Maçã do Amor
Capítulo primeiro
Chegou cansado ao imenso e luxuoso casarão. Havia tido um dia cheio. Seu pai não o deixava descansar, nem mesmo quando se aproximava o período das festas da colheita. Sentia que as forças estavam esgotadas, mas sabia que sequer teria tempo para se recompor. Seu pai tinha sido bem claro. Às sete, em ponto, precisava estar pronto para o jantar em comemoração de seu décimo oitavo aniversário. Suspirou; não sentia qualquer vontade de comemorar. Não quando sua vida não parecia sua, não quando parecia não ter qualquer controle sobre sua própria existência. Dezoito anos... essa era a idade com que, segundo seu pai, iria se transformar definitivamente em um homem. A idade com que passaria a ter as responsabilidades de uma pessoa adulta. Riu amargo. E, por acaso, até então... já havia passado por algum momento em sua vida no qual não tivera alguma responsabilidade? No qual não sentira que fazia bem mais que os outros rapazes de sua idade?
Dirigiu-se até a cozinha da casa. Passou a mão pelos seus belíssimos e sedosos cabelos dourados, em um gesto cansado, mas elegante. Hyoga era sempre elegante, mesmo na menor de suas atitudes. Havia sido criado para ser assim. Sentou-se diante da mesa de madeira e via como os criados andavam apressadamente de um lado para o outro. Nenhum deles falava consigo; Camus era muito rigoroso quanto a isso. O homem de feições frias e rígidas sempre deixara claro que a criadagem deveria conhecer seu lugar. Não podiam falar com Hyoga. Não deveriam se aproximar ou tentar criar qualquer tipo de laço com o jovem loiro.
Camus era muito diferente de Natássia. Sua mãe sempre fora uma pessoa calorosa, apesar de vir de uma família rica e tradicional, assim como a de Camus. O casamento de ambos fora arranjado, desde quando eram apenas crianças. A amizade que sempre mantiveram transformou-se em casamento quando os dois possuíam apenas dezoito anos. Duas famílias importantes que se uniram, como deveria ser.
Estiveram casados por sete anos e, à vista de todas as pessoas que os conheciam, pareciam um casal pleno de felicidades. E, um ano após terem se casado, Hyoga nasceu. O filho pareceu trazer ainda mais alegria para o jovem casal, tornando aquela família ainda mais feliz. Uma família perfeita.
Contudo, Hyoga , por mais que tivesse excelentes recordações desse período em que certamente fora muito feliz, lembrava-se de que as coisas não foram sempre perfeitas, como todos pensavam. Às vezes, seus pais brigavam. Lembrava de vê-los discutindo. Nunca o faziam na frente dos criados, mas, por vezes, o menino presenciara, às escondidas, essas discussões. Nunca entendera bem o que se passava, era muito novo. Mas em sua mente ficara marcado o quanto seus pais se entristeciam após essas brigas, que sempre terminavam com Camus deixando o quarto do casal um tanto nervoso, enquanto Natássia chorava de forma desconsolada. Era nessas horas que finalmente saía do esconderijo de onde acompanhava a conversa exaltada que os pais tinham e caminhava lentamente até a cama do casal, onde a bela mulher derramava tantas lágrimas dolorosas. Hyoga então subia na cama, abraçava a mãe e terminava adormecido junto a ela, como se sua presença pudesse ajudá-la a sentir-se melhor. E, no final das contas, era o que parecia ocorrer.
Nunca soube para onde o pai ia depois dessas brigas. E nunca procurou saber, mesmo depois de crescer e entender um pouco melhor o que acontecia naquela época. Aliás, nunca sentira raiva do pai. Aquelas brigas o deixavam triste, mas mesmo sendo novo demais, de alguma forma, sempre soube que não havia culpados naquela situação. Camus também ficava arrasado depois dessas brigas e sempre quando voltava, sabe-se lá de onde, no dia seguinte, vinha com uma expressão culpada e era extremamente carinhoso tanto com Natássia quanto com seu filho. E sempre que Camus retornava, Hyoga sabia, mesmo com a pouca idade que possuía, que as próximas semanas seriam boas. E suas vidas pareceriam novamente perfeitas, até o momento em que os pais tivessem outra briga como aquela; o que, cedo ou tarde, sempre acontecia.
Mesmo assim, Natássia nunca se deixara abater demais por essa que parecia ser a única tristeza de sua vida. O jovem loiro só se lembrava de vê-la triste nesses momentos, porque em todos os outros, ela era a personificação da alegria. Natássia era sorridente e carinhosa, muito querida por todos que tinham a felicidade de conhecê-la. Apesar do modo severo com que Camus tratava os criados da casa, a bela mulher fazia-se de desentendida e sempre conversava com os empregados como velhos amigos. Sabia o nome de todos, sabia de suas famílias e, sempre que podia, visitava-os em suas humildes cabanas. Natássia, mesmo vindo de uma família nobre, nunca se deixou limitar pelas diferenças de classes sociais. Era afável com todos, e jamais julgaria alguém apenas considerando sua condição financeira. Isso a fazia ser constantemente mal-falada pela alta sociedade, o que incomodava bastante a Camus; mas, por algum motivo, ele nunca a repreendeu por agir assim. Isso a fazia feliz e era como se o frio Camus de Verseau acreditasse dever isso à esposa.
Entretanto, sobreveio a febre. Muito rápido, várias pessoas da vila adoeceram e não foram capazes de vencer a moléstia. Uma a uma, as pessoas iam falecendo e o número de mortes ia aumentando em uma velocidade muito alta. Quando os criados da casa começaram a demonstrar os sintomas da febre, Camus tratou de rapidamente dispensá-los, temeroso de que Hyoga, que na época contava seis anos, adoecesse ao ficar em contato com eles.
Contudo, Natássia não pôde simplesmente abandonar a aqueles a quem ela chamava de amigos. Escondida do marido, foi visitá-los em suas cabanas levando remédios, alimentos e sua amizade. A boa mulher fez o que julgava correto, mas quis o destino que ela pagasse por isso. Logo, era Natássia quem começava a apresentar os sintomas da doença.
Foi tudo muito rápido a partir daí. A mãe de Hyoga logo caiu de cama, tão devastadora foi a doença com ela. Tinha muitos delírios por causa da febre e chamava constantemente por Hyoga. Porém, Camus não permitiu que o filho se aproximasse da mãe nesse estado. Tinha medo de que o filho adoecesse também e, além disso, não queria que o menino visse a mãe daquela forma. O homem, no entanto, era sempre visto perto do leito dela. Camus era conhecido por sua força e excelente saúde e, enquanto pudesse, estaria ao lado da esposa.
Na noite em que Natássia faleceu, chovia muito. Era uma tempestade forte, mas nem as estrondosas trovoadas conseguiram abafar os gritos de dor e as palavras cheias de raiva que Camus proferiu madrugada adentro.
Hyoga só pôde rever a mãe em seu velório. Quis muito chorar, mas ao ver como seu pai estava sério e parecia não demonstrar dor alguma, decidiu que não choraria também. Amava demais o pai e apesar de ter plena certeza de que o sentimento era recíproco, Camus não demonstrava seus sentimentos da forma efusiva como Natássia o fazia. E agora que a mãe os deixava, e ficavam apenas os dois, sentiu que precisava se unir mais ao pai. Sentia que precisava do pai assim como o pai precisava dele. Então, ao seu modo, Hyoga tentou se aproximar mais daquele homem que, depois da fatídica noite chuvosa, marcada por tanta dor e angústia, pareceu ficar ainda mais frio diante da vida. Assim, a forma que o menino encontrou para se aproximar foi tentando agir como ele. Por algum motivo, achava que se ficasse mais parecido ao pai, estariam mais próximos. Afinal, sempre ouvira de todos que era muito parecido com a mãe. Não apenas fisicamente, mas pelo modo de ser e agir. Agora então era hora de ficar como o pai, a fim de se unir mais a ele. Por isso, vendo como aquele homem se comportava durante o velório da esposa, passou a imitá-lo. Não chorou naquele dia, e essa foi uma das coisas mais difíceis que fizera em sua vida. Mas estava determinado a ser como Camus. Era o que achava que tinha de fazer.
O que começou como uma forma de se aproximar do pai terminou por se transformar em um modo de vida. Camus foi percebendo como o filho o imitava; os gestos, o modo de falar, de olhar, de ser. E isso agradou ao homem que passara a ser visto como o dono de um coração de gelo, pois desde a morte da esposa, era raro vê-lo sorrindo ou feliz. Em verdade, também não parecia infeliz. Simplesmente não demonstrava quaisquer emoções, o que não passou despercebido do menino que, vendo como pai lhe sorria quando ele o imitava diante das outras pessoas, sentiu-se encorajado a continuar porque, pelo visto, era a única pessoa que conseguia arrancar um sorriso dele. Estava mesmo criando um laço mais forte com o pai. E pensava que a mãe ficaria feliz com isso.
No entanto, não imaginava aonde isso o levaria. Havia criado uma armadilha para si mesmo. Conseguira criar uma ligação realmente mais forte com o pai, mas a que preço... Havia se transformado na sombra dele. Era exatamente como ele, tinha ficado como ele, pois isso o deixava feliz. Sabia disso, via o orgulho nos olhos de Camus quando agia de acordo com o esperado: Frio, centrado, sério, impassível. Mesmo não se sentindo à vontade sendo assim. E, como se não bastasse ter se transformado em uma cópia de Camus quanto ao modo de ser, seu pai pareceu determinado a fazer com que o filho também fosse como ele em relação aos negócios da família.
Depois que Natássia falecera, Camus decidiu empreender novos negócios. Até então, sua família sempre vivera das relações estabelecidas com a família real. A família Kido era muito generosa com os que a auxiliavam e, por gerações, a família Verseau estivera a serviço da família real. O pai de Camus fora um dos mais importantes generais do exército real. Camus recebera inclusive treinamento militar para seguir os passos do pai e do avô, mas nunca foi necessário que fosse para a guerra. O reino passava por um longo e agradável período de paz. Por isso, Camus decidiu que era um bom momento para tentar viver por conta própria. Era extremamente agradecido à família Kido por tudo, mas não gostava de depender de outros e sentia que não fazia nada de realmente útil, uma vez que a preparação militar recebida não estava sendo devidamente usada. Portanto, agora que precisava, mais que nunca, ocupar a mente, começou um lucrativo negócio em suas terras. A família Verseau possuía muitas terras ociosas que Camus veio a descobrir serem bastante férteis. E muito indicadas para a plantação de maçãs. Foi assim que a família Verseau transformou-se na maior produtora de maçãs daquele reino. O negócio começou, pode-se dizer, como um passatempo. Camus não precisava de dinheiro, pois mesmo sem a ajuda financeira da família real, os Verseau possuíam suas próprias riquezas, que eram muitas. De qualquer forma, o negócio tornou-se promissor. As maçãs versianas, como passaram a ser conhecidas, eram as melhores do reino e em muitas léguas pelos arredores da região, não se podia encontrar maçã que estivesse à altura delas.
Como essa empresa cresceu mais que o esperado, Camus passou a ser um importante homem de negócios. O intenso comércio de maçãs começou a trazer benefícios ao reino e, compreendendo que esse era seu legado mais importante, Camus logo tratou de encaminhar seu filho na administração desse negócio. Afinal, Hyoga um dia herdaria tudo aquilo.
Dessa forma, Hyoga recebeu uma educação refinada e elegante como nobre representante da família Verseau que ele era; recebeu também a preparação militar que há gerações era a marca dessa família e foi também iniciado nos negócios de seu pai. Dessa maneira, não sobrava muito tempo para que Hyoga fizesse qualquer outra coisa que não fosse preparar-se para ser o próximo herdeiro de tudo o que a família Verseau representava. E esse era um difícil fardo a se carregar. Especialmente quando se é tão solitário.
Hyoga havia se tornado exatamente o que seu pai queria que ele fosse. Mas o que desejava não foi alcançado. Possuía, de fato, um laço muito forte com Camus. Entretanto, a relação de pai e filho nunca foi como a que mantivera com sua mãe. E por mais que o rapaz loiro agisse como Camus, frio diante da vida, seu coração não era gélido como o dele. Hyoga sofria por ter de ser quem não era, em não poder demonstrar que sentia falta de afeto, de calor humano. E não podia mostrar isso porque sabia quão decepcionado Camus ficaria se o visse assim. Dessa forma, o jovem rapaz guardava esses sentimentos apenas para si. Era uma pessoa isolada, como o pai queria que fosse. Não lhe era permitido conversar com os criados de forma alguma, nem com as pessoas da vila. Tinha de se manter afastado dessas pessoas, quase como se fosse feito de cristal e pudesse se quebrar. Camus agia assim porque temia que a história de Natássia se repetisse com Hyoga. O maior medo de Camus era perder seu filho. E, por conta desse receio, superprotegia o rapaz sem perceber que, com essas atitudes, acabava por sufocar o jovem.
Assim, o loiro chegava aos seus dezoito anos sentindo que não havia vivido nada de sua vida. Não saberia dizer quem era ou o que queria da vida, porque não acreditava que tivesse o direito de querer ou ser algo diferente do que seu pai lhe impunha. Portanto, apenas seguia o caminho já definido para si.
Estava sentado à mesa da cozinha, diante de uma fruteira repleta de maçãs. Era o período da colheita. Havia muitas maçãs versianas ali. Pegou uma e começou a comer, enquanto via como os criados se apressavam para terminar o jantar de comemoração que aconteceria à noite. Se Camus o visse ali, certamente o repreenderia na mesma hora. Não podia ficar nos ambientes em que a criadagem circulava mais intensamente. Porém, buscava algum refúgio naquele momento e sabia que na cozinha seu pai não apareceria, a não ser que desse por sua falta e lhe fosse buscar pelo casarão. Mas antes que isso ocorresse, já teria seguido para seu quarto. Não ficaria muito ali. Apenas o suficiente para respirar um pouco. Às vezes, fazia isso. Fugia momentaneamente, respirava e então regressava à sua vida que, em verdade, não lhe pertencia.
Suspirou e deu mais uma mordida distraída na maçã, que comia sem fome. Olhava para a parede do local, que era bem mais rústico que o resto da casa. Gostava dali e talvez fosse justamente pelo fato de não ser elegante como todos os outros ambientes daquele que deveria ser o seu lar. Sorriu de leve. Aquele lugar já fora seu lar uma vez. Quando sua mãe ainda era viva. Mas hoje... aquele local lhe parecia tão diferente e distante do que um dia foi... Definitivamente, não era um lugar em que se sentia à vontade. Costumava estar sempre tenso. Sempre alerta para quando Camus aparecesse. Porque, sempre que o pai surgia para lhe falar algo, tinha de incorporar aquele personagem.E fazer isso constantemente o deixava cada vez mais desconfortável. Mas evitava pensar nisso. Tentava enganar a si mesmo ao fingir que levava uma vida que não era uma farsa.
- Boa tarde, Hyoga. Seu pai sabe que está aqui? – perguntou o homem que acabava de entrar na cozinha, surpreendendo o rapaz que estava perdido em seus pensamentos. O loiro rapidamente tratou de disfarçar e se recompor, enquanto o homem se sentava ao seu lado, pegando também uma maçã na fruteira.
- Boa tarde, Milo. – sorriu o rapaz, polidamente, já no pleno controle de suas emoções – Não; e ele não precisa saber. Está cuidando dos preparativos para o jantar de hoje e eu pretendo ir para o meu quarto antes que ele comece a perguntar onde estou. – respondeu com sinceridade.
Milo era o único empregado da grande casa com quem tinha permissão de falar. Era o homem de confiança de seu pai. Era ele quem intermediava as relações de Camus com os empregados, quem repassava suas ordens, quem dialogava diretamente com os homens que trabalhavam na casa dos Verseau. Aliás, Milo já fazia seu trabalho com relativa liberdade, por saber exatamente o que Camus queria e como queria. Isso porque trabalhava naquela casa há muitos anos, desde quando Natássia ainda era viva. Por esse motivo, não só tinha a total confiança de Camus, como também era muito querido por Hyoga. O jovem criara um carinho especial por Milo, quase como se fosse um segundo pai. Esse fato era devido a Milo ser bem mais acessível que Camus, por ter um jeito extrovertido, saber conversar e levar os outros a se sentirem confortáveis o bastante para falarem. Conseguia criar um ambiente agradável e, muitas vezes, na presença dele, Hyoga conseguia descobrir um pouco mais sobre si mesmo, porque Milo, de seu modo muito particular, permitia que o lado que Hyoga se esforçava em ocultar aflorasse.
Camus não gostava muito disso. Às vezes, dirigia uma dura expressão para o homem que era seu braço direito, como se pudesse, com os olhos, dizer para ele que tinha de se conter, que não era adequado esse tipo de comportamento perto de Hyoga, que ele não podia falar certas coisas para seu filho. Entretanto, esse olhar severo nunca durava muito. O duro olhar de Camus era comumente derrubado pelo olhar vivaz e cativante do outro. Hyoga não sabia exatamente como funcionava a amizade entre os dois, mas reconhecia que seu pai tinha uma imensa consideração por Milo, uma vez que ele era a única pessoa, além de si mesmo, que conseguia receber sorrisos de seu pai.
- E você está animado para essa festa, Hyoga? – interrogou com os olhos azuis inquisidores sobre o loiro.
- Não é uma festa, Milo. É apenas um jantar. Vou ser apresentado à sociedade como um homem, é uma ocasião especial, mas... não é uma festa. – respondeu de forma quase mecânica.
- Seria muito melhor se fosse uma festa. – deu uma grande mordida na fruta – Ao menos, acho que seria mais interessante. Esse negócio de você ser apresentado à sociedade... – suspirou – Seu pai tem cada ideia...
- É como aconteceu com meu pai, meu avô e meu bisavô, Milo. É uma tradição. É importante. É um ritual de passagem pelo qual tenho de passar e...
- Hyoga, eu já sei disso tudo. Não precisa repetir o que seu pai fala. Ao contrário do Camus, eu não gosto de ouvir você como se fosse um papagaio. Perguntei se está animado com a comemoração do seu aniversário e até agora não obtive resposta. – colocou o pé direito sobre o largo banco de madeira em que estava sentado, apoiando um braço no joelho, em uma posição que demonstrava o quanto realmente não temia o pai de Hyoga, pois essa pose extremamente informal não era bem vista por aquele homem sempre tão rígido.
O mais jovem tentou conter um suspiro, mas não foi muito eficaz. Milo, sempre muito observador e perceptivo, entendeu exatamente o que aquilo queria dizer:
- É, imaginei que não estivesse muito animado. Sempre que seu pai tocava nesse assunto, nos últimos meses, você ficava com esse ar distante... esse mesmo que você está tentando disfarçar agora. – respondeu dando outra mordida na maçã, enquanto usava um tom de voz tranquilo, que contrastava com a forma como Hyoga ficava tenso ao se ver tão transparente para Milo.
Não era a primeira vez que Hyoga sentia-se acuado diante dos comentários sempre tão certeiros de Milo. Nos últimos tempos, o jovem loiro via-se sempre encurralado por observações bastante pertinentes do outro, as quais vinham fazendo que pensasse com cada vez mais frequência sobre tudo aquilo que buscava ignorar com todas as suas forças. Mas Milo parecia determinado a não deixá-lo se enganar mais e insistia em perguntas que Hyoga não podia responder. Aliás, que nem sequer saberia como responder, mesmo se pudesse.
- Quer saber, Hyoga? Nós precisamos ter uma conversa séria e vai ser agora. – deixou o resto de sua fruta sobre um prato e retirou a maçã que estava pela metade da mão do loiro, colocando-a sobre o mesmo prato – Eu estive tentando aceitar; já faz um bom tempo que venho tentando respeitar o modo como seu pai quer criar você. Mas acho que atingimos um limite, garoto... Eu tentei conversar com seu pai, mas se ele não quer enxergar, então vou fazer as coisas ao meu modo. – levantou-se de uma vez e segurou com firmeza na mão do rapaz – Vamos para o seu quarto; temos muito sobre o que falar. – falou sério, enquanto puxava com convicção o jovem que parecia atordoado enquanto tentava assimilar o que Milo dizia.
Haviam acabado de deixar a cozinha quando alguns criados vieram interpelar Milo, dizendo que havia problemas. Antes que o representante pessoal de Camus pudesse dar qualquer resposta, a porta da sala em que se encontravam abriu-se de supetão, chamando a atenção de todos para um homem que acabava de entrar ali, irrompendo no local obviamente sem permissão.
Esse homem possuía apenas 26 anos, mas em seus olhos via-se que ele já havia vivido bem mais que os anos contados pelas primaveras que já tinham passado. Ou, mais de acordo com sua perspectiva, os invernos que já tinha atravessado. O homem possuía cabelos negros, em um tom azulado. Os cabelos eram revoltos, assim como parecia ser sua personalidade. Os olhos, também escuros, eram de um azul tão denso que pareciam com as profundezas do oceano. Havia uma cicatriz em sua testa, assim como em outras partes de seu corpo, como era possível perceber pela camisa que deixava boa parte de seu torso nu. Por sinal, o peito com músculos bem definidos, mas sem excessos, era também notável. À primeira vista, podia-se ver que era um homem forte e, pelo olhar ferino, pela posição agressiva em que se encontrava e pela respiração acelerada que fazia seu peito subir e descer com rapidez, era claro que não deveriam provocá-lo, porque parecia evidente que aquele homem, apesar de ser apenas um, poderia causar um verdadeiro estrago no aposento em que se encontravam.
Hyoga simplesmente não conseguiu desprender os olhos daquele homem, assim que ele entrou. Nunca havia visto alguém assim antes. Pelas vestes simplórias, entendeu logo que não era alguém de importância dentro da sociedade que conhecia. Contudo, nunca alguém houvera conseguido atrair sua atenção dessa maneira. O homem parecia bastante rude e definitivamente não sabia se portar diante da nobreza. Ou, o que parecia ser o caso... não fazia a menor questão de se preocupar com isso. A camisa branca, as calças negras e as botas surradas; a pele morena, queimada de sol... tudo apontava para um homem simples, de provável educação rudimentar. Alguém com quem Hyoga não teria, decerto, sobre o que conversar. Não deveria ser alguém por quem demonstrasse o mínimo de interesse. Mesmo assim... não podia tirar os olhos daquele homem. Não o olhava com interesse sedutor, até porque, nunca tivera muito tempo para exercitar esse seu lado que, não obstante, era-lhe bastante natural. Seduzia sem perceber. E, dessa vez, não foi muito diferente. Seu olhar perscrutador chamou a atenção do moreno que mantinha uma respiração ofegante enquanto encarava seriamente a Milo. Viu como aquele jovem loiro o observava com evidente curiosidade. Mas sentia que o olhar que aquele loiro lhe dirigia era diferente do que estava acostumado a receber. O rapaz alourado não parecia olhá-lo como se fosse um animal, um ser inferior, cujo único tratamento que poderia receber seria o de desprezo. Não; aquele rapaz tão elegante, tão belo, que parecia feito de porcelana, de cabelos que, mesmo sem tocá-los, pareciam tão macios e perfumados... cujos olhos eram da cor do céu mais límpido, ou das águas mais cristalinas... Aquele rapaz o olhava como se estivesse encantado com algo que via. Como se algo em si fosse digno da atenção daquele jovem tão diferente de si. Mas balançou a cabeça. Não se deixaria enganar mais por impressões precipitadas. Havia aprendido, da pior forma, como a maldade poderia vir travestida de beleza. Assim, espantou o encantamento que sentiu por um momento ao olhar para Hyoga e voltou sua atenção por completo, mais uma vez, para Milo, que fizera um gesto rápido para que os quatro criados que lhe tinham vindo avisar desse problema formassem uma barreira humana que pudesse proteger Hyoga, já que como bom escorpiano, tinha percebido a sutileza daquele olhar do moreno para o loiro e, temendo pela segurança do jovem Verseau, tratou de proteger o que sabia que era, para Camus, seu bem mais valioso: a vida do filho.
- Não pretendo machucá-lo. – falou o intruso, dirigindo-se a Milo, depois de perceber a movimentação dos criados ao redor de Hyoga – Só quero conversar com você. É Milo de Scorpio, certo? – perguntou fazendo soar sua voz grave pela sala.
- Sim. – respondeu com a voz firme, demonstrando que não se amedrontava com a presença do outro – E você? Que que deseja? – perguntou de forma polida, mas seca.
- Pode me chamar de Phoenix, e isso é o máximo que precisa saber sobre mim. - respondeu o homem, entregando apenas seu sobrenome. Não gostava de apresentar-se com seu nome, Ikki, que era talvez a última parte digna de sua história que lhe restasse. Quanto ao seu sobrenome... duvidava que alguém ainda pudesse se recordar dele. Outrora, possivelmente... mas hoje? Se alguém se lembrasse, certamente não seriam boas as recordações que esse sobrenome suscitaria. De qualquer modo, estava tão já acostumado aos maus tratos que lhe eram impostos logo à primeira vista que não sentia necessidade de esconder quem era. Usava seu sobrenome, sem medo, e estava preparado para quaisquer consequências que poderiam se seguir a partir disso. Entretanto, preservava seu nome, como se essa fosse a única coisa que ainda pudesse resguardar de uma sociedade vil. Por isso, dava a se conhecer como Ikki apenas às pessoas que julgava merecedoras - Vim até essas longínquas terras em busca de meu irmão. Soube que ele trabalha para esta casa e vim buscá-lo.
- E quem é seu irmão, meu caro Phoenix? – perguntou enquanto tentava se lembrar do porquê do sobrenome Phoenix ter-lhe soado familiar.
- De acordo com o que me informaram, ele é aqui conhecido como Shun, o Andrômeda.
- Ah, sim. O jovem Andrômeda. – ficou uns instantes pensativo e então franziu o cenho – Está me dizendo que o jovem e doce Shun é seu irmão? – perguntou demonstrando o quanto aquilo lhe parecia inverossímil.
- Sim. Somos irmãos. E eu pretendo seguir caminho com ele. Não desejo causar contratempos, mas se colocar mais homens em meu caminho, garanto que trarei mais problemas ao senhor. – respondeu com a voz fria.
Nesse momento, Milo acenou para um dos criados que rapidamente entendeu a ordem. Deixou a sala com pressa e correu para fora da casa. Hyoga observava a tudo aquilo sem entender; não sabia quem era Shun, mas seguia o desenrolar daquela história com visível entusiasmo. Era tão raro sair de sua rotina que aquela situação, por mais que pudesse significar algum risco para si, era-lhe envolvente e atrativa.
- Se é irmão de Andrômeda, onde estava quando ele pediu asilo nesta casa seis meses atrás? – indagou Milo, com a voz séria, sem tirar os olhos do forasteiro.
- Estava preso. – tornou o moreno, sem hesitar e sem baixar os olhos, demonstrando que não se mostraria submisso ao revelar esse fato, como normalmente acontecia com ex-prisioneiros – Preso e obrigado a cumprir trabalhos forçados para cumprir minha pena. Era o que estava fazendo seis meses atrás, como é o que tenho feito nos últimos dois anos desde que me aprisionaram e condenaram por ter roubado um pedaço de pão. Precisava aplacar a fome de meu irmão que, sendo dez anos mais novo que eu, era de minha responsabilidade cuidar, uma vez que somos órfãos. – falava sem titubear, sem demonstrar qualquer vergonha ou arrependimento do que fizera – Mas agora estou livre e desejo retomar minha vida com meu irmão. E, se não me impedirem, irei em paz sem causar quaisquer problemas a essa casa.
- Fala com muito atrevimento, meu rapaz. Devia tomar mais cuidado; é um ex-condenado e se não tiver um bom comportamento agora que foi liberto, pode muito bem acabar voltando para trás das grades. – disse Milo, com a voz impassível.
- Não desejo causar problemas. Só quero partir o quanto antes com meu irmão. – repetia com alguma ansiedade.
Um dos criados então interrompeu o diálogo entre os dois homens que pareciam duelar com os olhos, chamando a atenção de Milo para o fato de que o moreno havia derrubado bem uns dez empregados da grande casa, que tentaram impedi-lo de falar com o representante de Camus sem que antes houvesse uma expressa permissão para tanto. O criado alegava que esse homem deveria voltar para a cadeia o quanto antes e dizia que seu senhor deveria cuidar para que isso ocorresse logo.
Milo, no entanto, pareceu ignorar os rogos do criado e continuava apenas encarando Ikki, com ainda alguma desconfiança. Depois de alguns segundos em silêncio, voltou a falar:
- Sabe por que seu irmão recebeu a alcunha de Andrômeda? Porque eu o encontrei, certa noite, há seis meses, amarrado a um rochedo por grossas correntes, das quais seu corpo, frágil e martirizado, pendia sobre um rio, cuja correnteza era bastante forte. Tal e qual na lenda de Andrômeda. Seu irmão tinha sido ali pendurado por algum homem que se viu prejudicado por ele, que, segundo eu soube, havia roubado algumas frutas de seu pomar. Porém, ao contrário do ocorrido com você, o homem preferiu fazer justiça com as próprias mãos e o colocou em tal situação. Encontrei-o ali, por acaso, regressando de uma viagem de negócios com meu senhor, o dono desta casa. Apiedei-me do jovem, mandei que os homens que nos acompanhavam retirassem-no de lá e, por se ver tão ferido, senti pena do rapaz e convenci o meu senhor a deixar que o trouxesse para cá. O meu senhor teve dúvidas, haja vista que seu irmão era um criminoso... – nesse momento, Ikki cerrou os punhos com força, mas se conteve e nada fez - ... Mas então seu irmão se ajoelhou perante nós e pediu que tivéssemos compaixão de sua alma. Shun tem olhos muito doces e conseguiu fazer com que Camus aceitasse, por fim, dar asilo a ele nessas terras, em troca de seu trabalho nessa estância. Seu irmão aceitou prontamente. Então, Phoenix... espero que esteja claro para você. Ninguém obrigou o jovem Andrômeda a vir para cá. Ele nos rogou e apenas acatamos o seu pedido. – finalizou Milo, enquanto Hyoga olhava de um para outro com uma expressão estupefata em seu rosto. Sequer imaginava que histórias como essa ocorressem tão perto de si e nem ao menos tomava conhecimento disso. Sentiu uma grande revolta tomar conta de si, mas não sabia para onde direcioná-la.
- Estou ciente de tudo isso, senhor Milo de Scorpio. – falou Ikki, agora num tom mais ameno. Ouvir essa versão da história da qual já havia tomado conhecimento o acalmou um pouco. Ao que parecia, Shun estivera razoavelmente bem, pelo menos nos últimos seis meses – E fico grato pelo que fizeram. Mas agora seguiremos nosso caminho...
- Tem certeza de que é melhor assim, rapaz? Seu irmão possivelmente desejará seguir caminho com você... afinal, laços de sangue são muito fortes. Porém, é necessário que pense se isso será o melhor para ele. Aqui, Andrômeda dispõe de um lugar quente para dormir nas noites frias. Aqui, ele se alimenta três vezes ao dia. E, principalmente: aqui ele não corre o risco de sofrer novamente castigo pelas mãos do homem que, certamente, não se sentiu vingado, uma vez que o libertamos daquelas correntes e da morte certa...
Ikki sabia disso tudo; viera pensando se não estava sendo egoísta demais por querer levar o irmão consigo. A verdade é que não tinha para onde ir. Mas depois de dois anos vivendo no inferno sobre a Terra, queria, precisava, necessitava com quase desespero rever o irmão. Precisava acreditar que ainda existia amor nesse mundo e pensava que a única pessoa que lhe poderia mostrar isso seria Shun. Mas agora via claramente que o irmão deveria estar levando uma vida melhor nessas terras. E dizia para si mesmo que não o obrigaria a nada. Deixaria que o irmão escolhesse se desejava partir consigo ou não. Mas as palavras de Milo o alertaram: Shun certamente iria com ele, mesmo que isso significasse abandonar uma vida boa e segura. Deixou escapar um suspiro triste, de quem se vê perdido naquela situação, de quem não sabe o que fazer.
- Penso que, talvez, a melhor solução para todos fosse que não partissem. O melhor, creio eu, é que você fique. – acrescentou Milo, como se lesse o que se passava na atordoada mente do antigo condenado.
- O que quer dizer com isso? – perguntou com visível desconfiança. Não estava acostumado a receber ajuda de ninguém.
- Estou convidando-o para ficar, Phoenix. – respondeu com calma, enquanto os criados que ainda se mantinham ao redor de Hyoga demonstravam-se agitados com o que Milo acabava de dizer. Era evidente que eles não gostaram nada do que tinham ouvido, mas não podiam contrariar seu senhor – Você pode ser bastante útil por aqui, meu rapaz.
Ikki ficou pensativo. Era uma boa proposta; excelente, na verdade. Por isso estava receoso. Não podia ser tão fácil assim. O convite que Milo lhe fazia era a solução para tantos de seus problemas... mas por que aquele homem agia dessa maneira? Certamente tinha algum interesse por trás. Ninguém fazia uma boa ação se não fosse ganhar nada com isso. Diante dessa certeza, pensou que deveria ficar atento. Mas aceitaria a proposta, pois tiraria proveito do que essa situação lhe oferecia enquanto pudesse:
- Pois muito bem. É uma proposta muito boa a que me faz, Milo de Scorpio. E pretendo aceitá-la. – dizendo isso, acabou se aproximando do homem que agora lhe sorria de forma amigável e lhe estendia a mão, como se assim, fechassem um acordo. Apertou a mão dele firmemente e um sorriso discreto desenhou-se também em seu rosto.
- Perfeito. – Milo abriu um sorriso mais amplo – Está acostumado a lidar com cavalos, Phoenix?
- Certamente. Sou capaz de domar os mais selvagens. – respondeu prontamente.
- Ótimo. Teremos então muito trabalho para você em nossos estábulos. Mas não hoje. Por agora, você precisa descansar. Imagino que tenha feito longa viagem e precise repor as energias. – nesse instante, o criado que algum tempo antes saíra às pressas regressava. Pediu permissão para se aproximar de Milo e, em seu ouvido, cochichou algo. O representante de Camus sorriu mais e olhou para Ikki:
- Seu irmão já foi informado de que você está aqui e deseja muito vê-lo. Este homem irá se encarregar de levá-lo até onde poderá encontrar o jovem Andrômeda. – viu como os olhos do moreno se iluminaram nesse momento – Pode seguir com ele. – disse Milo, enquanto apontava para o criado que tinha acabado de regressar – E, amanhã, começaremos o seu trabalho. – finalizou vendo como Ikki parecia não ouvir mais nada, desejoso apenas de poder rever seu irmão.
Antes de sair, entretanto, o forasteiro lembrou-se de fazer um breve aceno em sinal de agradecimento a aquele homem que lhe oferecia ajuda em um momento de tanta dificuldade, mas, ao voltar o olhar uma última vez para Milo, seus olhos cor de tormenta encontraram-se uma vez mais com os de Hyoga, que acompanhara a tudo aquilo sem dizer uma palavra, mas atento a tudo que fora dito ali.
Ambos se olharam com muito estranhamento. Eram mundos diferentes que se colidiam naquele olhar. A elegância de Hyoga chocava-se violentamente com a rusticidade de Ikki. Eram diferentes, contrastavam brutalmente entre si. E, talvez por isso, quando seus olhos se encontraram dessa vez, tiveram ambos dificuldades de se soltarem dos olhos um do outro, como dois opostos que se atraíam poderosamente.
Isso se passou em questão de segundos e, assim que o momento finalmente se desfez, Ikki seguiu com o criado e deixou o local. Milo então dispensou os três empregados que estavam cuidando da segurança de Hyoga até o momento e esses saíram bastante contrariados com o que acabava de acontecer. Vendo-se enfim a sós com Milo, Hyoga quis fazer inúmeras perguntas e tecer centenas de comentários sobre o que se passara, mas antes que pudesse enunciar uma sentença, ouviram o som inconfundível do galopar do cavalo de Camus.
Compreendendo que não teriam tempo para conversar, Milo direcionou com os olhos que Hyoga fosse logo para seu quarto. O jovem Verseau apressou o passo para dirigir-se rápido a sua recâmara, mas quando estava prestes a deixar o aposento, olhou para trás e lançou a Milo um olhar preocupado, como se achasse que deveria estar lá para ajudá-lo a explicar o que acabara de ocorrer ao seu pai. O escorpiano apenas sorriu divertido e falou com a voz segura:
- Deixe que com seu pai, eu me entendo, Hyoga.
Tendo ouvido essas palavras com a segurança que Milo conseguiu imprimir nelas, voltou a seguir seu caminho. Foi pensativo até seu quarto, imaginando que precisava conversar sobre tudo isso com alguém. E, à sua mente, surgiu a imagem do único amigo que tinha. Falaria com Shiryu, que em breve chegaria, para o jantar de seu aniversário. Pensou que o amigo era sábio e poderia ter bons comentários para fazer acerca do que lhe fosse contar. Afinal, Shiryu era o filho de seu tutor, Dohko, a quem Camus confiara sua refinada educação. Seria deveras interessante ver o que Shiryu teria a dizer sobre tudo aquilo.
E assim, lembrando-se de que tinha de estar devidamente vestido para o jantar, correu a se arrumar, pois logo Camus apareceria em seu quarto a fim de saber se tudo estava pronto para aquela noite que, agora, tornava-se mais interessante para Hyoga...
Continua...
