Pov's John

Eram 17:00 quando o ouvi entrar:

- Não entendo porque colocar as chaves embaixo do tapete. É tão óbvio! – gritou ele, caminhando pela sala. Minha mulher gemeu, e falou baixinho para mim:

- Vai, vai mandá-lo ir embora. – e revirou-se na cama, enfiando a cabeça no travesseiro, chateada. Olhei pela janela, e suspirei. Por que é que ele fazia isso o tempo todo? Me sentei, e levantei mal-humorado, vestido de samba-canção, e de regata branca larga fui ao encontro de meu amigo. Com os olhos semi-cerrados, estranhando a claridade. Abri a porta, e a encostei. Fui em direção a ele:

- O que você quer? – disse um pouco ríspido, com uma das mãos sobre a testa, e os olhos ainda cerrados com a cabeça virada para o lado.

- É assim que se fala com um velho amigo? – fingiu-se magoado pela minha má-recepção. – Eu vim dar boas vindas de volta, Watson.

- Um dia após a minha lua de mel?

- O que há de mal nisso? – sorriu com aquele sorriso de sempre, não pudi deixar de rir, mesmo que um pouco amargo.

- Ok. Boa tarde, Sherlock. – disse rindo ao ver a cara dele de desapontamento.

- Temos um novo caso.

- Temos, como NÓS temos?

- Você é meu assistente.

- Não mais, estou casado, cotidiano,fútil e tributável. – mostrei-lhe a aliança, de alguma forma ele não gostou de vê-la.

- E como eu vou fazer sem meu médico?

- Arrume outro... – falei sem pestanejar. Mas fiquei um pouco arrependido, não pela feição que surgiu no rosto de meu amigo, mas por sentir ciúmes, de que alguém ficasse no meu lugar.

- Ok, você que sabe. Eu estarei sempre no mesmo lugar. – disse, se virando, a passos curtos e vagarosos, com uma sensação de estar, mesmo que minimamente, esperançoso de que viesse alguma ressalva minha, a qual, nunca veio.

Tinha, depois de alguns meses, e depois de algumas aplicações: uma farmácia, e um consultório próprio. O dinheiro que arranjei nos casos de Holmes me rendeu uma pequena fortuna que pudi aplicar e fazer meus próprios negócios. Hoje, estava eu lá, no consultório, esperando um paciente, que eu veria daqui meia-hora. Estava distraído, não pensava em medicina, nem em química, ou em qualquer outra ciência, talvez... a ciência da dedução. Fazia meses que eu não via meu antigo amigo, e eu, com tantas coisas a fazer, não percebi a sua ausência, e ele parece que não também. Ele vinha periodicamente, nunca me esquecia, nunca nos esquecia, minha mulher não deixava de ficar brava, ele não deixava de se irritar com ela, mas eu, intimamente, ria, me sentia bem quisto sendo puxado de um lado para o outro, como se eu fosse precioso demais para ser compartilhado. Sorri, e minha secretária percebeu, ao entrar na sala:

- Daqui a ...

- Daqui.. – consultei o relógio – 20 minutos, Sr. Johnson. – sorri, e ela riu.

- Exatamente, Doutor. Perdoe-me, me esqueço o quanto o senhor é atencioso. – sorriu de modo envergonhado, com as bochechas branquinhas beirando ao vermelho.

- Não faz mal, criança. – disse, arrumando meus papeis, ainda sorrindo. – Posso lhe pedir um favor? – disse a encarando.

- Cla-claro, Senhor...Dr. Watson. – sorriu ela, quase deixando os papeis caírem de suas mãos. – O que você quiser. Senhor...

- Vá a Baker Street, e mande-me um recado. Para Sherlock Holmes. 221B. – sorri, contente pela premissa de voltar a vê-lo. – Diga a ele que desejo vê-lo.

-Ok. Baker Street, 221B. – disse ela prontamente.

- Para Sherlock Holmes.

- Isso. Sherlock Holmes. Vou voltar ao meu trabalho. – disse, fechando a porta atrás de si.

No que será que ele deve estar trabalhando?