Sobre o título da fic: "La feé verte" significa "A fada verde" em francês, e é o nome metafórico usado mais comumente para a bebida absinto. Como Mana, antes do Malice Mizer e ainda no começo da banda, adorava verde e também adorava a sonoridade da língua francesa... ficou sendo esse o nome da fic. Rs! Além do mais, quando, na fic, ele e Közi começarem a sair juntos, vai haver uma metáfora ao amor dele sendo "embriagável" como uma dose de absinto. Rs...

Nota da autora: Esta fic não tem relação ALGUMA com a fic "Mizérable", dado que na fic citada o Mana se envolve primeiro com Gackt e depois com Közi. Na presente fic, Mana será namorado do Közi desde o começo (obsessão pelo novo casal? RS!). A fic não será muito grande, apenas englobará algumas coisas "pré-Malice Mizer", ok? Algumas datas são verdadeiras, porém outras são totalmente especulação. Outros dados, como o nome real de Mana como sendo Manabu Sato, tbm são apenas especulação.

No mais, o "disclaimer" de sempre. A fic é feita apenas com propósitos lúdicos, não-lucrativos, é puramente ficção e não deseja insinuar, de maneira alguma, que Mana e Közi tiveram relacionamento homossexual na vida real.

No mais, enjoy it!

-x-

Lá feé verte

I

Japão, 1987

O rapaz acendia a mais um cigarro, enquanto o som rolava na parte de trás do karaokê onde trabalhava como atendente. Mais um povinho ruim... ora, todo mundo no Japão se achava cantor! E muitos cismavam de fazer aqueles "conjuntinhos" que não se enxergavam, que tocavam mal pra caramba... mas enfim, fazer o quê!

Seu nome era Kouji, porém escolhera a variante ocidental "Közi" como seu principal codinome. Tinha vinte e um anos, era magro e não muito alto como quase todo japonês... mas no resto, era bem diferente dos nipônicos em geral. Era "maluco", falava muito palavrão, não gostava das reverentes expressões de tratamento¹ que eram usuais no Japão... e além disso, fumava um cigarro atrás do outro. Os japoneses em geral fumavam, mas Közi era demais. Até no banheiro pensava em acender cigarro...!

Enquanto era jovem, isto estava bem... mas e mais tarde, quando o organismo cobrasse a paga pelo abuso?

Tentava não pensar nisso. Adepto do "carpe diem" como era, Közi se apresentava como um daqueles punks malucos que já na adolescência começara a tingir o cabelo de cores malucas, furtar coisas de lojas, beber até cair... mas era nessa anarquia que gostava de viver.

E fora por essa mesma anarquia que saíra da casa dos pais com apenas dezesseis anos, ainda quatro anos antes de chegar à maioridade, uma vez que no Japão tal é atingida somente aos vinte. Os problemas com dinheiro não eram nada pra ele, dado que, apesar de ter sido obrigado a, no começo, dormir num carro com um bando de marmanjos por falta de casa, ele gostava de aventura.

Só que a vida adulta e a necessidade de algum dinheiro considerável batera em sua porta, e ele vira que teria de se virar de algum jeito... querendo ser músico, nada lhe restou a não ser ir para Tóquio. Foi, não conseguiu uma banda decente, mas ao menos um empreguinho fixo ele conseguira - aquilo no karaokê... e ao menos isso dava pra comer, beber, fumar e dormir com um teto sobre a sua cabeça. Não era muito, mas ele estava se divertindo... não planejava constituir família, era ainda muito jovem... logo, levava aquilo tudo na diversão.

Apagou mais aquele cigarro e observou a uma figura singular que aparecera ali no balcão. O que mais lhe surpreendera naquela figura foram os longos e lisos cabelos pintados de verde, bem como a indumentária claramente punk - ele, já bem engajado nesses meios, sabia como diferenciar o visual de todas as "tribos" só de olhar.

Não sabia se a pessoa cabeluda era homem, mulher ou outra coisa. Era bem magrinho, mas andava de um jeito fino, como se não quisesse ferir ao chão. Os traços... pareciam de homem, bem como a compleição pela falta de seios e tudo... mas o rosto tinha atributos femininos. Não entendeu...

Como a pessoa nova nada falou, resolveu tomar a iniciativa e falar:

- E aí, colega...? Quer cantar?

A figura apenas acenou que "não" com a cabeça.

- O gato comeu a sua língua...?

Közi sorriu, mas a pessoa permaneceu séria.

- Não - a figura respondera afinal, e com uma voz claramente masculina - Vim entregar um "curriculum" aqui... embora não tenha muito o que apresentar.

- Aaaaaaaah, o rapazinho que vai tentar a vaga de emprego de balconista? Eh, cara, qual é seu nome?

- Chamam-me Mana.

- Mana? Mas eh, cara, isso é nome de mulher!

O punk de cabelos esverdeados olhou enfarado para o outro, enquanto Közi ria a expelir a fumaça do cigarro.

- Meu nome verdadeiro é Manabu Satou. Sim? Porém, prefiro ser chamado de Mana. Sendo isso nome de mulher ou não!

- Ah, tá, cara, sem estresse... o Közi aqui é do bem, sim? Bem! Vou chamar aí o cara que avalia o povo. Mas ele vai achar legal...! Vai sim, cara, enquanto por aí o povão é cheio de frescura pra contratar gente alternativa que nem nós, aqui eles preferem justamente esses tipos!

O tal de "Mana" apenas acenou positivamente com a cabeça, e entrou balcão adentro, quando Közi abriu para si. Logo, o dono do estabelecimento o levou para dentro de uma sala e lá lhe fez algumas perguntas.

Közi o olhou partir, achando um barato todos aqueles adereços punk... mas o que mais lhe surpreendera no rapaz... além do visual andrógino... fora a total falta de tatuagens e piercings no outro, bem como o jeito tímido e "quieto" de andar.

Acenou a cabeça e disse, de si para si:

- Uma coisa muito legal veio trabalhar aqui hoje²!

OoOoOoOoOoOoO

Após menos de uma hora, a qual fora sofrida para o rapaz de cabelos esverdeados, dado que era realmente tímido e não gostava de ser avaliado... ele saíra da sala, aliviado. Havia sido aprovado, enfim...! Afinal, para ganhar tão mal, num lugar tão "underground"... parecia que o empregador era quem precisava implorar para alguém trabalhar ali.

E, sendo Mana alguém não muito "empregável" por conta do visual, juntavam-se aí a "fome e a vontade de comer".

Logo, o dono do local o colocou sentado ao lado de Közi, e lhe deu instruções:

- Você fica no balcão, recebe o dinheiro do pessoal e guarda aqui. Certo? É sua responsabilidade, se sumir será descontado do seu salário!

O rapaz ficou em silêncio. Era meio distraído, avoado... poderia muito bem perder algum dinheiro e ser descontado. E afinal de contas, morava sozinho, precisava se sustentar, mesmo que fosse com aquele pouco que ganharia ali... não podia desperdiçar nenhum centavo de yen em vão.

Pensando nisso, decidiu acenar que "sim" com a cabeça... e tentar se concentrar no que tinha pra fazer.

- Bem. Seja bem vindo. Esse é Közi, ele será seu companheiro nesse novo emprego. OK?

Mais uma vez, o rapaz acenara a cabeça. O empregador riu...

- Parece mudo, rapaz! Mas enfim, deixa pra lá... não vai precisar falar muito mesmo pra lidar com esse povo! OK?

- Sim.

Finalmente dissera algo. Ora, não gostava de falar...! Qual era o problema?

O dono os deixou ali afinal, e Mana ficou em silêncio por uma meia hora, apenas observando atentamente a área. Enfim, após esse tempo, Közi, o qual ao contrário do outro era praticamente verborrágico, decidiu encetar uma conversa.

- E aí, cara? Você é punk também, né? Que me diz da cena? Hein, que lugares frequenta, com quem anda...

- Eu não ando com ninguém.

- Ué, e por que não? Se quiser, te apresento uma cena legal aí... quer?

- Não.

- Qualé, cara! Pra quê esse cabelo verde, essa pose toda aí, se é pra ficar escondido em casa?

Mana olhou ao companheiro de trabalho enfarado. Que cara chato...! Dali há pouco ia querer saber a cor da sua cueca...?

- Eu fico assim pra mim mesmo, não pros outros.

- Ah, é? Mas cara, sei lá, precisa sair... não gosta de casas noturnas, shows de metal, nada disso...?

- Eu gosto de shows. Gosto de metal. Mas... prefiro escutar em minha própria casa.

- É...? Quais bandas curte?

- Iron Maiden, Black Sabbath...

- Ih, isso é muito genérico, cara! Isso qualquer um curte!

Mais uma vez, o rapaz de cabelos verdes olhara "feio" para Közi.

- Não posso gostar só porque todo mundo gosta...?

- Ah, cara... pode, claro que pode! Mas... sei lá, meu! Nada mais específico, do movimento punk mesmo?

- Há uns três ou quatro anos, comecei a gostar de metal com o Mötley Crue.

- Opaaaaa, agora melhorou hein! Na época tu chegou a ir no show deles, ou não?

- Fui... em Osaka.

- Eeeehhh, caaaara, eu estava lá também! Será que a gente não se encontrou e nem soube?

- Quem sabe... mas na época eu não usava cabelo grande, nem o tingia. Eu era um rapazinho comum de seus quinze anos...

- Huuuuum, comum? Um cara assim como você já foi "comum" algum dia? Hahahahahaha, que barato cara! Mas e hoje, não vai em show nenhum?

- Não... escuto só em casa.

- Que é isso, cara, tem que se enturmar! Eu vou te levar pra sair, você vai ver!

- Eu não gosto muito de sair, nem de lidar muito com gente. Apenas vou ter de lidar aqui porque... bem... porque preciso ganhar algum dinheiro, né? Todos precisam viver.

- Entendo! Mas vem cá, tu trabalha... faz mais alguma coisa da vida? Já terminou os estudos?

- Sim. Tenho dezenove anos.

- Aaaah, parece ainda mais novinho! E seus pais, que acham de você se vestir todo doido assim...?

Mana abaixou o rosto, consternado. Os pais... ele tivera de cortar contato com eles para continuar sendo quem era. Os últimos dois anos... haviam sido difíceis pra ele. Sem uma faculdade nem nada, saíra corajosamente da casa dos pais a fim de tentar a carreira como músico. E de lá para cá... nunca, nunca tentara reatar contato.

- Não falo com meus pais desde que saí de casa.

- Ah... brigou com eles? Foi expulso de casa?

- Não cheguei a ser. Porém... tive muitas discussões antes. Dos quinze aos dezoito anos, eles fizeram o inferno pra eu parar de curtir esse estilo. E aí... acabei tendo que sair. Usei como desculpa o fato de precisar estudar numa escola de música, porém larguei os estudos e nem sei ler uma partitura. Depois disso, só me arrumei em empregos ruins...

- Entendo! Eu tenho uma história parecida. Saí aos dezesseis anos da casa de meus pais, pelo mesmo motivo que você. Tive até de dormir em carro, acredita? A gente, nem uma porra de um quarto de hotel conseguia pagar na época! Hahahahahaha!

Mana sorriu esmaecidamente. Közi, apesar de rir, pensava surpreso em como um rapaz como ele saíra da casa dos pais aos dezoito anos... e como conseguia se manter naquela "selva de pedra" que era Tóquio. Ora, ele, Közi, era todo despachado, maluco, ria até mesmo em horas de extrema dificuldade... porém, Mana parecia a si uma coisinha frágil. Muito quieto, com expressão quase feminina... ficou até pensando se aquele cara não era "bicha". Mas deixou quieto... não lhe interessava, afinal, a sexualidade dele.

Como o dia estava meio "morto" e não vinha muita gente cantar, eles conversaram sobre várias coisas. Mesmo Mana às vezes ficando muito quieto, apenas respondendo com monossilábicos... Közi com seu entusiasmo e simpatia conseguiu manter alguma conversa. E eles, afinal, eram do mesmo movimento... tinham bastante coisas em comum.

Logo, Közi descobriu mais uma coisa que tinha em comum com Mana: ele também tocava guitarra. Aliás, Mana começara inclusive a aprender a tocar baixo e bateria.

- Que foda, cara! Mas e aí, o que faz pra driblar a timidez? É, porque pelo que deu pra ver, você é bem tímido...

- Sim... sou mesmo. Eu bebo um pouco antes de entrar no palco. Mas já faz tanto tempo que não me apresento, Közi...

- É...? Poxa, precisa fazer algo a esse respeito! Vem cá, eu também tou querendo achar uma banda... por que a gente não tenta algo?

- Pode ser... mas com que dinheiro? Não tenho nenhum centavo livre...

- É... precisamos começar com a banda dos outros. É o jeito!

Conversaram mais um pouco sobre instrumentação, entre um atendimento e outro... e quando chegou a hora de irem para casa, Mana disse onde morava.

- Sério que tu mora ali? Eh, cara, eu moro há apenas uma quadra de você! Vamos juntos então!

Mana sorriu, e portanto ambos foram juntos embora. Parecia que aquela amizade já estava destinada a ser algo grande desde então...

OoOoOoOoOoOoO

Nos dias que se seguiram, Mana e Közi continuaram a conversar sobre várias coisas. Quando os dias estavam cheios e eles não conseguiam parar para conversar, se falavam apenas no horário de almoço. E como Közi era alguém que falava de coisas as quais Mana também gostava, não ficava difícil... afinal de contas, era raro a ele encontrar alguém que gostava do que ele gostasse também. Logo, estava apreciando aquilo...

Aos poucos, com o tempo e a intimidade aumentando entre eles, Mana o chamou pra conhecer sua casa. Közi foi, pensando que havia, enfim, achado alguma amizade que era diferente daqueles caras com quem usualmente andava, os quais eram ignorantes, bêbados, mal educados... e ele, aquele carinha, era também punk e gostava de metal... mas conseguia ser educado e manter uma conversa decente por um longo período de tempo. Além disso, era inteligente... a maioria das pessoas não gostavam de refletir sobre nada, mas Mana adorava. Isso, aos poucos, foi fascinando a Közi.

Chegaram em sua casa. Era na verdade, um "quarto e sala" bem pequeno, dado que Mana mal tinha algum dinheiro... assim como Közi. Mas era tudo arrumadinho. Nada muito fora do lugar. Além disso, Közi não via cinzeiro em lugar algum...

- Mana, cara, né por nada não... mas onde guarda as cinzas do cigarro?

O rapaz de cabelos verdes sorriu... e lhe respondeu:

- Eu não fumo.

- QUE?

- É, Közi. Eu não fumo. Não gosto do cheiro da nicotina...

- Mas cara...! Todo mundo nesse meio fuma!

- Eu não. Não preciso ficar seguindo modelos. Devo ser quem eu sou.

Közi olhou ao colega, estupefato. Como...! Ele realmente tinha personalidade forte!

- Bem, cara, tudo bem... mas ei, que é isso aqui?

- Ahn...? Minha coleção de filmes! Adoro filmes!

- Eh, tudo de terror! Olha só, onde consegue arrumar esse monte de coisa antiga?

- Pesquiso bastante. Tem muito lugar que vende barato... bem barato. Aí fui com o tempo aumentando minha coleção até estar deste tamanho...

- Parabéns! Putz, cara, que foda! Eu não ia ter paciência pra procurar metade desses filmes por aí! Posso dar uma olhada?

- Fique à vontade... só não estrague as fitas, por favor...

- Ah, claro que não!

- Quer comer alguma coisa? Eu posso fazer algo pra gente comer...

- Você cozinha?

- Modéstia a parte, acho que cozinho bem... apenas não tento ser cozinheiro, porque dizem que sou muito novo... querem alguém com experiência. E também querem alguém com aspecto mais... normal? Não tenho paciência pra isso...

- Entendo. Mas é, é isso aí, cara... se não for incômodo, aceito sim.

- Não será incômodo, não... fique um pouco aí, sim? Já volto.

Enquanto Mana ia arrumar as coisas pra começar a fazer a comida, Közi continuava olhando, admirado, todos aqueles filmes. Quando de repente... ele bate o olho em algo completamente diferente do resto.

- Eh, cara, que é isso aqui?

- "Isso" o quê, Közi?

- Isso...

Como o apartamento era bem pequeno, Mana não tinha apropriadamente uma cozinha em casa... apenas um "cantinho" do quarto e sala onde tinha o fogão. Mesmo às vezes precisando improvisar, Mana conseguia cozinhar bem...

Közi foi até o fogão e lhe mostrou o filme que achara no meio dos demais.

- Ahn... que tem esse filme?

- "Paraíso Azul"³, cara? No meio de tanto filme de terror, um filminho água-com-açúcar desses?

- E qual o problema...?

- Isso é filminho de mulher, cara! Aliás, de mulher não, que mulher nem é mais tão iludida assim... é filminho de menina! Aquelas meninas que têm uns quinze, dezesseis anos... tirando a parte do sexo explícito - que nem achei tão forte assim, hoje qualquer moleque de uns doze anos já viu coisa pior - seria filminho de menininha menor de idade! Quase um "shoujo" bobinho, cara! Claro, não é "shoujo" porque não é japonês... mas se fosse, seria um "shoujo"!

Mana bufou de impaciência mais uma vez.

- Közi... por que você divide as coisas em "coisas de homem" e "coisas de mulher"?

O outro olhou a Mana como se fosse algo óbvio.

- Claro, cara! Todo mundo divide! Ou você seria capaz de sair de vestido e batom rosa na rua? A gente que é do metal, a gente até usa maquiagem de vez em quando e tal... mas maquiagem do movimento, cara! Não aquelas coisinhas de mulher!

Mana permaneceu olhando ao companheiro de trabalho, indignado.

- Közi... se você é do movimento punk, você deve saber... que o movimento prega que as regras, os parâmetros gerais... sejam quebrados. Não é?

- Sim, eu sei... mas fazer coisas de mulher já é demais!

- Por que? Você considera vergonhoso ser mulher...? Hein? Se você tivesse nascido mulher, lhe seria ruim?

- Ah, cara... não digo "ruim". Digo que tenho minha identidade como homem, entende? E de qualquer forma... você sabe que o movimento prega uma coisa, é a favor do feminismo e tal... mas na prática é tudo bem diferente!

Mana balançou a cabeça, fechando os olhos.

- Közi... ou eu sigo algo, ou não sigo. Se for pra ser punk apenas pra pintar o cabelo, ouvir bandas de rock e fazer o sinal de "chifrinhos" com as mãos... melhor não ser.

- Eh, cara, você leva as coisas bem a sério, hã! Mas de qualquer modo, o que te chamou atenção nesse filme, nesse "remake" de "Lagoa Azul" que quase ninguém conhece?

- É que... ah, você vai rir de mim.

- Claro que não, cara! Falaí, achou a mina gostosa? Eh, cara, até eu acharia... se bem que tem filmes melhores pra isso de "admirar minas gostosas"...

- Não exatamente.

- O que então? Se o enredo do troço é tão fraco...

- É que... Közi... eu gosto de viver entre ilusões. E, bem... eu... Közi, eu queria viver uma história parecida com aquela! É, é isso! Pode dizer que é "coisa de mulher", que é "shoujo", mas não estou nem aí! É, eu queria... eu queria viver uma história de amor isolado da sociedade, uma história de amor verdadeira, não sendo regida por princípios sociais mesquinhos. Ora, as pessoas namoram para que...? Para conseguir status? Sexo fácil e fixo? Poucos namoram por amor. E... uma história dessas, acontecendo assim, numa ilha deserta... é o que mais me pareceria com um amor de verdade, puro, sem segundas intenções incluídas nele.

Közi observou ao conhecido mais uma vez, ainda achando aquilo incrível. Caramba... ele era mesmo diferente!

- Mana, eu até te entendo e tal... mas... conseguir uma coisa dessas na vida real é meio difícil, não acha? Em filmes, em animes "shoujo", em romances e novelas... isso acontece. Já na vida...

- Eu sei disso, Közi. E é por isso que eu lhe disse que gosto de viver entre ilusões... na verdade, é muito difícil para uma pessoa como eu viver num mundo como o nosso. Para mim, é como se fosse quase impossível viver num mundo que não seja no da fantasia. Eu vivo porque não tenho escolha, porém gosto de imaginar coisas, criar coisas em minha mente... para tentar "fugir" um pouco disso.

- Entendo...

- Por isso eu quase não saio, não mantenho quase contato com as pessoas. Porque é tudo tão... falso! Tudo tão interesseiro! Quase nada é feito de amor, Közi...

- Eu sei, cara. Me desculpe ter julgado você precipitadamente, chamando isso de "coisa de mulher"...

- Ah, tudo bem... mas Közi... por falar nisso, de "coisa de mulher" e tal... lembra? Desde o primeiro dia, você estranhou o fato de meu codinome "Mana" ser algo extremamente feminino.

- Sim...?

Pronto. Közi pensou que dali viria alguma confissão do cara, de ele ser gay ou algo do gênero... mas se surpreendeu com a resposta.

- É... Közi... eu não sei se vai me estranhar por isso, mas... eu sinto que dentro de mim tem uma mulher.

O outro não esperava aquilo. Ora, até um gay era homem. Um homem que sentia atração por outros homens, mas... um homem. E Mana dizia que tinha uma... mulher dentro dele?

- É...? Você é transexual, Mana?

-...não exatamente. Eu sei que sou homem. Que nasci homem. Que sou registrado como homem na certidão de nascimento e na identidade. Mas... tem uma mulher dentro de mim. E ela não sou eu, se é que me entende.

- Er... desculpe, cara, mas não entendo não.

- Deixa eu tentar explicar. Quando eu era mais novo, era muito revoltado. Chutava tudo, tinha ódio do mundo... mas esse ódio não passava de carência em encontrar meu lugar. Bem... Közi... com o tempo, percebi que toda aquela revolta se dava... por eu não poder ser quem eu realmente era. Na verdade... aquela mulher dentro de mim... exigia que eu agisse como uma mulher.

- Huuuum... e essa mulher, quem é?

- Eu não sei no que você crê, espiritualmente falando. Mas eu creio que essa mulher é uma parte da minha personalidade, que vivi em outra vida.

- Entendo...! Acredita em reencarnação então!

- Sim. E eu me identifico mais é com ela mesmo, com essa mulher. Logo... tem um monte de coisas femininas que eu gosto de fazer! Cozinhar, ver animes "shoujo", sonhar com um amor puro e verdadeiro... mas por outro lado, minha face "homem" me faz ver filmes de terror e de guerra. Me faz gostar de carros. Me fez usar moicano quando eu tinha uns dezessete anos - é, eu já usei. Me faz gostar de "games", que são uma coisa predominantemente masculina. Entende? Eu tenho os dois lados em mim. Por isso pareço algo tão estranho pra você e pros outros. Não é só questão de ser transexual. Um transexual é completamente mulher num corpo de homem... e eu sou os dois, homem e mulher... ou nenhum dos dois... num corpo totalmente masculino. Me fiz entender melhor agora?

Közi o observou, entendendo melhor depois da explicação do colega. Assentiu com a cabeça, porém pensou... que o corpo de Mana, embora fosse "totalmente masculino", tinha um "quê" de feminino que somente quem estava de fora conseguia ver com mais clareza. Ora, aquela pele branquinha, aqueles membros longos e delgados, aquele rosto de traços mais delicados que o dos demais homens... nada disso era muito "masculino". Logo... é, ele parecia ser "dois" até mesmo na aparência física.

- Entendi agora, cara. Mas tudo bem, entende...? Tudo bem. Esse negócio de se sentir "homem" ou se sentir "mulher"... é, eu sei que falei que tinha minha identidade e tal... mas tudo bem, se você se sente bem assim e não faz mal pra ninguém.

Mana sorriu. Ao menos ele o aceitava...

- Espero que isso não prejudique essa amizade que começa a nascer entre a gente.

- Ah, claro que não...! Na verdade, cara, eu já fui amigo de tanta gente... ih, cara! De tanta gente com coisas muito mais pesadas do que isso... na verdade isso nem é pesado, é apenas... diferente, né? É. Mas é isso, se preocupa não, não vou te julgar de maneira negativa!

O rapaz de cabelos verdes sorriu de novo, e enfim voltou a fazer a comida. Közi foi de novo para a prateleira onde Mana guardava sua coleção de vídeos... e guardou de novo o exemplar de "Paraíso Azul".

"Um homem... que se sente mulher... interessante! Bem, eu não vou interferir nisso. Mas é bem peculiar...!", pensou, antes de ir para o sofá que Mana tinha no "quarto e sala" e começar a conversar de coisas mais triviais com ele, como temperos que se usava na comida, ou sobre as músicas "punk" mais tocadas no momento.

To be continued

OoOoOoOoOoOoO

¹Estou estudando um pouquinho de japonês (rssss) e andei lendo que falar "eu" ou "você" no Japão soa muito íntimo, e ao mesmo tempo às vezes ofensivo por ser informal demais. Por isso, há várias formas de falar "senhor" e "senhora" no Japão, tais quais "san", "chan", "kun", "senpai", "sama", etc... todas elas usadas em situações diferentes. Nessa narração, Közi se aborreceria em ter tantos pronomes de tratamento apenas para falar "eu" ou "você", "senhor" ou "senhora" de forma aceitável... rs!

²Essa frase é REAL. Közi disse numa entrevista que, assim que viu Mana, pensou que "uma coisa muito legal" havia ido trabalhar lá. E sim, eles trabalharam juntos num karaokê, de verdade.

³"Paraíso Azul" é um filme no estilo da "Lagoa Azul", onde uma garota é quase sequestrada para fazer parte de um harém, porém consegue fugir junto com um conhecido seu para uma ilha deserta. Lá, eles têm de aprender a sobreviver e eventualmente acabam conhecendo o amor. Mana já falou desse filme em várias entrevistas (rs), e decidi colocar na fic. Engraçado que ele foi logo ver essa versão do filme, e não "A Lagoa azul", que é o mais conhecido...

A versão em japonês se chama, aliás, "Paradise", mas decidi colocar na versão em português, já que a fic é direcionada aos leitores que dominam esse idioma.

Beijos a todos e todas! Esperam que curtam a fic, rs!