Rachel tinha criado esperanças. Rachel era observadora e estava atenta tudo o que o afetava. Tinham trocado um sorriso, tinham trocados olhares rápidos. Mas ela agiu errado, agiu errado presumindo que o clima natalino o faria esquecer-se de tudo o que aconteceu. Ela desejou que fosse desse jeito, talvez nos filmes isso teria funcionado. Sempre funciona. Mas não vivia num filme, sua vida não era uma ficção e ela não era uma triz – era sim, mas não de sua própria vida. Era realidade, e tudo na realidade é sempre mais complicado.
Precipitou-se e recebeu as conseqüências. Ele foi duro com ela, foi direto. Foi seco. Eles tinham terminado oficialmente. Não havia mais volta, mas Rachel pensou e não foi difícil pensar no que ele mais precisava naquele momento: espaço, um tempo para ele. E assim o fez, afastou-se dele, mesmo desejando o oposto, e ele pareceu perceber o distanciamento dela, mas não esboçou. Os dias no colégio tinha se tornado ainda mais insuportáveis, tornou a ser alvo fácil das raspadinhas e teve que voltar ao hábito de trazer um ou duas mudas de roupas consigo para esses casos. Santana continuava a provocá-la – principalmente com Finn - e sempre que tinha uma oportunidade a Cheerio grudava no rapaz juntamente com Brittany. E ele sorria. Isso matava a menina por dentro.
Até mesmo o Glee Club tinha perdido todo o seu encanto, após o seu fiasco pessoal nas Seletivas, Rachel se viu isolada dentro daquela sala, e ela tentou se manter diante deles nos primeiros dias após o recesso de Dezembro, tentou esfriar a cabeça quando viajou para Aspen no Ano Novo, mas nada funcionou. Retornar ao McKinley foi como ser soterrada por uma avalanche, àquela altura o seu nome já corria por todas as bocas e era perceptível que sua pequena aventura vingativa com Noah Puckerman finalmente estourou entre os estudantes. Se antes era bombardeada com as raspadinhas, ao caminhar nos corredores as pessoas apontavam, cochichavam. Com certeza preferia a primeira opção.
O caminho até o seu armário nunca pareceu tão difícil. Agarrada ao seu fichário Rachel tentou ignorar os vários pares de olhos depositados sobre ela enquanto caminhava, mas isso logo se tornou indiferente assim que notou a pichação na porta do seu armário "VADIA!" e mais embaixo uma espécie de caricatura dela bem ofensiva. Ela fechou os olhos reprimindo a vontade de desabar naquele instante e tornou a abri-los olhando de esguelha a figura alta fitando-a não muito distante dali. Mas então sentiu uma trombada forte por trás:
- Saia da minha frente, verme! – Santana gritou azeda passando por ela e pisoteando todas as suas folhas e o fichário que foram ao chão com o impacto da trombada.
A judia fez menção de retrucar, mas ficou calada sentindo a dor da humilhação inundá-la de dentro para fora e nada saiu de sua boca. Penosamente Rachel se abaixou e começou a recolher folha por folha sentindo as risadas maldosas acima de sua cabeça, fez tudo isso sem perder a silhueta do ex-namorado de vista e contava que ele fosse aparecer na frente dela lhe oferecendo o seu charmoso sorriso lateral e a sua ajuda com a bagunça de papéis espalhados, suas mãos se tocariam, haveria um choque nostálgico, o tempo ao redor iria parar assim que os seus olhares se encontrassem, haveria uma tensão tendo como fundo musical as batidas fortes de seus corações e então eles se beijariam sussurrando pedidos de perdão e juras de amor eterno.
Finn, contudo, permaneceu parado.
- Berry... Mas o que diabos... Quem escreveu isso? – Puck surgiu na sua frente e prontamente se abaixou para ajudá-la, mas ainda olhando curioso para o "VADIA!" escrito.
- Não me importo. – mentiu destrancando o armário e depositando algumas coisas lá. Através do espelho notou Finn encarando os dois com uma expressão ameaçadora. – Obrigada Noah. – agradeceu.
- Sei que as coisas para o seu lado andam difíceis, Berry. Acredite, para mim também. Esses putos não param de me perseguir! – o rebelde reclamou caminhando ao lado dela em direção à sala do coral. – Não conte para ninguém, mas ando evitando Finn. Você sabe o que aconteceu na primeira vez que isso... Que ele, Quinn e eu... AH! Você sabe do que eu estou falando! – completou.
- Não se culpe Noah, eu é que induzi você a isso. Desculpe por tudo. – ela falou encarando o judeu. – Você errou no passado e provou ser um bom amigo ao parar toda a situação. Eu sinto muito que Finn não enxergue isso. – finalizou ganhando um sorriso sincero dele e um inesperado abraço.
- Eu falei sério quando disse que "meio que gostava de você". Acho que é por conta desse lance de judeus, entende? Vou segurar a tua barra e tentar fazer alguma coisa para reverter tudo isso, ok? E não saia por aí abrindo a sua boca dizendo o quão bonzinho estou sendo com você, tenho uma reputação para manter. E sem mais interesses amorosos entre eu e você. – Puck falou ganhando um aceno positivo dela.
- Obrigada de novo, Noah. – ela agradeceu sem perceber o gesto gentil dele de segurar a porta da sala do coral.
Finn estava sentado na bateria e tocava o instrumento de maneira agressiva. Quinn e Sam estavam recostados perto do piano trocando carinhos, Mercedes falava com alguém ao celular, Mike e Tina ainda não tinham chegado, Santana ocupava uma das cadeiras escutando alguma música no seu iPod e Brittany brincava com os óculos de Artie sentada no colo dele. O judeu se encaminhou para o lado de Santana enquanto Rachel procurou a cadeira do fundo da sala.
A maneira como Finn tocava chamou a atenção dela, estava ficando ensurdecedor e numa questão de segundos a tensão explodiu. A baqueta quebrou e perfurou uma das caixas, a outra metade parou no meio da sala e o atleta se levantou tomado por uma fúria derrubando o baquinho e chutado o restante da bateria.
- PORRA! – gritou. – Porcaria de bateria! Imprestável! – ele berrava pisoteando cada pedaço do instrumento.
- Finn! – Artie o chamou assustado com o ataque dele. – Finn pára! É única bateria que nós temos!
- Hey! Hey! Calma! – Sam interveio se colocando entre ele e bateria. – CALMA!
Rachel se levantou no impulso e desceu até os dois rapazes, agora ficando ao lado do loiro. Finn parou momentaneamente de tentar de desvencilhar do garoto que o segurava e lançou um olhar para a ex-namorada.
- PÁRA COM ISSO! – ela gritou de repente. – Você é o co-capitão desse coral e esse tipo de comportamento é inaceitável. – completou ganhando um olhar descrente dele.
- Cala essa boca, Rachel. Não me venha falar de comportamentos inaceitáveis, porque o seu foi completamente inaceitável quando resolveu executar uma vingança estúpida para cima de mim com aquele bastardo! – ele a retrucou com uma fúria contida. – Repita a cena, abra as suas pernas e engravide dele também! Siga o ciclo das namoradas de Finn Hudson!
O barulho a seguir fez com que toda a sala mergulhasse no mais profundo silêncio. A face lateral esquerda de Finn tinha o contorno perfeito da pequena mão de Rachel, ele tocou a parte atingida e sentia uma ardência. Tornou a virar o rosto para encará-la e lágrimas silenciosas escorriam por suas bochechas. Rachel tremia dos pés à cabeça com o olhar fixado nele, sua cabeça estava uma bagunça, o coração estava disparado, a menina sentia o turbilhão de sensações, de sentimentos domá-la e lhe custou um enorme esforço verbalizar suas palavras:
- Eu estou cansada, Finn. Eu desisto de você, desisto de nós dois. Não tenho mais forças para continuar nessa situação, eu errei e me arrependo cada segundo do meu dia, e já perdi a conta de quantas vezes eu disse que sentia muito por tudo o que eu fiz. Mas não me arrependo dos motivos que me impulsionaram a isso. Gostaria de ouvir da minha boca o quanto Jesse é gostoso? Tipo, muito gostoso? Gostaria de saber da boca de terceiros que sua namorada perdeu a virgindade com a pessoa que te inferniza o ano inteiro? Coloque-se no meu lugar por um segundo! Como você acha que eu me senti? Um lixo, desvalorizada, sem valor, como se eu não tivesse a menor importância na sua vida, como se eu não fosse o suficiente para você. Eu fui sincera, eu abri o jogo e ao invés de fazer o mesmo, você preferiu sustentar a mentira! Pretendia me contar quando? Antes de irmos para a cama ou depois de tirar a minha virgindade, Finn? – ela pausou já tomada pelo choro.
- Isso não tem nada a ver com a mentira, o seu problema é ela. Já disse, você estava com ele e eu estava ciúmes! E não jogue a culpa para cima de mim! Você me traiu Rachel! - Finn retrucou.
- HIPÓCRITA! Você é um hipócrita Finn! Quer falar de traição agora? Quinn sabe que você me beijou duas vezes enquanto ainda estava com ela? A primeira vez foi no auditório e a segunda foi no boliche – e devo acrescentar também que você me manipulou, me usou para que eu voltasse para o Glee Club! Não aponte esse dedo para mim, você é infiel tanto quanto eu nesse caso! – Rachel explodiu para cima dele.
- Isso é verdade? – a loira perguntou.
- Eu... É que, eu... – ele gaguejou.
- Você fez com que eu me sentisse um nada Finn, eu queria ser desejada, queria ser chamada de gostosa, muito gostosa, queria que alguém se importasse comigo e você não estava lá. Ainda assim, eu estava pronta para perdoar você, estava pronta para deixar isso para trás, porque o que sentíamos um pelo outro era mais forte e capaz de superar qualquer obstáculo. Eu estava pronta para você. – ela pausou novamente ignorando todas as expressões de choque dos companheiros de Glee Club. – Mas como eu disse, estou cansada. E você não pode dizer que eu não tentei, e o que eu recebi foi humilhação atrás de humilhação. – ela parou novamente e fitou Santana que sustentava um sorriso pomposo. – Parabéns, você venceu. Queria os holofotes, conseguiu. Queria o solo, conseguiu. Queria destruir o meu namoro, conseguiu. Queria me ver miserável, aqui estou eu. Quer o Finn? Ele todo seu agora.
Com isso, Rachel deixou a sala do coral no exato momento em que Mr. Schuester entrava para dar início à aula. Percebendo o estado de sua aluna, William revezou o seu olhar na menina que seguia com passos firmes pelo corredor e o restante do grupo dentro da sala, e não deixou de notar a bateria destruída. O seu olhar se tornou ainda mais confuso quando Finn passou batido por ele seguindo Rachel.
Finn travou há poucos metros dela, ele nem ao menos sabia o que o fez correr atrás da ex-namorada. Estava furioso ainda, flashbacks do ano passado se misturavam com os recentes, então toda a sua ira adormecida do episódio Bebê-Quinn-Puck tornava a tomar conta dele e ele precisava descontar, mas controlava para não avançar para cima dele. Vê-los no corredor minutos atrás foi o que desencadeou tudo, o modo como ele se prontificou em ajudá-la, o abraço, o sorriso, o olhar doce para ele. Finn parecia um vulcão prestes a explodir diante da confusão instalada em seu interior. Rachel estava com a cabeça recostada no próprio armário e se deixava levar por um choro intenso, seu pequeno corpo oscilava a cada soluço dado, cada fungada era dolorosa. Permaneceu inerte, incapaz de fazer qualquer aproximação e a viu remexer na bolsa lateral que carregava tirando de lá o celular. Ela discou – provavelmente para o pais, ele pensou – e ainda chorosa ela trocou meia dúzia de palavras, e desligou.
Era uma dor insuportável, ela se segurou tão bem lá dentro, mas ao admitir a derrota tornou tudo tão difícil, fugiu ao seu controle. Devia voltar e dar uma explicação para o seu professor, mas não tinha coragem, não agüentaria encarar a expressão maldosa estampada em Santana como se tivesse se divertindo com toda a cena de segundos atrás. Talvez estivesse. Estava, ela afirmou em pensamento. Encontrar o "VADIA!" ainda lá só piorou as coisas e então liberou. Liberou o choro contido e sofrido que há tanto tempo segurava, permitiu-se sofrer abertamente. Precisava de um amigo, pensou em Puck. Puck não era uma das suas melhores opções naquele momento, pensou em Finn, pois antes de tudo ele era o seu melhor amigo, ou costumava ser. Soluçou de novo e correu os dedos por sua agenda telefônica no celular. Discou o número:
- Sou eu... Pre-preci-ciso fa-falar com vo-você. Eu só-só pré-preciso de Al-alguém. Eu te-te espe-espero lá. – e desligou.
Rachel então o notou parado atrás dela, um pouco distante. A visão estava turva devido às lágrimas, mas pode ver com clareza a marca deixada por ela com o tapa ainda no rosto dele. Finn chorava, isso a surpreendeu por um instante. Uma pontinha de esperança lá dentro dela queria que ele fizesse algum movimento, desse algum passo, mas nada aconteceu de novo. Olhou com intensidade para ele pela última vez e então partiu.
Os olhos dela estavam minúsculos e escondidos através do inchaço e da vermelhidão que tomava conta daquela região. A maquiagem leve e diária ia se desfazendo com as lágrimas e deixava rastros ao longo de suas bochechas e ele se pegou chorando, porque algo dentro dele doía demais. A intensidade do seu olhar não mostrava a alegria e o brilho que ele estava acostumado a ver e que eram reservados somente para ele, era uma intensidade diferente. De despedida. Era o último olhar que trocavam.
Ela partiu.
