O tapa doeu muito, machucou meu rosto e deixou uma marca onde mais tarde haveria um hematoma; um corte abriu-se no canto do lábio inferior e um filete de sangue desceu pelo meu queixo. Porém, a dor maior não era a física.
Cortes se fecham, hematomas desaparecem. Mas a ferida na alma eu carregaria durante toda minha existência. Nunca esqueci.
Meu pai era trouxa e, se houvesse uma classificação entre eles, seria um da pior espécie. Nunca compreendi o que levou mamãe a se casar com ele.
Tobias bebia muito, tinha um comportamento reprovável para qualquer ambiente em que pudesse estar, mesmo os piores.
Seu vocabulário resumia-se a palavras de baixo calão e resmungos. Era por uma dessas palavras que ele chamava mamãe frequentemente.
- Vadia! Onde estão minha bebida e meu cigarro?
E mamãe vinha correndo, secando as mãos no pano de copa, quase derrubando a garrafa, a expressão apavorada. Essa cena se repetia muitas vezes, todos os dias.
Quando ia me colocar na cama e eu era bem pequeno, ela cantava baixinho para que eu dormisse com a lembrança das palavras da música e do som melodioso de sua voz.
Sempre fazia isso muito cedo e só depois percebi que lançava um feitiço silenciador no quarto, para que eu não ouvisse as barbaridades que Tobias lhe dizia ou fazia.
Um dia, ele a puxou pelos cabelos à beira da minha cama, ela ainda não tinha terminado nossa rotina noturna. Saiu arrastando minha mãe que chorava e implorava – "Por Merlin, não na frente do menino, Tobias!" - e eu fiquei gritando e chorando, olhando a porta do quarto se fechar com um estrondo enquanto ele resmungava algo ininteligível.
Levantei-me e comecei a bater na porta, gritando para que aquele porco largasse minha mãe, para que nos deixasse em paz. Tentei girar a maçaneta e, para minha surpresa, a porta estava aberta.
Os gritos de mamãe vinham do quarto deles e eu corri até lá, em minha inocência acreditando que eu poderia fazer algo para ajudá-la, que poderia defendê-la dele.
A porta estava fechada e eu bati, gritei, mas ninguém parecia me ouvir. Até que tudo cessou, não havia mais nenhum som do lado de dentro do quarto. Era como se estivessem dormindo.
Encostei o ouvido na porta. Curioso, chamei baixinho por minha mãe.
Ela abriu a porta, vestindo sua roupa de passeio, uma pequena mala nas mãos, me dizendo que precisávamos arrumar minhas coisas, passaríamos um tempo na casa de uma parenta distante.
Quis perguntar sobre Tobias, mas preferi não falar nada. Mamãe tentava sorrir para mim, um sorriso trêmulo e infeliz, mas que procurava demonstrar uma confiança que eu, mesmo sendo criança, sabia que ela não tinha.
Saímos às pressas e foi a primeira vez que aparatei, bem junto da minha mãe, que me envolvia em um abraço forte e gostoso. Meu coração ficou aquecido pelo carinho dela e eu pensei que estivéssemos livres daquele homem.
No dia seguinte, em um minúsculo espaço de um jornal trouxa saiu uma nota informando a morte de um homem, Tobias Snape.
Fora encontrado morto por um vizinho que viera lhe cobrar o aluguel. Jazia nu sobre a cama e aparentemente tivera um ataque. Havia muitas garrafas de bebida à sua volta e bitucas de cigarros no cinzeiro e jogadas pelo chão.
Alguns meses depois de ir para Hogwarts em meu décimo-primeiro aniversário, recebi uma carta de mamãe, dizendo que viajaria por um longo período, que me amava muito e que algum dia voltaria para me ver. Nunca mais recebi notícias dela.
N/A: Obrigada por betar, Clarita! *-*
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