Meus pais eram as pessoas mais fortes que eu já conheci. Principalmente meu pai. O meu herói. Depois que minha mãe morreu, todos nós sofremos muito. Eu, papai e Hugo. E creio dizer que isso só fez com que papai ficasse ainda mais forte. Agora ele era mãe de equipe. Não havia mais uma opinião feminina nas suas decisões sobre nós, seus filhos.

E é difícil para um homem decidir coisas que normalmente não estão inclusas nos seus planos de vida, sabe? Coisas que uma mãe deve decidir, não um pai. Mas já não havia mais jeito. Ela se fora.

Os abraços eram duplos. Havia amor de pai e mãe ali. Havia preocupação pelos dois. Zelo pelo dois. E quando meu pai me colocou pra dormir, numa noite de inverno, eu soube que ele era muito mais que o meu herói. Ele me cobriu, abaixou-se do meu lado e sussurrou baixinho no meu ouvido. "Me desculpe por não conseguir dar a vocês tudo que vocês receberiam se sua mãe estivesse aqui." E então, eu vi uma lágrima cair de seus olhos. E aquilo me fez perceber que estava sendo difícil pra ele. Toda essa situação. Muito mais difícil do que era pra nós, pra mim e pro Hugo.

Papai nos levava a qualquer lugar. Nos dava tudo que queríamos. Tudo para não nos deixar insatisfeitos e tentava, de todo modo, nunca tocar no assunto que mais lhe doía: nossa mãe. Mas lembrava com carinho, as vezes – eu podia perceber – nos cantos da casa, olhando para uma foto em um porta retrato velho. E chorava, quieto.

"Pai, você pode contar algumas histórias suas e da mamãe enquanto estiveram na escola?" Foi uma pergunta quieta, toda cheia de medos, uma pergunta insegura feita por uma menina curiosa. Hugo estava sentado comigo e papai no quarto, enquanto assistíamos a propaganda de um programa favorito nosso. Do qual víamos toda noite, juntos. Papai nos olhou apreensivo, e pensou um pouco antes de responder, com a voz embargada.

"Sua mãe e eu... Temos tantas histórias." Ele deu um sorriso fraco. O sorriso de quem ainda chora pelos cantos da casa de saudade. Um sorriso de satisfação por ter vivido tudo do que recordava. "Uma vez... No nosso primeiro ano, quando nos conhecemos, descobrimos um alçapão com um cachorro de três cabeças. Eu e Harry levamos Hermione até lá, um tanto quando arrastada, por não ter opção de voltar para o dormitório por causa de Filch. Acho que depois que saímos da sala, correndo, para não sermos devorados pelo cachorro, sua mãe ficou umas duas semanas sem falar comigo." Mas um sorriso. Um sorriso de quem recorda algo muito bom. Sorriso nostálgico. "E então, depois dessas duas semanas, eu resolvi tomar coragem e ir falar com ela." Seus olhos estavam cheios de lágrimas. E ele estava num momento tão vulnerável que resolvi me aconchegar mais pertinho dele. "Nunca disse realmente pra ela, mas foram as duas semanas mais agonizantes da minha vida longe dela." E então ele chorou. No meu colo. No colo do Hugo. E eu sabia que ele precisava disso.

Nós, como família, estávamos juntos, sempre e em qualquer circunstância. E mamãe também estava presente conosco. Nas risadas, lembranças, na memória bem viva de cada um de nós três, em porta retratos que papai fez questão de deixar espalhados pela casa inteira. Era estranho pra quem visse de fora, mas quase parecia normal pra mim acordar todo dia e desejar um "bom dia, mamãe" para o quadro na porta do meu quarto.