De Seu Deus, para Sua Sacerdotisa. Um brinde.
~T~
Primeiro lhe veio a ideia. Um momento de reflexão, tendo a inspiração na boca vermelha inescrupulosa.
Embriagava-se no perfume. Não uma loção cara. O próprio suor do corpo italiano já era um aromático sem precedentes. Tanto que o embebedava vagarosamente, e quando percebeu, a cabeça já estava prestes a estourar.
Só me deixe lhes apresentar Sua Santidade, O Tolo!
As línguas mortas já deviam predizê-lo há muito. Que se cumpra a Vontade Divina pelas mãos do esfarrapado italiano.
Que escorram rios de sangue. Que crianças sejam sacrificadas. Levem oferendas até o altar de Plutão.
"Dai a César o que é de César" dizem as escrituras sagradas.
Do latim vulgar fluem as palavras que se sucedem rentes ao ouvido de Pandora. Da mesma Pandora que lhe serve de inspiração para cada traço que se dá por terminado. Da mesma Pandora que se faz de forte. Que se mantem firme por orgulho. Que não tem propósito algum, além de ama-lo. Da mesma Pandora que se ajoelha. Pandora desaba, deságua, escorre. Suja, se lava em pranto. Mas pouca coisa lhe apetece. De alma em alma, da alma à lama.
Após a ideia, segue-se a fruição. E das mãos do artista se fez em Virtude. Moldou, deu cores, deu razão de existir, vazão ao sentimento contido. Não como um poeta o faz, mas como o pintor tem de fazê-lo. Escorrega por entre os dedos, dos cabelos negros, até o pescoço fino. Adorna-o com a mão espalmada, e um olhar tão triste se faz.
Pandora não entende dessas coisas, nem adianta tentar explicar. Ela se rende, se entrega. Há pavor no olhar. Não nos olhos do Artista, claro. Do quadro. E a obra se faz quando os dedos bem pressionados, rentes ao pescoço dela, fazem força. Estrangulam. Há o grunhido de dor, mas aos ouvidos do artista, há apenas o cântico de graças cantado por todas as crianças mutiladas na guerra. A obra parece pronta quando Pandora para de se mexer. Docemente silenciada. Após terminar, segue-se a contemplação.
Mas Aaron não crê que realmente tenha terminado. Apenas quando tomou a espada e retalhou o corpo sedutor com todo seu carinho, foi que percebeu o que faltava. Então o quadro foi finalizado em carmim.
Deixou o último beijo apaixonado nos lábios já frios, e se foi, após levar Sua Salvação à Sua Musa.
Ao olhar para trás, gostou de sua obra.
"E viu que era bom".
Amém.
