As ruas de Nova Iorque sempre foram movimentadas demais para Spencer Hastings. Na verdade, aquela cidade sempre fora demais para ela. A menina não gostava de tanta gente junta, era muito contato. E ela adorava se perder em seus pensamentos, sendo que num desses devaneios acabou esquecendo que a Times Square possuía vida.
— Oh, me desculpe! — Spencer pediu enquanto juntava alguns papéis no chão após esbarrar em alguém.
— Tudo bem, tudo bem. Só tente prestar mais atenção por onde anda. — disse a garota após dar seu sorriso mais terno — Você parecia aérea. Está tudo bem? — Perguntou preocupada.
— Ah, está sim. — A Hastings ainda estava envergonhada por ter feito a moça derrubar seus documentos no chão. — Aqui, olha. — entregou-a os papéis — Me desculpe, novamente.
— Tudo bem, novamente. Fique tranquila. — Sorriu mais uma vez. Ela era encantadora.
— Er... Tenho que ir. Até mais. — Disse antes de virar as costas para a morena mais alta.
— É Emily, a propósito. — citou, fazendo Spencer parar — Emily Fields. — Seu coração palpitou ao ver a menor se virar com um sorriso singelo para respondê-la.
— Spencer Hastings.
Ali, trocaram mais alguns segundos de sorrisos até que Spencer resolvesse ir embora de uma vez. Mal elas sabiam que aquela não seria a última vez que se viam. O destino reservava mais, bem mais.
Mais tarde, naquele mesmo dia, Emily encontrava-se no hall da Universidade de Nova Iorque esperando para ser atendida, pois matricularia-se ali. Depois de tanto tempo morando no Texas, era bom passar um tempo fora do alcance de sua chata rotina.
— Emily Fields. — Chamou uma voz automatizada, fazendo-a levantar e ir em direção à Secretaria.
— Com licença, eu vim fazer minha matrícula. Aqui estão as papeladas. — Disse ao entregar os papéis para o secretário.
— Ok, senhorita Fields. Eu vou encaminhar o seu pedido e então é só você assinar alguns papéis e bem-vinda à UNI! — Exclamou com um sorriso convidativo.
— Certo. — Sorriu de volta.
O homem, aparentemente mais velho uns quinze anos, retirou-se deixando Emily à espera da resposta. Mas, após passarem-se alguns minutos, Emily resolveu dar uma passadinha no hall para tomar um gole de café.
Fixada na televisão enquanto tomava uns goles de sua bebida, percebeu a passagem de um cabelo relativamente conhecido.
— Spencer? — Chamou, conseguindo chamar sua atenção.
— Oi? — a morena não sabia quem a chamava, exatamente, até que avistara Emily. — Emily? O-o que você tá fazendo aqui? — Perguntou meio incrédula.
— Bem, eu vou estudar aqui. — sorriu — Aqueles papéis eram minha matrícula.
— Ah, sim. Me desculpe por quase te fazer ficar sem formação acadêmica. — Pediu envergonhada.
— Você tem que parar de se desculpar tanto. — riram — E o que você faz aqui?
— Bem, eu... Eu estudo aqui. — Respondeu.
— Sério? Você faz o quê? Há quanto tempo estuda aqui?
— Sim. Direito. Dois anos. — respondeu como uma metralhadora, o que fez Emily rir. — E você vai fazer o quê?
— Eu vou fazer Medicina.
— Nossa, sério?! Que incrível! — Spencer estava realmente surpresa. Emily não parecia ser do tipo estudiosa. Se ela fizesse Direito, seria motivo para preocupação.
— Por que essa surpresa? Não tenho cara de médica? — Riram.
— Não, é que-
— Srta. Fields? — Chamou o secretário mostrando a papelada.
— Bem, agora eu tenho que ir. — disse com tom tristonho — O que você acha de nós sairmos mais tarde?
— Er... Claro, claro. Seria ótimo! — sorriu — No Zimmel's?
— No Zimmel's. — Sorriu e inclinou-se para dar um beijo no rosto de Spencer, que fez o mesmo movimento. E, num acidente, selaram os lábios por milésimos de segundos até que se separassem assustadas.
— Er... Eu... Até mais. — Spencer saiu deixando uma Emily aérea.
— Srta. Fields?
— Estou indo, desculpe. — Ela voltou à secretaria com o pensamento de que aquele semestre seria divertido.
No Zimmel's, Emily estava sentada em um dos bancos do balcão da lanchonete. Enquanto tomava um copo de chocolate com leite desnatado, duvidava se Spencer apareceria por ali. Afinal, não era tão comum você "sair" com uma alguém que conheceu no mesmo dia. Após um tempo, já se levantava para pagar seu consumo quando Spencer apareceu em sua frente.
— Ei, me desculpe a demora. — disse ao sentar no banco ao lado. — Eu tive um probleminha em casa. Você esperou muito?
— Não, não. — mentiu, mas Spencer a olhou duvidosa. — Um pouco. — riram — Então quer dizer que eu e você seremos colegas de faculdade, né. — Sorriu. Emily era uma mulher muito bonita. Com seus olhos e cabelos castanhos, pele bronzeada e sorriso muito longe da imperfeição, encantava a todos que conhecia. E os que não conhecia também.
— É. — sorriu de volta — Uma pena que de cursos diferentes.
— Aham.
— Quanto tempo você disse que estudava lá mesmo?
— Dois anos. — respondeu e logo em seguida chamou o garçom, ordenando um copo de whisky. — E você é caloura, certo?
— Isso. — Emily sentiu-se um pouco incomodada pelo fato de tomar "nescauzinho" enquanto Spencer tomaria algo alcoólico, de "adulto". — Dois, por favor.
Mas a Hastings percebeu que ela só pedira aquilo pois estava envergonhada.
— Er... Quer saber? Cancela os dois. Me trás o que ela está bebendo. — Spencer apontou para o copo de Emily.
— Spencer, o que-
— Que foi? Só porque tenho 20 anos e faço Direito não quer dizer que eu não goste de tomar chocolate. — Ela sorriu, fazendo Emily ficar com as bochechas rosadas.
— Você é uma figura. — riram — Mas, e aí? Por que você escolheu direito?
— Ah, é uma coisa meio hereditária. Meus pais, minha irmã... Todos são advogados. Eu vivi rodeada das mais variadas leis e casos. Vi sentenças irreversíveis serem postas a zero. Vi pessoas que poderiam ser consideradas as vítimas se tornarem os vilões. É realmente incrível o jeito que esse universo me surpreende cada vez mais. Eu acho que é isso que me faz amar o que eu faço. — Spencer mantinha um certo brilho nos olhos.
— Nossa, incrível. Parece até menos chato do jeito que você fala. — Riram e Spencer deu um tampinha no ombro de Emily.
— E você? Por que escolheu medicina? Você não parece ser do tipo que ficaria acordada quase 24 horas só pra ver sangue, ossos quebrados e vômito infantil.
— E não sou. — riram — Eu escolhi Medicina porquê quero ajudar as pessoas que sofreram do mesmo problema que eu.
— O que aconteceu com você? — Spencer perguntou preocupada.
— Eu era atleta. — suspirou — Nadadora, pra ser mais exata. — ajeitou-se no banco — E eu estava pronta pra conseguir uma bolsa em Stanford, mas aí houve algumas situações e eu acabei lesionando meu ombro direito. Eu fiquei muito abalada quando descobri que só teria chance de voltar às piscinas se eu fizesse uma cirurgia. De outra maneira, eu não teria tempo pra minha recuperação só com a fisioterapia. Então eu fiz a cirurgia, mas... — A morena mais alta desviou o olhar. Aquilo tudo ainda era muito recente e doía demais.
— Mas...
— Mas não mudou nada. O médico disse que mesmo com a cirurgia e com as várias seções de fisioterapia que eu fiz, nada disso... Nada disso adiantou. Porque meu ombro nunca mais foi o mesmo. Eu poderia nadar normalmente, mas meu desempenho não chegaria à metade do que era antes. Então eu acabei perdendo minha bolsa em Stanford.
— Nossa... Eu não sei nem o que dizer. Eu... Eu sinto muito. — Tocou a mão de Emily por cima do balcão. A mesma aceitou e segurou forte.
— Mas eu ainda mantinha notas muito boas, então consegui vir pra UNI. Quero fazer Medicina e me especializar em Medicina Desportiva. Vou me dedicar o máximo possível para que eu possa ajudar pessoas que sentirão o que eu senti.
— E você vai conseguir. —Spencer sorriu acolhedora e logo em seguida abraçou Emily.
A noite, dali em diante, seria bem mais divertida que aquele momento de memórias desagradáveis. Elas riram, comeram, embebedaram-se com chocolate e riram bem mais.
— Você tá de carro? — Perguntou Spencer.
— Não, eu moro a umas 3 quadras daqui.
— Eu te levo lá.
— Não precisa, Spencer.
— Não, eu te levo. — insistiu — Vem. Eu não tenho nada pra fazer mesmo. — Pegou a mão de Emily e a conduziu até seu carro.
Alguns minutos depois, já se encontravam em frente ao prédio da futura médica.
— É aqui. — Confirmou enquanto Spencer estacionava.
As duas desceram do carro e a morena maior acompanhou Emily até a portaria. Por algum motivo que Emily sempre se questionava, o porteiro não se encontrava lá.
— Bem... Foi muito legal hoje. — Spencer sorriu.
— Aham. Foi mesmo. — As duas ficaram se encarando e sorrindo abobadas por uns longos minutos, até que quebrassem o silêncio ao mesmo tempo.
— Quando eu te vejo de novo?
Riram.
— Bem, as aulas começam segunda-feira, então acho que daqui a dois dias nos vemos novamente.— Afirmou Spencer.
— Me dá seu telefone. — Pediu de repente.
— Er... Tá. Toma aqui. — trocaram seus números. — Até segunda?
— Até segunda. — Emily sorriu e se inclinou para abraçar Spencer, que aceitou e a apertou fortemente.
Estavam a se separar, quando Emily fixou seus olhares e decidiu que aquela vista era perfeita. Era praticamente impossível não olhar no fundo dos olhos de Spencer. Eles escondiam tantos mistérios, eram tão indecifráveis. Ela queria saber mais sobre a futura advogada.
Mal pensava, mal percebia e já estava milimetricamente próxima a boca da menor. Já podia sentir suas respirações se cruzando. Aquela sensação era incrível. Ela podia sentir o gosto do hálito de menta misturada com chocolate que Spencer tinha, mesmo sem estar de fato a beijando. Então ela entendeu que ela queria sentir de mais perto. Spencer não se sentiu assustada, mal, incrédula ou qualquer coisa do tipo. Apenas... confortável.
Fora um beijo suave, sem nenhuma malícia. Era apenas doce. A princípio era um encostar quase inexistente de seus lábios, até que as duas decidissem aprofundar o beijo ao mesmo tempo. Entreabriram as bocas e deixaram que suas línguas se caçassem lá dentro, mas nunca deixando a suavidade de lado. E, com o tempo, mãos subiam e desciam por suas costas, fazendo-as ficarem mais próximas de si.
Aquele momento parecia perfeito, até que Spencer abriu os olhos. Deus, o que ela estava fazendo? Afastou-se rapidamente e não olhou nos olhos de Emily. Ela não conseguia.
— Eu tenho que ir. — A Hastings entrou no carro e acelerou, cantando os pneus.
Emily estava em choque. Ela nunca imaginaria que aquele semestre seria tão agitado.
