Aquela desorganização estava o tirando sério. Nunca havia ligado para bagunças sobre sua mesa, mas dessa vez era diferente. Haviam contas vencidas a pagar, papéis com cifras de músicas ainda não tocadas, bilhetes com sua letra e com outras letras estranhas, e até mesmo algum bilhete de Bill indicando o que Tom deveria comprar no mercadinho da esquina. Ele revira tudo, jogando o que não lhe interessa no chão, até encontrar o que tanto procura. Uma simples foto em uma moldura de vidro negra.

Pega a cerveja esquecida em algum canto, e larga o corpo na poltrona de couro marrom ao seu lado. Vira metade do amargo liquido de uma só vez, analisando a foto. A primeira foto que tiraram ao mudar-se para o novo apartamento. Tom estava sentado sobre o sofá vermelho, ainda encapado com o plástico, e tinha Bill sobre o seu colo. Caixas de papelão marrom completavam o cenário ao redor deles, mas isso não era capaz de tirar a beleza da foto. Olhavam para a câmera, sorrindo e fazendo caretas. Tom ainda se lembra da risada gostosa que Bill soltou ao ver a foto. Ela estava marcada ali, em cada canto daquela casa, e no coração de Tom, ressoando baixinho quando o silêncio, repleto de dor, invadia o local.

As mãos trêmulas de Tom percorrem o caminho já conhecido até o seu bolso, sacando de lá um celular. Os dedos agilmente correm pelo teclado, dedilhando um número há muito conhecido. O número de Bill.

Tuuuu. Toca. E Tom cobre o outro ouvido com a palma da mão, para não escutar a música que toca no andar de cima.

Tuuuu. Ele suga o ar com dificuldade, reprimindo lágrimas que se formam atrás dos seus olhos.

Tuuuu.

"Hallo!" a voz alegre e doce de Bill adentra seus ouvidos.

Mas os segundos silenciosos que se seguem retalham seu coração como lâminas afiadas.

"Te enganei. Não posso atender agora, mas deixe o seu recado após o bip."

"Eu sei que não pode atender." Murmura, deixando cansaço, dor e tristeza escaparem no tom de sua voz "Eu só queria ouvir sua voz."

Uma última vez, pensa, mas não se deixa proferir em voz alta.

Permanece com o telefone no ouvido, esperando ouvir da linha silenciosa um simples suspiro. Mas, nada.

Ele desliga o telefone, e faz com que as pernas fracas suportem seu peso e o arraste até a janela. Lá fora o ar é frio, mas reconfortante. Ele pensa em como seria se, ao invés do vento frio, fosse o hálito quente de Bill colidindo contra o seu rosto. Isso o faz sorrir por breves segundos.

Mas, como sempre, não é o suficiente.

Tom fecha os olhos, e a única coisa que escuta é o barulho do vidro chocando-se contra o solo. Lá em baixo.

Depois disso, o ar torna-se mais denso, o vento mais forte, e a gravidade parece não mais existir.

Durante os poucos segundos que lhe restam, ele aperta uma única tecla no aparelho que segura firmemente em mãos.

Tuuuu. Toca. Tuuuu. Toca. E toca.

"Hallo!"

Porque aquela doce voz leve e divertida é a única lembrança que ele quer ter antes de partir.