Resumo: Já vimos Harry indo para outras dimensões, mas e se um outro Harry viesse para a dimensão da história original? Um Harry inteligente, experiente e amoral pode ser uma ameaça maior ao mundo mágico que o próprio Voldemort?

N.A.: Aviso, apesar de em alguns momentos o clima desta história parecer leve, ela foi escrita com uma audiência madura em mente. Serão encontradas situações sexuais (sem ser explícitas) e atitudes adultas. Essa é minha experiência com o tema dark!Harry, mas para mim não existe alguém que seja simplesmente mal por ser mal, portanto espero tentar trazer o lado sedutor de ser um sociopata.

N.A.2: Se gostar da história e estiver disposto a ser um beta por favor entre em contato!

Declaração: Tudo é da JKR. A única coisa do HP que me pertence são os 7 livros na minha prateleira.

O MESTRE ESPIÃO

Capitulo 1: O expresso de Hogwarts

- Posso sentar aqui? Todos os compartimentos estão cheios...

Harry olhou então para o garoto em pé a sua frente. O mesmo tinha sardas e cabelo ruivo. Sorrindo o garoto olhou para as próprias mãos. Mãos pequenas e pálidas, adequadas a um menino de onze anos. Rapidamente ele olha ao redor e reconhece uma cabine do expresso de Hogwarts.

Imensamente satisfeito por seu plano ter funcionado o garoto de cabelos revoltos acomodou-se melhor no assento. Só então ele lembrou-se do outro ocupante do recinto que ainda estava de pé na porta, bastante sem jeito, sem saber se entrava ou ia procurar outro lugar.

- Onde estão os meus modos? Por favor entre, pode ficar aqui sim! Desculpe-me, eu estava um pouco distraído.

O garoto ruivo entrou arrastando um malão bastante gasto e pôs-se a tentar levantá-lo até o bagageiro. Harry acompanhou o outro com os olhos, com um sorriso de orelha a orelha antes de por fim levantar-se.

- Deixe-me ajudá-lo, afinal seremos companheiros de cabine nessa maravilhosa viagem!

O garoto rapidamente procurou no corpo e, não encontrando uma varinha, usou as mãos para ajudar o outro garoto a acomodar a bagagem. Reparando nas próprias roupas, gastas e grandes demais para si franziu o rosto pensativo.

- Ah... meu nome é Ronald Weasley. Qual o seu?

De forma displicente e distraída o garoto de óculos respondeu.

- Harry Potter.

Observando a própria camisa enorme e desbotada o garoto não percebeu a reação do ruivo que arregalou os olhos antes de continuar.

- É mesmo? Você tem a... você sabe?

Com o rosto franzido e observando atentamente os tênis gastos e as calças gigantes. Harry continuou respondendo sem prestar atenção ao segundo ocupante da cabina.

- O quê?

Ronald fez uma pausa, como se reunisse coragem, e o garoto de cabelos escuros olhou então para o relógio em seu próprio pulso e analisou o quão barato o material parecia. Tendo em vista o conjunto completo de sua vestimenta ele concluiu que ele tinha origens bastante humildes e, óbviamente, tudo que ele tinha era trouxa.

- A cicatriz? A cicatriz famosa? Você tem? Posso ver ela?

Minimamente interessado no que o outro estava falando, e muito mais interessado em suas próprias vestes o garoto voltou-se para o bagageiro e observou o malão ali colocado. Um malão regular, sem nada especial, porém novo e de boa qualidade. Ao lado dele uma gaiola com uma coruja branca muito bonita. Aparentemente isso era seu, pois não havia mais nada por ali e a única outra bagagem era o malão do outro menino que ele havia ajudado a acomodar.

- Hein, posso ver?

Ron estava ficando bastante incomodado. Harry Potter estava na mesma cabina que ele, mas o mesmo estava agindo de forma bastante estranha e praticamente o ignorava. Será que ele não queria ser amigo dele?

- Ver o que Ronald? Do que você está falando?

Harry neste momento havia removido o malão do suporte e o colocara sobre o banco. A coruja tinha acordado e piava irritada dentro da gaiola. Enquanto ele abria o malão o ruivo continuou falando.

- A cicatriz que de onde o feitiço foi refletido! O feitiço de você-sabe-quem!

Interrompendo sua inspeção momentaneamente, Harry voltou-se para o seu, agora incômodo, colega de cabina.

- Eu não faço a menor idéia do que você está falando. E eu com certeza não sei de quem você está falando.

Dentro do malão Harry encontrou um conjunto inteiro de uniforme para Hogwarts, tudo novo e supostamente do tamanho correto, um conjunto de livros novinho, caldeirão e ingredientes para poções, telescópio e demais materiais escolares e uma pequena caixinha que, ao abrir, mostrou conter a sua varinha. Destoando disso ele viu um bom número de roupas de trouxa, todas num estado similar ou pior do que as que ele estava vestindo. Notando um saco de moedas ao lado de comida de coruja o garoto o pegou para inspecionar o conteúdo.

- De você horas! Do feitiço que refletiu de volta para você-sabe-quem! O feitiço que destruiu você-sabe-quem no dia das bruxas a tantos anos atrás! – Um pouco irritado com a atitude do garoto de cabelos negros e apontando o dedo enfáticamente para a testa do mesmo quando o outro se voltou para ele o ruivo continuou. – Essa cicatriz na sua testa!

Harry por fim prestou atenção ao garoto ruivo, ainda com o saco de dinheiro em uma mão ele levantou a outra mão até a testa e sentiu a cicatriz com a ponta dos dedos.

- Okay, eu tenho uma cicatriz na testa. O que tem ela?

Após sentar-se ao lado do malão o garoto removeu a sua varinha da caixa e apontou-a para o saco de moedas soltando um feitiço sem pronunciar as palavras. Arregalando as sombrancelhas o menino pôs-se a refletir sobre o resultado da busca em seus pertences. Ele tinha roupas de trouxa em péssimo estado, uniformes e equipamentos escolares novinhos e um número bastante expressivo de moedas para gastar na escola que não tinha loja nenhuma.

Os itens encontrados em mercados de bruxos eram inúmeras vezes mais caros do que o equivalente trouxa. Duas ou três das moedas de ouro guardadas em seu pequeno moedeiro poderiam comprar um guarda-roupa inteiro trouxa. A não ser que a cotação do ouro fosse muito diferente do que ele estava acostumado. Mesmo assim, roupas são um artigo razoavelmente barato no mercado bruxo, metade do conteúdo do moedeiro poderia adquirir um bom número de roupas casuais, o suficiente para poder descartar os andrajos que ele estava vestindo e os similares na sua bagagem. Enquanto ele ponderava essas questões, Ronald Weasley continuava falando.

- O que tem ela? O QUE TEM ELA? VOCÊ NÃO SABE? Essa sua cicatriz é famosa! Ela é a marca do local onde o feitiço de você-sabe-quem refletiu! Você vai me dizer que não sabe disso? VOCÊ não sabe disso?

Harry olhou para o menino a sua frente. Ele gostava de crianças. Brincar com seus netos sempre foi uma de suas atividades favoritas quando estava de folga. O jeito espontâneo delas e a forma como encaravam as coisas faziam parte do encanto da infância. O fato dele agora também ser uma criança era irrelevante. Porém, mesmo para um garoto de onze anos, Ronald Weasley não estava fazendo muito sentido. Harry obviamente desconhecia fatos importantes de sua história que seu pequeno companheiro estava ciente. Fatos esses que ele precisava descobrir para realizar sua transição para sua nova vida de forma mais tranqüila possível.

Apontando a varinha para um surpreso Ron, Harry lançou mais um feitiço não-verbal. Um feixe de prata atingiu o ruivo antes que ele pudesse esboçar qualquer reação.

Um fluxo de memórias saiu de um garoto e encaminhou-se para o outro. Histórias infantis, Você-sabe-quem e um feitiço da morte refletido? Harry Potter, o menino-que-sobreviveu.

Intrigado Harry aprofundou-se na mente do seu companheiro de viagem. Detalhes, pensamentos complexos, lembranças de conversas sobre o assunto. Mais um punhado de informações sobre a última guerra dos bruxos. E, principalmente, você-sabe-quem. O nome Voldemort, o senhor das trevas. E Dumbledore. Dumbledore estava vivo e aparentemente aí estava a grande diferença.

Impressionado como um homem podia fazer tamanha diferença, Harry soltou outro feitiço sobre Ron. Imediatamente as memórias do garoto foram alteradas, ele esqueceu os feitiços lançados e o comportamento anormal do colega.

- Claro Ron. Posso te chamar de Ron?

E com isso Harry levantou o cabelo mostrando a famosa cicatriz para um estático Ronald Weasley. Não tão secretamente o menino ruivo alimentava a esperança de que ele talvez fosse se tornar amigo do famoso Harry Potter.


Em sua cabeça Harry Potter recapitulava tudo que ele sabia até agora. De acordo com as informações que ele adquirira de Ronald Weasley, quando ele tinha apenas um ano de idade Voldemort, o lorde das trevas, vulgarmente conhecido como você-sabe-quem e aquele-que-não-deve-ser-nomeado, veio pessoalmente a sua casa para matá-lo. A teoria mais aceita era de que de alguma forma ele refletiu um feitiço da morte, por mais improvável que isso parecesse, e no processo seus pais morreram.

Apesar do volume de interesse do ruivo pelo assunto ser bastante grande, tudo podia ser resumido a essa informação. Com base nessa "vitória" os oportunistas de plantão criaram todo um universo de histórias fictícias e conjecturas sobre um cenário não completamente explicado ou claro. Ron era uma espécie de fã da lenda de Harry Potter, então era presumível que ele estivesse inteirado sobre os aspectos públicos da vida pessoal do ídolo. O que não era muito.

O público em geral, baseado nas memórias de Ron, não sabia onde Harry passara a sua infância. Muita especulação e nenhum fato, típico da imprensa mágica do Reino Unido. Essa ignorância vinha com um preço, pois, onde quer que tenha ficado, Harry passara privações. Calos nas mãos indicavam trabalhos manuais constantes e as roupas indicavam provavelmente algo vindo de uma caixa de doações para a caridade. A idéia original seria um orfanato, mas orfanatos não forçam as crianças sob seus cuidados a trabalhos manuais e usualmente tem verbas para a compra de roupas novas para os mesmos. Doações de roupas usadas são comuns, mas muito pouca gente doa roupas de qualidade tão baixa quanto as que ele tinha disponível.

Conjecturando ainda mais, Harry chegou à suposição que ele estava provavelmente sob a tutela de uma pessoa, ou pessoas, humilde e não sem uma dose de orgulho, pois seu guardião misterioso não aceita caridade. O seu guardião era alguém trouxa e provavelmente sem contato com o mundo mágico e o seu patrimônio estava sob o controle de alguém que não tinha contato com ele, provavelmente goblins.

Goblins eram provavelmente os mais prováveis devido à degradação da "marca" Harry Potter. Qualquer administrador humano ficaria receoso a "liberar" o nome Harry Potter para a quantidade enorme de produtos que hoje aparentemente infestavam o mercado mágico. Os goblins provavelmente achavam um ótimo negócio autorizar a utilização do nome de seu cliente em troca de uma participação nos lucros de qualquer coisa. Para um goblin, o nome por si só não tem valor então, se humanos idiotas querem pagar, qual o problema de receber? Isso explica também como esse ouro não foi parar na mão dos seus guardiões. Para um goblin um trouxa vale ainda menos que um bruxo e eles ignorariam completamente a conexão trouxa e ficariam felizes em empilhar as moedas conseguidas via os acertos em um cofre em Gringots, óbviamente removendo sua parte por sua valiosíssima contribuição.

A explicação era plausível e razoável, mas requereria futuramente uma investigação mais adequada. Estabelecer como os seus anos anteriores a Hogwarts foram passados era importante, mas não tanto quanto a sua situação atual na sociedade bruxa. Diferente do que ele esperava, os bruxos o consideravam uma celebridade. Celebridades são vítimas de um escrutínio constante e isso obrigá-lo-ia a manter-se sempre policiado sobre seu comportamento, afinal as pessoas esperavam uma criança de onze anos.

Outro fator era o inexplicável evento em que um feitiço da morte foi refletido. O que aconteceu de verdade é uma informação valiosíssima e ele precisava descobri-la assim que tivesse os meios. Novamente precisaria dissimular seu comportamento enquanto providenciava esses meios.

Tudo isso e muito mais foi esmiuçado na mente do garoto enquanto ele brincava com Ron. Para Harry era natural, brincar com uma criança e traçar suas atividades mentalmente. Ele fizera isso com seus filho, fizera o mesmo com seus netos e até com seus bisnetos. Recentemente ele brincara com um de seus tataranetos, mas não era a mesma coisa, infelizmente ele tinha tantos descendentes que a dificuldade de lembrar quem era quem atrapalhava enormemente seu raciocínio.

Ron, por sua vez, estava muito feliz com o seu novo amigo. Harry Potter era imensamente divertido, conhecia as melhores brincadeiras, as melhores piadas, sabia escolher os melhores doces a venda no carrinho de doces, e não se incomodava em pagar por eles! Além de não se incomodar em dividi-los, ele ainda parecia adivinhar quais eram os seus favoritos! Harry aparentemente não trouxera um único brinquedo com ele para Hogwarts, mas estava tudo bem, os brinquedos velhos de Ron ganhavam quase que por mágica um novo interesse quando o garoto de óculos remendados inventava vozes e situações divertidíssimas! Várias folhas de pergaminhos foram dobradas formando os mais diversos animais e com tinta e pena tudo ainda ganhava incríveis cenários de fundo desenhados!

As peças de xadrez de Ron estavam espalhadas pelo chão desempenhando tarefas bem diferentes do que estavam acostumadas. A maioria das peças estava contente com a variedade e com o fato de que daquela vez não seriam despedaçados, o rei, contudo, estava profundamente insatisfeito e ofendido com indignidade e protestava inutilmente com os garotos. Quanto mais frustrado o monarca ficava, mais os garotos riam!

O ruivo estava se divertindo tanto que mal percebeu quando a porta da cabina se abriu e três garotos entraram como se fossem os donos do lugar.

- Me disseram que Harry Potter estava por aqui, é um de vocês?

O menino mencionado levantou-se de imediato e virou-se com um enorme sorriso, para os três recém-chegado.

- Este seria eu! Eu sou Harry Potter, quem são vocês?

Surpreso com a jovialidade do outro garoto, com o movimento brusco e de modo geral com a bagunça da cabina os três meninos ficaram momentaneamente paralisados. O primeiro a se manifestar foi o mais baixo deles, um garoto louro de cabelos escorridos.

- Eu sou Draco Malfoy e esses são Vincent Crabble e Gregory Goyle.

O louro estendeu a mão, conforme mandava a etiqueta, mas começou a retirá-la quando viu o outro ocupante da cabine rir em desdém. Antes porém que ele pudesse comentar qualquer coisa Harry agarrou sua mão e chacoalhou-a para cima e para baixo com bastante vigor.

- Prazer! Prazer! E prazer para vocês também Vincent e Gregory! Venham, venham, o rei do fabuloso reino da Estapafúrdia acabou de chegar, montado em seu porco real e vai fazer um pronunciamento!

Harry Potter novamente se abaixou sobre os brinquedos e com o dedo empurrou o porco de papel para a frente, sobre ele equilibrado precariamente encontrava-se o rei das peças de xadrez.

- Isso é uma indignidade! Eu sou uma peça de xadrez, não um brinquedo para crianças! Eu comando as outras peças, sou a peça mais importante! O mínimo que você podia fazer é me dar era um cavalo!

Os três garotos recém-chegados arregalaram os olhos para a peças espalhadas e para os dois meninos no chão. Prestando mais atenção a bagunça não era tão aleatória assim, as demais peças e os animais de papel realmente pareciam estar reunidos esperando o rei chegar. Os olhos de Goyle brilharam, Crabble sorriu e Malfoy estava em conflito entre reclamar com o garoto ruivo e ver o que ia acontecer. Ron também estava dividido, ele queria que os garotos fossem embora e os deixassem em paz, mas também queria muito ver o que Harry ia inventar dessa vez.

Segurando uma garça de papel entre os dedos o garoto de óculos começou a falar com uma vozinha fina e afetada.

- Minha nossa mas que rei mais chato! Será que a não podemos escolher outro rei? Este rei provavelmente está com defeito, eu não agüento ficar perto dele nem mais um segundo!

Um bispo se apoiou no ombro de um cavaleiro para evitar cair enquanto gargalhava, diversas outras peças, já no clima da brincadeira balançavam a cabeça afirmativamente concordando com a garça de papel. Uma torre fez uma careta e concordou em voz alta com a garça.

- É verdade, é verdade.

Com a oura mão Harry empurrou o porco e após de dar uma roncada continuou com uma voz grossa.

- Vocês não sabem nem a metade! Eu sou a montaria dele e sei do que estou falando. Eu também sou um porco e entendo muito de cheiros. Posso afirmar, com conhecimento, que o cheiro do rei é insuportável!

Novas roncadas, Ron e os garotos riram muito da idéia do porco reclamando do cheiro do Rei. Os berros indignados do rei foram abafados pelo som dos garotos se divertindo. Gregory sentou-se ao lado de Harry completamente fascinado por esse jeito novo de brincar.

- Já sei! – Fala Harry com uma vozinha bem fina, como a de uma menina muito pequena, enquanto pega uma flor de papel. – Vamos fazer uma revolução! Abaixo a monarquia! Vamos criar uma democracia!

Muitas peças ficaram um pouco incomodadas com a idéia, o mesmo bispo de antes pulou e gritou o seu apoio e vários peões também se manifestaram positivamente, a própria rainha disse que a mudança seria bem vinda!

Ron então se adiantou e pegou um cavaleiro, secretamente sua peça favorita, e falou numa voz um pouco mais grave que o normal e bastante pomposa.

- Sim! Uma revolução. – E balançou o cavaleiro como se fosse ele que estivesse falando. – Abaixo ao tirano fedorento! Vamos eleger o nosso próprio representante!

Surpreso Goyle olhou para Ronald com outros olhos. Será que ele também podia participar? Timidamente ele pegou uma torre com a mão e adiantou-a para o meio do círculo. Harry sorriu para ele, encorajando-o, e o garoto grandalhão falou um tanto inseguro.

- Eu me candidato a presidente!

Harry, usando a voz fina que ele havia atribuído a garça de papel, apoiou a candidatura da torre para o novo presidente. Ron imediatamente começou a fazer a voz de seu cavaleiro e explicou para os demais porque ele deveria ser eleito. Vincent sentou-se com os outros dois e Draco fechou a porta da cabina antes de juntar-se aos demais.

As instruções do seu pai tinham sido para conseguir a confiança de Harry Potter, infiltrar-se no seu circulo de amizades e trazê-lo para o seu lado. E era isso que ele estava fazendo, não era? O fato da brincadeira parecer divertidíssima não influenciava em nada sua atitude, ela ainda estava fazendo o que o pai pedira. Ser amigo do menino-que-sobreviveu aparentemente não seria nenhuma tortura, provavelmente muito mais divertido do que ele pensara. Com isso em mente ele estendeu a mão para um animal de papel.


Cinco garotos faziam uma algazarra enorme dentro da cabine. Um prefeito tentou impor ordem e limitar o ruído, mas foi recebido com uma gritaria generalizada e cinco línguas sendo mostradas. O prefeito até tentou impor sua autoridade, mas diferentemente dos outros alunos de primeiro ano, esses não pareciam ligar para suas ameaças vazias. Pelo menos um deles não ligava e os outros o seguiam.

Harry Potter sabia que os prefeitos eram puro latido e nenhum dente. O que eles podiam fazer de verdade? Risadas não eram proibidas e a algazarra estava contida dentro da cabine. Muitas pessoas olhavam para o grupo de garotos com curiosidade, conseqüentemente os próprios prefeitos precisavam andar na linha. Muitas outras crianças pareciam querer entrar com eles e participar da brincadeira, mas o espaço já era bastante limitado como estava.

Uma vez que o prefeito desistiu e a porta foi fechada os garotos voltaram para seus afazeres. As peças e os bichos de papel deram lugar a um baralho de cartas e os jogos "incrementados" por Harry iam fazendo muito sucesso.

Foi no meio de uma gritaria em que quatro garotos incentivavam um quinto a fazer alguma tolice que a porta se abriu novamente. Incomodados pela interrupção, mas num humor muito bom para ficar de fato irritados, o grupo voltou-se para a intrusa.

A garota de cabelos e olhos castanhos viu-se subitamente sendo encarada por cinco garotos e hesitou. Ela possuía dentes da frente proeminentes e cabelos crespos bem compactos e parecia estar determinada antes de "dar de cara" com o grupo de meninos. Recuperando-se ela falou.

- Vocês viram um sapo por aqui? Neville perdeu o dele e estamos procurando...

Antes que pudesse continuar Draco se atravessou.

- Um sapo? Quem traz um sapo para Hogwarts hoje em dia? Se fosse eu preferia que ele continuasse perdido!

Os demais garotos concordaram com Draco, Vincente e Gregory visívelmente e Ron em silêncio. A garota ficou visivelmente agitada e parecia pronta a iniciar uma tirada contra o garoto louro. Harry resolveu intervir.

- Me desculpe, mas qual o seu nome?

O tom polido e as palavras educadas interromperam a tirada da garota e ela viu-se obrigada, graças a sua própria educação, a responder ao garoto de cabelos revoltos.

- Meu nome é Hermione Granger.

Demonstrando toda a sensibilidade e educação de um garoto de onze anos mimado, Draco falou:

- Granger? Eu não conheço nenhum Granger. Ela deve ser uma sangue-ruim...

Crabble e Goyle não demonstraram nenhuma surpresa, Ronald por sua vez virou-se boquiaberto para Draco e pareceu acordar para o fato que ele estivera brincando durante todo esse tempo com um Malfoy. Harry por sua vez ficou muito mais interessado que antes nessa Hermione Granger, mas não disse nada.

- Sangue-ruim? SANGUE-RUIM? Por que você não fecha a sua boca antes de falar besteira seu grande idiota? Só podia ser filho de um comensal da morte e...

Ron provavelmente continuaria daí para pior, mas Draco também começou a gritar em resposta e o barulho cresceu tanto que ficou muito difícil distinguir o que era dito. Harry observava Hermione, que parecia mais confusa do que ofendida, e poderia ter continuado sua quieta contemplação caso os dois garotos não parecessem que iam trocar socos.

- Parem! – Harry falou num tom de voz autoritário. Os dois garotos não escutaram e começaram a se empurrar. O menino de olhos verdes então aumentou o volume e deixou a voz um pouco mais grave. - EU DISSE PAREM!

E eles pararam. Por um momento ambos não ficariam surpresos se no lugar de Harry houvesse um adulto austero pronto para puni-los, mas era apenas o garoto com que vinham brincando por boa parte da viagem. A postura e expressão, contudo, não era a de uma criança. O olhar reprovador não tinha o mesmo efeito de um adulto, mas chegava bastante perto e ambos sentiram-se um pouco envergonhados sem entender exatamente pelo que.

- Perdoe-nos por favor. Draco não tem contato com os nascido trouxa, passou muito tempo exposto a idéias que não compreende totalmente e por fim disse algo pouco educado num horário inoportuno. Ron por sua adiantou-se em defender aquilo que ele foi educado para acreditar, mas infelizmente o fez sem pensar e de forma inadequada.

Ambos os mencionados sentiram-se ao mesmo tempo envergonhados e ofendidos, sem saber exatamente como agir. Harry ignorou-os e continuou encarando a nascida trouxa a sua frente.

- Eu estou entendendo que você está indo para Hogwarts para seu primeiro ano?

A garota, ainda confusa, respondeu hesitante.

- Sim... Meu primeiro ano, meus pais são trouxas, sou a primeira bruxa na família...

Draco parecia que ia comentar alguma coisa, Ron preparou-se para retrucar, mas Harry foi mais rápido e respondeu sem hesitar.

- Interessante... Apresentações primeiro então, este é Ronald Weasley, Draco Malfoy, Gregory Goyle e Vincent Crabble. Eu sou Harry Potter.

Finalmente reconhecendo o nome, a garota agarrou-se a oportunidade de situar-se na conversa e abandonar a confusão.

- É mesmo? Eu li tudo sobre você em livros...

Interrompendo-a com um gesto de mão e uma voz firme, Harry falou:

- Sim, os livros. Besteira a maioria deles, quanto ao sapo que você estava procurando, ele não está aqui. Somos só nós. Lamento.

Hermione quis retrucar, defender os livros, mas ela era inteligente o suficiente para reconhecer que estava sendo enxotada da cabine. Polidamente, claro, mas indubitavelmente enxotada. Ofendida com toda a situação, a garota virou-se e foi embora.

Harry sentou-se no banco e pareceu distante, isto sinalizou que a parte divertida da viagem havia acabado. Além disso o tempo já havia passado e o trem deveria chegar em Hogwarts em pouco tempo. Draco e Ron trocaram olhares desconfiados e o louro decidiu que já era hora de ir. Levando Crabble e Goyle consigo ele voltou a sua cabine.


Ron tentou engatar uma conversa com Harry, mas o mesmo continuou parecendo distraído. Ele respondia o que era perguntado, conversava estritamente o necessário, mas não parecia interessado. O garoto deu de ombros e aproveitou para descansar um pouco, apesar da presença de Draco Malfoy, a viagem tinha sido muito boa.

Para Harry o resumo da viagem era outro. Durante as brincadeiras e as conversas aparentemente inocentes ele havia extraído muita informação. Usando suas impressionantes habilidades de observação ele havia confirmado muitas das suas suposições a respeito de quem ele era neste mundo. Crabble, Goyle e especialmente Draco vinham de formações muito diferentes a de Ron e conseqüentemente deram um colorido maior ao pano de fundo ao mundo onde se encontravam sem ao menos perceber.

Com comentários inocentes e cenários propostos durante as brincadeiras o garoto de óculos inferiu que os garotos vinham de duas realidades puro-sangue distintas. O lado "claro e escuro" da cultura mágica da Grã-Bretanha. Uma ligeira sondagem passiva havia confirmado os grupos dissidentes e as idéias conflitantes, tudo sem ser percebido.

Estabelecer o panorama político de um mundo que apenas se assemelhava ao que se está familiarizado usando apenas a percepção de crianças, e sem demonstrar que está fazendo isso, pode parecer difícil para a maioria das pessoas. Para Harry Potter isto era apenas mais um dia de trabalho. Além de identificar e classificar os principais grupos da sociedade mágica, o menino de aparentes 11 anos ainda preparou-se para o verdadeiro desafio que o aguardava em Hogwarts. Pois no castelo, aguardando por ele, encontrava-se o chapéu seletor.

O chapéu seletor é um pedaço de mágica muito inteligente. Não que o chapéu seja brilhante, ou algo assim, mas a idéia na construção do mesmo esta mil anos a frente do seu tempo. Harry havia tido a oportunidade de estudar o chapéu seletor de seu mundo de origem por vários meses e ele já havia desvendado seus segredos já faziam muitos anos.

Saber o que você vai enfrentar não torna a batalha mais fácil, mas com certeza fornece armas para poder enfrentá-la mais prontamente. Não existia ninguém em seu mundo de origem que pudesse igualar o Sr. Potter no campo de magia mental, ele era absoluto nesse quesito, nem mesmo o imperador podia dizer que era mais proficiente neste campo em particular. Portanto se existia alguém que podia criar uma defesa contra um artefato que uma vez colocado voluntariamente em sua cabeça pode ler todos os seus pensamentos e memórias, esse alguém era Harry Potter.

Durante a viagem Harry havia criado essa defesa. Enquanto parte da sua mente dedicava-se a inventar vozes engraçadas e fazer piadas com outros garotos e outra parte colhia informações a maioria de sua atenção estava na construção de uma mente dentro de sua mente. Usando defesas mentais poderosas ele criou uma bolha e dentro dessa bolha ele reinventou o Harry Potter deste mundo.

Infelizmente, durante sua transição para esse mundo, tudo que havia do menino original foi obliterado para dar lugar ao recém chegado. Intelectualmente poderia ser argumentado que o recém chegado matou tudo que o original era, não deixando nem memórias. Semânticas a parte, Harry Potter estava ali e não ia a lugar nenhum. Sendo assim ele começou a construir um passado para enganar o chapéu. Memórias extraídas de outras pessoas, trouxas, com que ele tivera contato, momentos de privações, pessoas sem rosto e cruéis, trabalhos repetitivos e tudo que ele pode inferir de sua vida anterior, baseado em suas poucas informações.

A parte mágica de seu legado foi deixada a parte, afinal ele aparentemente não soubera do mundo mágico antes de sua carta de Hogwarts, apesar de sua situação singular. Para completar ele adicionou o elemento chave de sua defesa contra o chapéu, tempo. O chapéu lia a mente das crianças em velocidades espantosas e podia rever uma vida inteira em poucos minutos. Com a utilização de defesas difusas Harry pretendia criar a impressão de defesas mentais naturais para o chapéu, dessa forma ele tomaria um tempo enorme para vislumbrar poucas memórias, confundindo as meticulosas defesas, com uma aptidão natural para a occlumancia.

Harry tinha certeza que o chapéu ia desistir em alguns minutos e dar seu veredito sobre qual casa ele iria muito antes de desconfiar da verdade. A alternativa seria tentar ler sua mente por um tempo superior a quatorze horas e por fim declarar que o menino-que-sobreviveu tem uma defesa mental diferente de tudo que ele já encontrou e que ele é incapaz de penetrá-la. Como ele sabia disso? Ele havia testado com o chapéu de seu mundo original.

A única coisa que havia sido uma surpresa, não totalmente imprevista mas definitivamente uma surpresa, tinha sido a visita da nascida trouxa a sua cabina. Ele havia lido sobre Albus Dumbledore e sua visão equalitarista quanto aos puros de sangue e os nascido trouxas. Mas ver uma nascido trouxa no expresso de Hogwarts era algo realmente novo para o garoto.

Muito havia mudado do local de onde viera. O que deveria ser uma existência de prazer, uma aposentadoria para uma vida inteira fazendo coisas de que se arrependera, havia subitamente se tornado outro jogo. Agora ele era o menino-que-sobreviveu e isso devia chacoalhar as coisas. Sorrindo o garoto desembarcou do trem. Será que o mundo mágico estava pronto para o mestre espião do Imperador?