Bianca, que tinha falecido logo depois. Na época, eu também tinha acabado de chegar ao acampamento, onde eu residia permanentemente após a morte de minha mãe, Naomi Solace.
Depois, me lembrava dele na batalha contra Cronos, pouco mais de um ano antes, lutando bravamente. Ele tinha convencido Hades a deixar o mundo inferior e combater os Titãs, ao lado dos deuses. Em seguida, construiu um chalé para seu pai no Acampamento Meio-Sangue, mas não costumava ficar lá, desaparecendo por longos períodos.
Mais tarde, soubemos que Nico di Angelo já conhecia e frequentava o tal Acampamento Júpiter, onde estavam os semideuses romanos, o que fez com que muitos gregos torcessem o nariz (ainda mais) para o filho de Hades. Eu achava aquilo uma besteira, aquela luta toda era uma idiotice, estávamos nos atacando quando deveríamos estar lutando contra o verdadeiro inimigo. Gaia estava se reerguendo e nós estávamos aqui, matando uns aos outros.
De certa forma eu entendia a resistência de Nico a todos nós. Não era como se ele tivesse sido super bem tratado em suas visitas ao Acampamento Meio-Sangue. Havia muito preconceito sobre sua filiação, ele era prole do deus dos mortos, manipulava assustadoramente os poderes do mundo inferior, e isso (somado ao seu jeito fechado e rude) fazia com que muitos semideuses quisessem manter uma distância segura de Nico di Angelo.
Mas apesar de tudo isso, e de reconhecer que ele era um semideus poderoso, ele não era o único que podia fazer alguma coisa. Me inquietei com a forma como ele questionou o que fazíamos ali, se queríamos morrer, como se fosse muito mais capaz do que nós de resolver aquele problema.
- Ei, estamos espionando o inimigo. Tomamos precauções. – minha expressão não devia ser nada bonita quando eu respondi, sem procurar ser agradável.
- Ah, é, se vestiram de preto em pleno nascer do sol. Pintaram o rosto, mas não cobriram essa cabeleira loura. Chamariam menos atenção se estivessem agitando uma bandeira amarela. – ele debochou, com um humor sarcástico.
Senti que enrubescia com seu comentário e torci para que ele não estivesse percebendo aquilo. Forcei a voz a sair firme e determinada quando continuei:
- Lou Ellen nos envolveu em um pouco de Névoa também.
- Oi. – Lou falou. - Nico, não é? Ouvi falar muito de você. E este é Cecil, do chalé de Hermes.
Nico se ajoelhou perto de nós, perguntando do treinador Hedge. Quando chegou ao acampamento, o sátiro tinha contado a mim e alguns outros semideuses acerca dos seus últimos dias com Nico e Reyena, a pretora do Acampamento Júpiter. Meu descontentamento em relação ao filho de Hades se abrandou, ele estava sinceramente preocupado com Hedge, mesmo no meio daquele conflito todo, o que eu achava muito amável e atencioso. Garanti a ele que o treinador estava bem e contei sobre o nascimento do bebê.
- O bebê! - Nico sorriu, e era evidente raramente o fazia, mas me peguei olhando encantado para seu sorriso. - Mellie e a criança estão bem?
Eu assegurei que sim e contei sobre o parto, que tinha sido realizado por mim, e num impulso, querendo esclarecer sobre como estava com as mãos tremendo depois daquela ação como médico, eu segurei a mão de Nico di Angelo. Sua pele era fria, chocando-se contra o calor natural que vinha de mim, que por ser filho de Apolo, sempre estava com uma temperatura elevada demais.
Eu podia sentir a fraqueza que vinha dele, provavelmente pela enorme quantidade de viagem nas sombras. Nico retirou a mão de imediato, num desconforto nítido, demonstrando não querer ser tocado.
Tinha sido um movimento tão simples. Um toque despretensioso mesmo, como eu encostava em meus irmãos, meus amigos... mas quando o toquei, foi como se o tivesse queimado com ferro em brasa, dada às suas reações.
- Aham. – seu tom era seco, cortante. – Bom, não temos tempo para ficar de conversinha. Os romanos vão atacar ao amanhecer, e eu preciso…
Antes que ele pudesse completar, no entanto, eu antecipei o que ele planejava fazer. Quando o observei minutos antes, tive a clara impressão que ele pretendia ir até a tenda onde os romanos estavam se organizando.
- A gente sabe – eu o interrompi, assumindo um ar mais sério. - Mas, se você pretende viajar nas sombras até aquela tenda, pode esquecer.
- O que? – ele me olhava hostil, como se pensasse de onde eu tinha tirado forças para falar com ele daquele jeito.
- O treinador Hedge me contou tudo sobre as suas viagens nas sombras. Você não pode fazer isso de novo. – eu respondi, categórico, recordando-me do que Hedge havia dito, de como Nico vinha se esgotando ao transportar a Atena Partenos, tendo dormido por horas a fio, de pura exaustão.
- Acabei de fazer isso de novo, Solace. E estou ótimo. – ele mentiu, a voz grosseira, como se quisesse me assustar.
- Não, não está. Eu sou um curandeiro. Senti a escuridão nas suas mãos no mesmo instante em que toquei em você. Mesmo que conseguisse chegar àquela tenda, você não estaria em condições de lutar. Só que você não conseguiria chegar lá. Mais um mergulho e você não volta. Você não vai viajar nas sombras. Ordens médicas.
Nico di Angelo tentou argumentar comigo, mas aparentemente acreditava no que eu dizia, porque ao final concordou em danificar os onagros sem viajar nas sombras, usando a névoa de Lou, desde que fosse ele a nos dar instruções. Eu não tinha problemas com aquilo, pelo que eu sabia, Nico era um garoto bastante inteligente e conhecia os romanos melhor do que nós, de forma que concordei de imediato.
Quando chegamos aos onagros, Nico pediu a Cécil que mudasse a mira das armas para destruírem umas as outras, uma solução bastante boa, porque estragaríamos os onagros sem que os romanos percebessem. Ficamos vigiando enquanto Cécil agia, mas em um dado momento nossa presença foi percebida apesar da névoa de Lou e eu me adiantei para distrai-los. Lou transformou alguns em porcos – eu adorava ser amigo de uma filha de Hecate – mas quando outros avançaram pra mim, foi Nico di Angelo que veio em meu auxilio.
Eu sabia sobre seus poderes de viajar nas sombras, de invocar os mortos e criar fissuras entre este mundo e o mundo inferior, mas não me recordava dele ser tão bom em luta corpo a corpo. Certamente era melhor do que eu, que era mais habilidoso com o arco, numa luta com maior distância, conforme era comum entre os filhos de Apolo. Mas mais do que isso, ele lutou contra os seis romanos que vinham em minha direção, incapacitando-os em poucos segundos, brandindo sua espada contra os mesmos.
- Obrigado pela ajuda. Seis de uma vez não é nada mau. – eu dei um soquinho em seu ombro, sorrindo amigavelmente pra ele.
Nico, porém, me olhava com uma espécie de raiva profundamente irritante.
- Nada mau? Da próxima vez vou deixar pegarem você, Solace.
- Ah, eles nunca iam conseguir – eu dei de ombros.
Aquilo não era de todo verdade. Eu era ágil, mas contra seis romanos, não sei bem qual seria meu desempenho. No entanto, o tom raivoso de superioridade na voz de Nico di Angelo tornou irresistível a vontade de responde-lo daquela forma.
Cecil avisou que terminara de sabotar o segundo onagro e avançamos para a terceira máquina, porém muitos romanos a cercavam, alertas demais para ser confundidos pela névoa de Lou. A filha de Hécate sugeriu que fugíssemos, mas Nico não quis nem ouvir a proposta, evocando os poderes do submundo e fazendo irromper esqueletos do chão, que avançaram contra os soldados romanos.
Seu corpo, fragilizado pela magia do mundo inferior, perdeu as forças, e eu o aparei nos braços, sustentando-o, manifestando meu claro descontentamento em alto e bom tom:
- Seu idiota. Eu avisei para você não usar mais magia do Mundo Inferior.
- Eu estou bem. – ele dizia, debilmente.
- Cale a boca. Que bem o quê. – eu o cortei, irritado com o que ele tinha infligido a si próprio.
Alguém precisava proteger Nico di Angelo de si mesmo.
Ele se sacudiu levemente nos meus braços, talvez devido ao seu incômodo com o toque humano, mas eu o mantive firme, sabendo que ele não ficaria de pé se eu o soltasse, de forma que ele terminou por se aquietar. Eu dei a ele um pouco de chiclete medicinal, que ele comeu fazendo reclamações quanto ao sabor.
Enquanto isso, seus esqueletos venciam os romanos, fazendo com que Lou chamasse nossa atenção, elogiando o que Nico tinha feito.
- Obrigada pelos esqueletos - disse ela. - Grande truque.
Eu olhei com severidade pra minha amiga.
- Que ele não vai fazer outra vez – eu determinei.
Nico se soltou de mim, firmando-se de pé sozinho, olhando-me com irritação.
- Eu vou fazer o que for necessário. – ele mantinha o mesmo tom ríspido.
Eu revirei os olhos, mostrando que não me assustava nenhum pouco com ele.
- Tudo bem, Garoto da Morte. Se você quer se matar…
- Não me chame de Garoto da Morte! – Nico gritou pra mim.
Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, no entanto, vimos a Primeira Coorte avançando sobre nós, liderada por Octavian, descendente de meu pai. Dei meu assovio ultrassônico, incapacitando os homens com cabeça de cachorro, que Octavian chamava de sua "guarda de elite".
Na sequência, eu, Lou e Cecil começamos a assistir a discussão que se desenrolava entre ele e Nico. Quando Octavian questionou porque o filho de Hades (ou de Plutão, como este o chamava) estava do lado dos gregos, o ouvimos responder:
- Estou ajudando os gregos e os romanos.
Eu abri um sorriso com a resposta, mesmo no meio daquela guerra toda, porque era exatamente aquilo que eu pensava. Não existiam lados.
- Não tente me enrolar. O que ofereceram a você? Um lugar no acampamento deles? Pois saiba que não vão cumprir o acordo. – Octavian riu, como se não pudesse conceber que o Acampamento Meio-Sangue aceitasse Nico.
- Eu não quero um lugar no acampamento deles — respondeu Nico, e eu pude ouvir o ressentimento e a raiva em sua voz, nítidos, latentes, dolorosos. - Nem no de vocês. Quando esta guerra terminar, vou deixar os dois acampamentos para sempre.
Aquilo foi como um tapa, atordoando-me completamente. E eu me peguei percebendo que não queria que Nico di Angelo fosse embora, não queria lidar com a ideia de não vê-lo mais. Algo em mim me instigava a cuidar dele, traze-lo pra perto, cura-lo. Muito mais do que meus dons de médico, minha vocação, era algo muito mais forte, e mais indecifrável.
- Por que você faria isso? – minha voz saiu desconcertada.
- Não é da sua conta, mas eu não pertenço a nenhum desses lugares. Isso é óbvio. Ninguém me quer. Sou filho de… - ele começou a dizer.
E foi então que eu finalmente entendi o porquê daquele tom grosseiro de Nico di Angelo, a rispidez em suas palavras. Ele usava aquilo pra afastar as pessoas, pra se proteger.
- Ah, por favor. Ninguém no Acampamento Meio-Sangue nunca afastou você. – eu disse, embora não fosse de todo verdade, mas minha raiva me impeliu a colocar as coisas daquela forma. Respirei rapidamente, reformulando a frase. - Você tem amigos, ou pelo menos há quem gostaria de ser seu amigo. Você é que se afastou. Se tirasse a cabeça dessa sua nuvem de ressentimento pelo menos uma vez na vida…
Mas Octavian me cortou, oferecendo uma "oferta" a Nico, dizendo que via nele crueldade. Eu não via nada daquilo, Nico não era cruel, era incompreendido, tinha passado por muita coisa, e cada vez Octavian me deixava mais furioso. Quando ele usou o nome de meu pai, para falar de um futuro que tinha sido mostrado a ele, eu avancei em sua direção cheio de ódio, desmentindo seus falsos poderes proféticos.
No meio da discussão, no entanto, os onagros foram ativados. O que se seguiu depois disso: as armas não atingindo seu alvo, a chegada da Quinta Coorte com ordens de Reyna, o exército do Acampamento Meio-Sangue atacando, a pretora romana se fazendo ouvir em todo acampamento devolvendo a Atena Partenos aos gregos... era tudo um borrão. Eu só tinha nítido na memória a terra despertando sob nossos pés, a voz de Gaia em meu ouvido, como se não houvesse mais nada além dela.
- / -
Em meio ao conflito com as forças de Gaia, depois da chegada dos sete semideuses da profecia, vi Octavian recarregando um dos onagros com uma grande quantidade de ouro imperial e explosivos. Como se tudo aquilo não fosse o suficiente, toda aquela loucura, aquela guerra, tanta gente ferida e morta, aquele maluco ainda queria ativar os onagros.
Sem saber o que fazer, procurei desesperadamente por Nico di Angelo, encontrando-o lutando lado a lado com Jason Grace. Deixei meu queixo cair por alguns segundos, ao ver os dois garotos jovens, que pareciam amigos, manifestarem tanto poder. Talvez aqueles pudesse se dizer que Nico e Jason, ao lado de Percy Jackson, fossem os semideuses vivos mais poderosos que existiam.
Balancei a cabeça, deixando meu assombro de lado, sussurrando o nome de Octavian no ouvido de Nico, que imediatamente me seguiu até os onagros, onde encontramos o maldito garoto tentando reajustar furiosamente os controles de mira de uma das máquinas, que eu o vira carregar anteriormente.
Quando chamamos sua atenção, ele parecia estar insano, convencido da ideia de que derrotaria Gaia atirando na deusa com aquilo. Foi quando chegou um romano, que depois eu soube chamar-se Michael Kahale.
Michael viu o manto de Octavian preso no onagro, assim como eu e Nico também tínhamos visto. Mas Octavian parecia decidido a atirar, dando ordens para que Michael não nos deixasse impedi-lo.
- Octavian, não – eu implorei, desesperado. - Não podemos permitir que você…
- Will - interveio Nico - não podemos impedi-lo.
Eu encarei o filho de Hades, sem entender. Mas em seguida me calei. Octavian seria lançado pelos ares, devido ao manto preso no onagro. Mas eu sabia que Nico não estava fazendo aquilo por crueldade, ele teria uma razão. Nico di Angelo não era mau, eu via em seu rosto, eu sabia.
Octavian foi lançado como um cometa, até atingir a tempestade no céu, formando uma explosão de fogo.
"Em tempestade ou fogo, o mundo terá acabado" eu me lembrei das palavras da profecia.
Como filho de Apolo, eu entendia, tinha que ser assim.
Fitei o rosto de Nico, mas ele desviou o olhar do meu, como se não quisesse me encarar. Pensei que não era a melhor hora para falar sobre nada. Ele estaria preocupado com os amigos, confuso, perturbado com todos os acontecimentos. Eu também estava. Queria ver meus irmãos, saber se todos aqueles que eu amava estavam bem. Nós tínhamos tido perdas, e eu sabia disso.
- / -
Após o término da guerra contra Gaia
POV – WILL SOLACE
Nos dias que se seguiram, Nico se ocupou de uma série de ritos fúnebres, enquanto eu me dedicava a salvar e tratar dos feridos na enfermaria do Acampamento Meio-Sangue. Esperei que ele aparecesse em algum momento, não sei porque, mas aquilo seria natural pra mim. Na minha cabeça, tínhamos criado uma espécie de vínculo durante àquela última batalha que o faria querer me ver, que o faria considerar a ideia de se tornar meu amigo.
Mas ele não veio.
Em um dado momento, cansado de esperar pelo filho de Hades, e cansado de pensar nele o dia inteiro inexplicavelmente, eu trinquei o maxilar e saí pela porta da enfermaria, marchando com irritação até o Chalé 13, onde o encontrei junto de Jason Grace, de quem ele parecia realmente próximo. Um sentimento esquisito de insatisfação me inundou. Algo parecido demais com ciúmes para que eu admitisse.
Nico veio em minha direção, na porta, quando eu acenei pra ele.
- E aí, por onde você andou? – eu quis saber.
- Como assim? – ele estava encantadoramente confuso.
- Não saio da enfermaria há, tipo, dois dias. Você nem passou aqui. Não se ofereceu para ajudar.
- Eu… o quê? Por que vocês iam querer um filho de Hades no mesmo ambiente com pessoas que estão tentando se curar? Por que alguém ia querer algo assim? – a sua voz denotava insegurança e eu sentia necessidade de consola-lo.
Mas naquele momento, eu queria extravasar minha irritação dos últimos dias. E também achava que meu tom firme funcionaria melhor com Nico di Angelo do que demonstrar algum tipo de compaixão. O filho de Hades não queria que ninguém se compadecesse de sua dor, que visse nele qualquer tipo de fraqueza.
- Você não pode ajudar um amigo? Talvez cortar ataduras? Ou me trazer um refrigerante, alguma coisa para comer? Quem sabe um simples Tudo bem por aí, Will? Acha que para mim não seria bom ver um rosto amigo? – eu despejei em cima dele, ciente de que tagarelava.
- O quê?… Meu rosto? – ele perguntou, como se não pudesse imaginar porque eu iria querer vê-lo.
Pelos deuses, eu tinha passado os últimos dias pensando naquele maldito rosto pálido, e nos seus olhos negros penetrantes, me sondando.
- Você é tão complicado – observei – Espero que tenha parado com aquela besteira de ir embora do Acampamento Meio-Sangue.
- Eu… pois é. Sim. Quer dizer, eu vou ficar. – ele formulou a frase com dificuldade.
- Bom. Então você pode ser complicado, mas não é um idiota. – eu sabia que o provocava.
- E você ainda fala comigo desse jeito? Não sabe que eu posso invocar zumbis e esqueletos e…? – Nico perguntou.
Eu não sabia se ele tinha a intenção de me afastar ou se simplesmente não entendia o porquê de eu não correr para longe dele, amedrontado com seus zumbis.
- No momento você não pode invocar nem um osso de galinha sem virar uma poça de escuridão, Di Angelo. Já falei, chega dessas coisas do Mundo Inferior. Ordens médicas. Você me deve pelo menos três dias de repouso na enfermaria. Começando agora.
- Três dias? É… acho que dá. – ele respondeu, e eu poderia jurar que sua voz parecia mais leve... quase, feliz?
Talvez eu tivesse imaginando coisas. Nós caminhávamos pelos campos do Acampamento, lado a lado.
- Ótimo. Ah, e… - eu comecei a dizer.
Mas fui interrompido por um Uhuul! alto e alegre de Percy Jackson, que estava próximo ao local da fogueira com Annabeth.
- Já volto – Nico me disse. - Juro pelo Rio Estige e tudo.
Ele foi até Percy e Annabeth, que ainda riam alto. A distância entre eles e eu talvez fosse suficiente para mascarar o teor da conversa, mas um dos meus talentos de filho do deus da música era uma excelente audição, que me possibilitava distinguir notas musicais e ouvir sons que eram baixos para outras pessoas.
Ouvi Percy e Annabeth cumprimentarem Nico, contando a ele sobre os planos do casal para passar o último ano do ensino médio juntos e em seguida fazer faculdade em Nova Roma. Nico respondeu que era ótimo, e disse aos dois que ia ficar aqui, no Acampamento Meio-Sangue. Ouvi-lo repetir a informação a outras pessoas me deixou mais feliz e tranquilo.
- Que máximo. – exclamou Percy.
E foi aí que Nico falou:
- Então. Como vamos passar pelo menos um ano nos esbarrando aqui no acampamento, acho que é melhor eu esclarecer umas coisas.
- Como assim? – perguntou Percy, hesitante diante do tom do outro.
Nico tinha o poder de deixar as pessoas desconfortáveis. Mas o que veio a seguir não era nada do que eu esperava.
- Por muito tempo eu fui a fim de você. Só queria que você soubesse. – disse o menino.
Percy olhou para Nico. Depois para Annabeth, como se quisesse confirmarque tinha ouvido direito. Depois de novo para Nico.
- Você… - o filho de Poseidon parecia incapaz de formular uma frase.
- É. Você é uma pessoa sensacional. Mas eu superei isso. Estou feliz por vocês. – disse Nico, parecendo realmente sincero.
- Você… então quer dizer… - Percy Jackson ainda estava confuso.
- Isso mesmo. – Nico repetiu.
- Espere – disse Percy. – Então você quer dizer…
- Isso mesmo. Mas relaxe. Já passou. Quer dizer, agora eu entendo… você é bonito, mas não faz meu tipo. – a voz de Nico parecia calma, firme, como quem tem certeza do que diz.
Vi ele se despedir dos dois, deixando o filho de Poseidon ainda perplexo. Enquanto Nico andava de volta na minha direção, eu me dava conta do óbvio: eu estava atraído por ele, estava afim dele. E se o fato dele gostar de garotos era uma boa notícia pra mim, assim como a questão de que senti bastante determinação e verdade em sua voz quando ele disse que seus sentimentos por Percy tinham passado, ao mesmo tempo eu sentia um leve incômodo no estômago.
Eu não costumava ser inseguro. Mas pelos deuses, me lembrei dele na batalha lutando ao lado de Jason, com quem estava até poucos minutos em seu chalé. E pensei na atração que ele dissera sentir por muito tempo por Percy.
Eu era um curandeiro. Como eu ia competir com Jason Grace e Percy Jackson?
