Capítulo 1

Era início do mês de junho de 2014, o país entrava em período de copa e Manaus como uma cidade sede de alguns jogos se preparava para tal evento. Nesse ano, a cidade se apresenta como um mercado promissor para novos empreendimentos quer pelo seu crescimento demográfico, quer pela economia em vias de expansão devida a Zona Franca. Assim várias empresas resolveram apostar nesse mercado, inclusive o Magazine Libanês uma renomada loja de móveis e utilidades para o Lar, cuja matriz no Rio de Janeiro procurava ramificar seus investimentos em outras regiões.

Já passava das dezenove horas quando Emma finalmente entrou na suíte que ocupava no Tropical Hotel, localizado na Ponta Negra, área nobre da cidade. Definitivamente não se sentia bem. Sua cabeça pesava e uma sensação de náusea parecia fazer rodar o quarto à sua volta. Estirou-se na cama ampla, na esperança de que o mal estar fosse passageiro. No entanto, a cada minuto que passava sentia se pior. Naquele momento desejou não estar só. Era situações como aquela que Emma sentia uma ponta de saudades da época que morava com sua família. Mas ali estava ela, uma mulher independente segura de si, sem nenhum compromisso com quer que fosse além dela própria. No auge dos seus 30 anos tinha conseguido a independência financeira e poderia se dar o requinte de morar naquela luxuosa suíte do Tropical Hotel.

Levantou se e remexeu em sua bolsa à procura de um remédio pra náuseas. Havia somente um pacotinho de sal de frutas, o qual ingeriu na esperança de melhorar aquela sensação horrorosa. Deitou se novamente e após alguns minutos começou a sentir dores no ventre. Arrastou se até o banheiro, sentindo o chão instável sob o seus pés.

Era domingo e Emma havia participado de um almoço de confraternização com os funcionários da loja que gerenciava, em comemoração aos aniversariantes do trimestre. Não havia bebido mais do que duas cervejas, no entanto sentia se como houvesse entornado um barril inteiro de vodca. Por certo comera algo que lhe fizera mal, embora não fizesse ideia do que fosse, talvez a esfirra de carne que comera na metade da manhã. Mal conseguiu chegar até o vaso sanitário, onde passou muito mal, arrastou se de volta para a cama e pegou o interfone:

- Portaria _ disse uma voz cordial.

- Por favor, aqui é do 205, chame um táxi...preciso ir até o hospital... Não me sinto bem...

- Pois não, senhorita Emma, imediatamente _ respondeu o rapaz com voz preocupada – Já estou subindo para ajudá-la.

- Está tudo bem, Ângelo. Só estou com um pouco de mal estar... _ respondeu Emma tentando amenizar sua situação. – não se preocupe.

- Certo, certo, já estou chamando o táxi, senhorita.

- Obrigada.

Em menos de cinco minutos ouviu se uma suave batida Na porta do quarto 205:

- Senhorita Emma, o táxi já está aguardando lá embaixo. Posso ajuda-la a descer?

A porta se abriu e Emma respondeu:

- Muito obrigada, Ângelo.

Emma nem havia trocado de roupa, estava com uma aparência péssima. Apoiou se no jovem que lhe estendia a mão gentilmente e deixou se conduzir até o veiculo estacionado na porta do hotel. No táxi conseguiu contar a Ângelo, embora sucintamente, o que sentia e este tentou tranquilizá-la. Fazia seis meses que Emma residia no Hotel desde que seu avô resolvera expandir os negócios da família e inaugurara uma filial do Magazine Libanês naquela cidade. Por questões de comodidade resolveu instalar-se na confortável suíte 205 do Tropical Hotel, sendo que acabou por familiarizar-se com os funcionários do local. Emma tinha um temperamento extrovertido, porém era uma profissional bastante exigente. Seus subordinados acabavam desenvolvendo uma atitude de comprometimento e respeito por ela, uma vez que Emma sabia exatamente como dosar disciplina, dedicação e senso de justiça. Gerenciava o Magazine Libanês e seus funcionários tinham adoração por ela. Na verdade era quase que impossível conhecer aquela figura de porte elegante, pele clara e encantadores olhos verdes azulados sem deixar-se cativar. Apesar disso, quando necessário, Emma era capaz de se impor em quaisquer situações e não admitia conviver e trabalhar com pessoas nas quais não confiasse ou que tentavam tirar proveito de sua generosidade. Era uma mulher que exigia sempre transparência nas relações.

Ângelo conduziu Emma pelo Hall de entrada do Hospital 28 de Agosto, que se localizava nos fundos da Maternidade da mulher, fazendo com que se sentasse enquanto se dirigia até a recepção. Ela mal conseguiu se lembrar de como chegou ao hospital, tamanha sua indisposição. Ainda na recepção tinha vaga lembrança de ter sido amparada por pessoas de uniforme branco, no momento em que se sentiu desfalecer.

Emma começou a ouvir vozes longínquas, porém permanecia com olhos fechados. A sensação de dor e náuseas que sentia havia passado e uma agradável sonolência lhe impedia de abrir os olhos. Tentou lembrar-se do que havia acontecido, porém vagas imagens apareciam em sua mente, como flashes num filme antigo. Gradualmente, porém, conseguiu recorda-se do que havia ocorrido. Lembrou-se que, ao entrar no Hospital, logo após chegar ao balcão da recepção sentiu o chão rodar e uma sensação de desmaio apagou todos os seus sentidos até aquele momento. Por certo foi Ângelo que forneceu seus dados na recepção. Ouvia um murmúrio de vozes ao fundo:

- Paciente apresentando sintomatologia compatível com quadro de intoxicação alimentar. A febre cedeu um pouco, mas ela permanecerá em observação. Aqui está a prescrição da medicação. Uma boa noite enfermeira.

- Boa noite, doutora. - respondeu uma voz melodiosa que fez com que Emma tentasse adivinhar quais lábios haviam pronunciado aquelas palavras. Neste momento, Emma sentiu um toque suave de mãos quentes, em seu braço. Abriu os olhos e contemplou o mais belo par de olhos que os seus já haviam visto.

- E então?... É caso perdido ou não?... Balbuciou sorrindo em voz baixa, ainda sob efeito de sedativos.

Aquela figura angelical retribuiu lhe o sorriso, o sorriso mais lindo, e respondeu bem humorada:

- Depende...se tinha algum compromisso para hoje é caso perdido, caso contrário ainda resta uma esperança.

- Graças a Deus! – respondeu Emma, observando aquela figura que lhe ministrava a medicação pelo abocat colocado em sua mão. Observou o quanto era graciosa e questionou:

- Esse anjo da guarda tem nome?

- Walkiria, Regina Walkiria.

- Humm... Rainha Guerreira... Amazona de Odín.

Regina levantou os olhos encarando os de Emma:

- A senhora conhece...

- Mitologia Nórdica?... Com certeza. Mas "senhora" está no céu, me chame pelo nome.

- E qual é?

- Emma, Emma Swan, se é que você já não bisbilhotou na minha ficha.

Regina sorriu e respondeu:

- Belo nome para uma moribunda...

- Que animador!

Fez-se um silêncio enquanto Regina verificava os sinais vitais de Emma. Fez algumas anotações no formulário e continuou:

- A senhora, digo, você irá passar a noite aqui conosco.

- Como assim? Eu vou para casa, quero dizer, para o hotel, amanhã é dia de trabalho...

Regina aproximou se do leito e colocou sua mão na testa de Emma.

- A doutora que te atendeu não te deu alta, amanhã de manhã ela passa aqui pra conversar contigo. Olha, fica tranquila, esta noite eu estou de plantão nessa unidade, qualquer coisa é só chamar, certo?

Emma sentiu o toque afetuoso daquela mulher em sua testa e nem pensou em contra – argumentar. Na verdade tinha consciência de que estaria melhor ali. Além disso, estava gostando da ideia de ser cuidada por aquele anjo da guarda. Regina apagou a luz do quarto e saiu. Emma olhou em volta e a luz indireta do corredor permitiu que vislumbrasse em meio à penumbra um quarto decorado com um crucifixo sobre a cabeceira da cama e um quadro retratando flores na parede ao lado da porta. Havia apenas a sua cama e um armário embutido, além de um pequeno sofá e uma cadeira estofada num canto. Emma sentia se bem melhor e adormeceu profundamente.

Na madrugada Regina adentrou no quarto acendeu a luz da cabeceira para ministrar a medicação de Emma e verificar novamente seus sinais vitais. Percebeu que ela dormia profundamente e antes de tocá-la parou ao lado da cama e se pôs a observar melhor aquela mulher que parecia entender bastante de mitologia. Os longos cabelos loiros emolduravam o rosto anguloso. A boca simétrica tinha um contorno sensual e apesar da aparência abatida era a imagem de uma bela mulher, quase uma deusa, uma deusa grega, pensou Regina. Tais pensamentos a reportaram há anos atrás, quando ainda estudava num Colégio de Freiras em Belém e olhara para uma colega com a mesma perspectiva com a qual analisava Emma naquele momento. Tratou de afastar aqueles pensamentos, pois lhe traziam lembranças desagradáveis.

Verificou a temperatura de Emma e sua pressão arterial, com muita delicadeza, tentando não despertar a bela adormecida de seu sono reparador. No entanto Emma entreabriu os olhos e deparou se com Regina a fitá-la.

- E então, se sente melhor?

- Sim, bem melhor. Aquela sensação de náusea passou. Só tenho sono.

- A sonolência é por causa da medicação.

- Você poderia me alcançar um pouco de água?

- Claro.- respondeu Regina servindo um pouco de água no copo.

Regina levantou um pouco a cabeceira da cama e, suavemente, ajeitou suavemente, ajeitou o travesseiro nas costas de Emma para que a mesma ficasse numa posição confortável. Levou o copo com água até os lábios de Emma e esta ingeriu alguns goles.

- Que bom que as paredes pararam de se mexer... - brincou Emma.

- Pois é.

- Você deve estar pensando que eu tomei todas ontem, não é mesmo?

- De forma alguma, não costumo bisbilhotar a vida dos pacientes. -respondeu Regina cordialmente.

- Muito ético.

Regina sorriu. Emma inebriava se naquele sorriso marcado por uma leve e disfarçada cicatriz em seus lábios perfeitos.

- Mas o pior é que não bebi, antes tivesse tomado todas!

As duas sorriram. Regina arrumou sua bandeja de materiais, baixou a cama de Emma, ajeitou novamente o travesseiro e preparou-se para sair.

- Você já vai?

- Já sim. Precisa de alguma coisa?

- Companhia. Você me acordou e perdi o sono. E quando perco o sono gosto de jogar canastra - brincou Emma.

- Então vamos combinar assim: depois que eu atender todos os outros pacientes, e caso consigas um baralho, eu volto para uma partidinha. – respondeu Regina sorrindo e franzindo o nariz encantadoramente.

Emma não pode deixar de notar o quanto aquela mulher de uniforme branco era bela. Tinha por certo o mais lindo sorriso que já vira.

- Você acha que na bodega aqui ao lado eles venderiam um baralho para uma mulher com um avental de bundinha de fora e arrastando um suporte de soro? – perguntou Emma fingindo seriedade.

- Acho difícil...

- Então vou tentar dormir e adiamos nosso joguinho. Pode ser outro dia...

- Combinado. Se precisar de alguma coisa é só chamar, certo?

- Certo.

Regina apagou a luz da cabeceira e já estava saindo do quarto quando Emma chamou:

- Regina!

- Sim?

- Obrigada.

- Obrigada por quê?

- Por tudo...

- Esse "tudo" é minha obrigação.

- Não... Atender quem não está bem com dedicação e paciência é mais do que obrigação, é uma questão de postura.

Regina sorriu com meiguice e fechou a porta atrás de si. Emma fechou os olhos e não teve dificuldades em adormecer. Sonhou com uma cavalgada por entre as nuvens, onde uma amazona de Odin lhe acenava do alto de um cavalo branco.