Prólogo - Não se vê por espelhos

"Mas vemos nunca por espelhos, mas por signos; e a verdade, ao invés de cara a cara, manifesta-se deixando rastros (ai, quão ilegíveis) no erro do mundo."

Umberto Eco; "O Nome da Rosa"


O verão em Surrey começou entediante. Pelo menos para Harry Potter, que era obrigado, para variar, a passar as férias na casa dos Dursley. Dumbledore explicara-lhe pacientemente, no final do ano letivo anterior, sobre a importância de manter aquele laço circunstancial com a irmã de sua mãe, o que não melhorava nem um pouco o mau humor de Harry. Andando de um lado para o outro do quarto naquela tarde quente, volta e meia ele observava, pela janela, ora a Rua dos Alfeneiros vazia, ora sendo cruzada por alguns transeuntes.

Sendo um bairro residencial da região metropolitana de Londres, Little Whinging não era realmente movimentado. Harry não se importava com isso. O que ele procurava mesmo, cada vez que seu olhar atravessava a vidraça, era encontrar alguém conhecido. A Ordem da Fênix deveria estar vigiando-o, ainda… Não esperava que o tirassem logo da casa dos tios. Só queria algum indício de que não o estavam vigiando apenas porque ele tinha uma maldita cicatriz, e sim porque alguém se importava. Buscava desesperadamente algo que comprovasse que não estava tão sozinho quanto se sentia.

Certas horas, só desejava que pudesse conversar com alguém, só dizer o que estava sentindo, ainda que, com certeza, não faria isso se tivesse a oportunidade. Quando reencontrasse Rony e Hermione, então esqueceria esses momentos de solidão, então ficaria feliz e não mais afundaria na própria tristeza.

Era o que ele deveria fazer, não é mesmo? Deixar toda a dor para trás, parar de preocupar as outras pessoas com essa encenação depressiva que não lhe levaria a lugar algum. Ele sabia que era mais do que isso, e tinha medo que o sentimento de perda sobrepujasse sua força de vontade; que chegasse um momento em que não pudesse convencer a si mesmo que era tudo uma mentira.

Tentava pensar o mínimo possível no que o mundo bruxo esperava que ele fizesse, no que a Ordem da Fênix esperava que ele fizesse. E, por mais que evitasse, a cada três dias, a carta que escrevia a Lupin o trazia novos pesadelos sobre a maldita Profecia que lhe fora revelada naquela manhã…

Então lembrava o que significaria se ele conseguisse alguma forma de sair daquela casa. Aquele lugar, tão cheio de vozes do que deveria ser os resquícios da família de Harry Potter, não passava de um lugar onde ele estava completamente isolado, como se seu quarto não pertencesse ao prédio em si, como se ele estivesse, de fato, sobrando na casa dos Dursley.

Claro que esse era um assunto que ele também evitava pensar. Por que remoer o fato de que só haveria uma alternativa viável e segura caso quisessem removê-lo de lá? Isso só trazia sua mente de volta a um assunto que ele temia a cada segundo, mas que parecia estar incrustado em seu ser. Só o lembraria que precisaria voltar ao Largo Grimmauld… e que, para ele, esse lugar estaria mais vazio do que nunca.

Frustrado com a própria atitude, sentou no chão, encostando-se na beirada da cama. Enterrou os dedos nos cabelos, baixou a cabeça e fechou os olhos, esperando inutilmente que tudo terminasse logo, que ao menos essa confusão de sentimentos dentro de si fosse embora, nem que fosse para deixar um grande espaço em branco que talvez nunca pudesse ser preenchido.