CARMESIM
Miss BlueBird
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Quis nunca te perder tanto que demais
Via em tudo o céu, fiz de tudo o cais
Dei-te pra ancorar doces deletérios ¹
Eu contemplava diariamente e em silêncio o exercício pleno da minha angústia. Éramos tão parecidos que doía – qual o preço a se pagar por um erro impagável?
Ela tinha sardas espalhadas por toda a extensão das omoplatas.
Como manchas de bronze numa estátua de marfim.
"Você é minha", eu sussurrei em seu ouvido, antes de jogá-la contra a parede com muita violência. Ela soltou um gemido fraco e estremeceu, agarrando meus braços para não cair. Minhas mãos subiram ágeis por suas coxas até alcançarem sua virilha, por baixo da saia, e eu arranquei sua calcinha como se fosse feita de papel.
Ela gritou meu nome quando eu a penetrei com força.
Quando éramos pequenos, mamãe costumava chamá-la de Gin. Doce e pequenina Gin, com os pés e as mãos sujas de terra, os joelhos ralados e as bochechas coradas. Éramos Ron e Gin, correndo pelos jardins atrás de gnomos – seus cabelos se espalhavam pelo vento e ela ria, girando os bracinhos no ar. – Venha, Ronald! Venha, venha, venha! – ela dizia, e me puxava pelas mãos. – Não me chame de Ronald!, e eu a perseguia como uma sombra. A sombra de sua sombra, até que ela cresceu e a pequena Gin se tornou Ginny, a namoradinha-de-Harry-Potter. E então ela foi possuída por Voldemort, e eu sabia que ela estava danificada. Quebrada, os cacos espalhados pelo chão. Eu sabia, porque eu me cortara em todos eles tentando juntá-los. Ginny crescia e eu a espiava às vezes enquanto ela dormia, um espectro mórbido escondido nas penumbras dos cantos do seu quarto. Ela respirava serena, os dois botões dos seios subindo e descendo num movimento rítmico, como a premissa de uma flor selvagem, enquanto eu tirava de dentro de mim aquela gosma de asco de nojo de medo de pecado, ali mesmo, no silêncio dos meus desesperos.
"Vou pedir a mão da sua irmã em casamento"
"Nunca estive tão feliz"
"Ron, o que acha dessa aliança?"
"Ron, está me ouvindo?"
"Ronald?"
Eu odiava vermelho, porque ela era toda pintada de vermelho – milhares de pedaços de matizes colados numa folha de papel – os cabelos e os lábios e as unhas e o sangue. Um demônio cheio de fúria e obstinação, meu maior pecado, minha destruição. Ela me destruía lentamente, arrancava minha pele e meus músculos e meus ossos. Bebi uma garrafa inteira de uísque enquanto ela se casava, dentro de um buraco negro que eu mesmo cavara para mim – não havia escapatória. No dia anterior tentei convencê-la a não rechaçar meu coração, e ela me respondeu que não, que sua felicidade pertencia à ele, mas entre estocadas furiosas ela gritava o meu nome e me arranhava a pele com as unhas.
Apertei os braços para sentir arderem as feridas que ela havia me deixado. Havia sangue em meu colchão, um último lembrete da nossa despedida tórrida, mas eu sabia, eu sabia, aquele sangue era meu – ela retalhara a minha alma.
Não havia escapatória: minha angústia era carmesim.
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¹ Trecho da música Condicional, de Los Hermanos.
