Era uma noite chuvosa de outubro, o vento soprava frio e trazia gotas de chuva que pareciam atravessar minha pele como agulhas congeladas. Eu sempre tinha adorado a chuva. Sempre adorei o frescor e o peso confortável delas no meu pelo, e por mais frias que fossem não tinha importância. Comparado a nadar num mar de água congelada, não era nada, além de refrescante e prazeroso.

Mas dessa vez, não estava nada bom. A chuva parecia me ferir fisicamente, atingia minha pele e a deixava azul de frio. Meu corpo todo tremia, e por mais que eu gritasse, por mais que implorasse mentalmente que alguém me ajudasse a escapar daquele tormento gelado, ninguém vinha. Minha garganta acabou ficando ferida pelos gritos, que passaram a um lamuriar baixo. Tentei escapar eu mesmo dali, daquele buraco fundo na terra embaixo de destroços, mas não conseguia, meus braços eram muito curtos e minhas pernas muito fracas. Apenas um punhado de carne pendurada, sem nenhum músculo útil, mesmo me mexer já era um esforço. O manto enrolado em torno do meu corpo, que antes me mantinha quente, agora só ajudava a isolar o frio e segura-lo ao redor de mim, como se já não estivesse frio o bastante. Meus olhos deixaram lágrimas cair, e elas escorriam pelo que eu julgava serem bochechas coradas e gordinhas. Isso era tão humilhante...

Eu, a toda poderosa Raposa de Nove Caudas... um bebê... e ainda por cima um macho... Não tinha como ficar pior.

Aí meu estomago de repente doeu, e um cheiro horrível subiu pelo ar e pareceu grudar na minha garganta enquanto eu respirava. É claro que tinha. Agora, além de ser um bebê humano macho, eu era um bebê humano macho sujo. Ótimo... Como diabos aquilo podia cheirar tão mal?! Eu mal tinha comido qualquer coisa, como humanos em apenas algumas horas já podiam fazer tanta merda assim?! Mole e melequenta, grudando nas nádegas peladas desse corpinho inútil...

Tentei de todo jeito sair dali, rasgar aquele corpo ou qualquer coisa do tipo, mas não tinha jeito. Aqueles bracinhos moles eram meus bracinhos moles, e a garganta que doía era a porra da minha garganta. Não fazia sentido. Era diferente de quando me selaram na Mito, ou na Kushina... Eu podia ver o que acontecia em ambos os casos, mas desse jeito é diferente, eu podia controlar! Vamos ver... braço esquerdo pra frente... pra frente... Isso! Muito bom bola de bosta, agora... pra trás... vamos...

Dava um pouco de trabalho, por que enquanto eu tentava mexer qualquer pata pra frente, outros vinte e tantos instintos gritavam que eu estava fazendo errado, e insistiam que eu devia me sacudir pra todo lado, e gritar o máximo possível, em vez de me limitar a algo simples e retilíneo. Mandei esses instintos calarem a boca, e continuei tentando, já devia ter alguns minutos que estava embaixo daqueles destroços, no frio e todo sujo de merda e de terra, e a realidade da minha situação começava a ficar clara.

Primeiro. Aquele shinobi estúpido bonitinho tinha me selado dentro de uma criança. Uma criança recém-nascida gordinha, inútil, fedorenta e com cara de joelho.

Segundo. A criança agora, provavelmente, estava muito bem morta. Como se um pivete daquele tamanho de nada pudesse segurar tanto chakra.

Terceiro. Apesar da criança estar morta, eu estava viva dentro dela... dele... E agora, estava mantendo aquele corpo vivo. Ótimo. O grande ponto seria esperar esse corpinho morrer de fome, ou de frio, e então me mandar. De preferência pra algum lugar bem gelado onde ninguém possa me encontrar, e onde eu possa dormir até esses Uchihas estúpidos sumirem da face da Terra.

Parecia simples, e não deveria demorar muito a partir daquele momento. Não demoraria, aliás, se não tivesse um humano estúpido me tirando de dentro dos destroços!

Tentei gritar pra ele me deixar lá, ou me matar de uma vez pra mim poder sumir daquele lugar e deixar todos em paz, mas a única coisa que esse corpo estúpido fez foi abrir o maior berreiro. Qualquer controle que eu tivesse adquirido das minhas patas molengas foi pro saco, e elas começaram a agitar como se estivesse loucas, quase estapeando o cara que tinha me tirado dali. Pra finalizar aquele espetáculo todo, senti algo escorrendo pelas minhas pernas, e notei que tinha acabado com qualquer dignidade que ainda restava em mim. Eu tinha urinado bem encima daquela merda toda, que começava a escorrer pelo cobertor. Parabéns pra mim.

O humano que estava me tirando dali, graças a Deus uma mulher, olhou pra aquela nojeira toda e franziu o nariz. Pensei que fosse vomitar, ou me jogar de novo no buraco pra que eu apodrecesse sozinho lá dentro, mas ela riu, embora tenha se tremido toda quando um líquido amarelo espesso e nojento começou a escorrer pela borda do cobertor, e me segurou o mais longe possível do corpo dela.

-Meu Deus, garotão... você mal comeu e já fez um cocozão desses...

Ocupei os próximos minutos em amaldiçoa-la até os confins do nono inferno, enquanto ela apenas me levava pra sei lá aonde, fazendo "shu-shu-shu", que sei lá que merda queria dizer. Do lado de fora daqueles escombros, eu tentei olhar pra cidade, mas na maior parte estava tudo destruído. Prédios que tinham ido ao chão, e centenas de corpos espalhados por todo lugar, alguns queimados até ser difícil distingui-los dos pedaços de madeira carbonizados, espalhados por aí, outros esmagados até virarem uma papa estranha de carne e sangue. O cheiro no ar era horrível, mas era consideravelmente melhor do que o cheiro que vinha da minha própria manta, então não me preocupei muito.

-Vamos, Vamos, Naaaru-chan!

Olhei pra moça que me carregava como se ela fosse louca. Com um sorriso besta no rosto, ela ainda me segurava meio longe dela, mas tinha começado a cantar aquela merda e me agitar devagar de um lado pro outro.

-Vamos, Vamos, Naaaaaaaaaaaaru-chan!

Que saudade que eu senti daquele buraco frio nos escombros...

A caminhada terminou num lugar que, se fosse adivinhar, julgaria ser um hospital. Ele estava meio destruído, por isso era difícil ter certeza, mas o cheiro de desinfetante estava meio misturado com o de sangue e coisas queimadas. A moça que me carregava me levou até uma sala, e com cuidado me pôs sobre algo macio que não tive tempo de ver, mas poderia muito bem ser uma maca. Ela procurou nos armários e testou as torneiras, e no fim voltou com um pote cheio de água e uma toalhas. Tirando o cobertor e o mandando sem qualquer hesitação num canto qualquer do quarto, ela molhou uma toalha na bacia e começou a limpar o melhor que pode a bunda da criança em que eu estava selada, antes de usar outra toalha como uma frauda improvisada. Não havia mantas em lugar nenhum, então no final ela acabou me enrolando na sua própria jaqueta.

-Ne, Naru-chan, agora que você esta limpo e sequinho, vamos ver o Hokage-sama.

No meio do caminho, enquanto minha mente sã divagava sobre aquele selamento, e as diferenças dele em relação aos outros, os instintos do bebê levaram a melhor, e eu acabei apagando numa escuridão quente e confortável.

Do alto da torre, localizada bem no centro da vila oculta da folha, Sarutobi Hiruzen observava a cidade abaixo dele. Todos os tons de vermelho e verde agora dividiam espaço com uma grande parcela de preto, bairros inteiros carbonizados com os ataques da Kyuubi. Nesses bairros, shinobis se concentravam em retirar qualquer coisa útil das pilhas de escombros, assim como procurar por sobreviventes. Era quase inútil, todos os corpos encontrados estavam destroçados e queimados até um ponto onde era quase impossível reconhece-los.

-Minato... Mal você assumiu, já teve que dar sua vida por essa aldeia... Não é justo...

-Minato-sensei...

Sarutobi voltou os olhos, e encontrou Kakashi olhando para o monte Hokage, que por alguma razão ficou fora dos alvos da raposa gigante. O rosto do Yondaime ainda em construção, nunca que ele o veria ser concluído.

-Você esta bem, Kakashi?

-Hai, Sandaime-sama... Rin esta voltando com ele.

O velho olhou pra baixo novamente, a ponto de ver a garota de cabelos caramelo entrar pelo prédio. Apenas um minuto depois, ela já estava chegando ao topo do monumento, subindo as escadas com um embrulho nos braços.

-Naru-chan, ele dormiu – ela riu enquanto acariciava as bochechinhas coradas dele com os dedos – Kawaii...

-Rin...

-Hai! Sandaime-sama, Kakashi-kun, eu consegui encontra-lo, o pobrezinho estava tremendo de frio...

-Ele esta machucado?

-Não, ele esta bem, mas quando acordar vai estar morrendo de fome.

Kakashi se aproximou do bebe com cuidado, quase como se fosse um inimigo que pudesse pular e ataca-lo a qualquer momento, e olhou curiosamente pro embrulho. Ele tocou a bochecha do bebe com o dedo indicador, os olhos meio incrédulos por qualquer motivo besta.

-Quer segura-lo Kakashi?

O garoto pareceu apavorado, ele tentou negar, mas Rin já tinha estendido o embrulho e o largado em suas mãos.

-É pequeno... – Kakashi murmurou surpreendido, tentando ajeitar o embrulho nos braços pra que ficasse seguro – E mole...

-Aho! É um recém-nascido, o que esperava?

-Mas parece que vai quebrar...

Sarutobi sorriu observando a discussão inofensiva dos dois, meio sussurrada pra não acordar o bebê. Tragando do velho cachimbo, ele deu uma espiada no rostinho dele, e sorriu.

-Que lindo bebe – Rin concordou plenamente com ele, mostrando a língua pra Kakashi – Vai arrasar muitos corações quando ficar mais velho...

-O filho do sensei... – Kakashi abaixou o manto, até revelar o estomago gordinho do bebe, o selamento esclarecendo a medida que o tempo passava, mas ainda estava bem visível – Ele selou a Kyuubi no próprio filho dele...

-Sim... e morreu pra fazer isso – Sarutobi disse com solenidade – Essa criança é o legado de Minato, foi a coisa mais importante pra ele, e ele a usou pra proteger a vila. Kakashi, Rin, proteger essa criança é sua responsabilidade, vocês entendem?

-Hai – ambos disseram em uníssono.

-Levem ele pra casa de Fugaku-san – O Sandaime disse, olhando pro monte Hokage com uma leve irritação – Ele vai precisar de leite, e Mikoto-san acaba de ter um filho, perguntem se ela pode repartir um pouco com ele. Kushina era sua melhor amiga, por isso não acho que haverão problemas, mas mesmo assim, sejam educados...

-Hai...

O Terceiro observou como eles desceram as escadas, Kakashi tomando o maior cuidado a cada degrau que pisava por ainda estar com o bebê dormindo nos braços. Suspirando, ele voltou até o lugar que mais odiava na face da terra. Seu escritório.

-Droga... Bem quando eu tinha me aposentado...

Não sei descrever ao certo quando nem como eu acordei, por que parecia que eu ainda estava dormindo. Meus olhos estavam moles, e não conseguiam abrir direito, as patas mexiam devagarinho entre as coisas pesadas que eu julgaria serem cobertas. Era irritante por que elas prendiam meus movimentos, e eu não conseguia reunir forças nem pra me sentar. Os instintos humanos gritavam pra mim... gritar. Parecia que eram a única coisa que eles sabiam fazer, mas eu tentei controlar e manter minha dignidade, se é que ainda tinha alguma. O cheiro horrível de antes tinha ido embora, só pra ser substituído por outro, meio irritante, da minha própria pele. Era muito doce e lembrava vômito, por alguma razão. Seres humanos são tão nojentos...

Então peguei outro cheiro no lugar, ainda era meio doce mas parecia mais... maduro, não lembrava tanto vômito quanto o cheiro da minha própria pele, era como leite morno e baba... e algo que poderia ser talco.

Finalmente consegui abrir os olhos, e meio que rolando, consegui ficar numa posição onde pudesse olhar em volta. Eu estava num berço, cheio de mantas espalhadas que pareciam armadilhas pra me segurar ali, e outro bebê me encarava com olhinhos pretos curiosos. Imediatamente o reconheci como sendo um Uchiha, os cabelos ralos e os olhos tão pretos como carvão, e o símbolo na fralda – Esses caras colocam seus símbolos até na porra das fraldas das crianças, era pra marcar o bebê como deles?! Ou por que tinham egos tão incrivelmente enormes que desde pequenos precisavam se marcar como diferentes da ralé?!

Eu estava com uma fralda dessas também... Ahh... Morrer teria sido muito mais simples, por que eu precisava passar por isso?!

O bebê Uchiha estava chupando o dedo, com uma expressão extremamente idiota enquanto me encarava. Tentei rosnar pra que ele fizesse qualquer coisa, ou pelo menos se encolhesse fora da minha vista, mas tudo o que saiu da minha garganta foi saliva e "Uhhhhhhh" ou algo parecido com isso. A baba escorreu toda pelo meu queixo, fazendo o outro idiota rir enquanto eu tentava usar meus braços pra limpar aquela bagunça toda.

-Uhhhhhh – ele cuspiu, e depois riu, como se aquela fosse uma ótima piada.

Tentei desesperadamente procurar qualquer maneira de mata-lo e/ou me matar, mas não havia nada ali a não ser fronhas e um chocalho tão mole que não machucaria nem uma borboleta. Quando decidi usar as mantas pra sufoca-lo até a morte, dois braços me tiraram do berço. Era uma mulher Uchiha também, cabelos e olhos negros, e tinha peitos enormes. Ela me acomodou no colo, e imediatamente o bebe Uchiha começou a chorar de ciúmes.

-Não, Sasu-chan, a mamãe já volta pra você, mas o seu amiguinho deve estar com fome agora – Ela ajeitou uma toalha sobre o colo, e se sentou num banquinho. A menção da palavra fome me fez me ligar que eu não estava apenas com fome. Eu estava morrendo de fome, meu estomago parecia virar do avesso, e minhas patas novamente perderam a coordenação, preferindo agitar pra todo lado, como se isso me trouxesse algum benefício, ou como se arrumar comida fosse mais simples daquele modo. Humanos são tão idiotas...

Eu estava com fome, realmente estava, mas não iria de jeito nenhum mamar numa humana. Assim que, quando o seio (enorme!) pulou pra fora do sutiã, eu tentei abocanha-lo com o máximo de força possível. Era meio difícil sem dentes, então as gengivas só rasparam inofensivamente no mamilo inchado, imediatamente fazendo um jato de leite entrar pela minha garganta, e apagando com muita eficácia qualquer pensamento da minha cabeça. O bebê humano assumiu o controle, e grato, mamou todo o leite que conseguiu, vomitando metade logo em seguida, e caindo num sono feliz.

Humanos são tão nojentos...

Sarutobi Hiruzen, Sandaime Hokage da aldeia da folha oculta, agora era Hokage novamente.

"Droga..."

-Cavalheiros, eu pedi essa reunião de última hora, pra informar oficialmente o falecimento do Yondaime Hokage de Konohagakure no Sato, Minato Namikaze, na noite de ontem, dia 10 de outubro, e também que vou voltar aos meus deveres como Sandaime Hokage, devido a falta de sucessores dignos...

Danzou fulminou com os olhos o seu antigo companheiro de time, apertando bem os braços de sua cadeira na mesa do conselho. Todos os outros membros, tanto shinobi quanto civis do conselho, consentiram sem nenhuma objeção.

-Já que temos isso resolvido, gostaria de pedir os relatórios sobre a reconstrução das áreas danificadas da vila, e...

Sarutobi notou um dos membros, com uma mão levantada.

-Hokage-sama, e quanto a esposa do Yondaime-sama?

-Lamento informar que Kushina faleceu no parto, horas antes de Minato derrotar a Kyuubi. O filho deles, Namikaze Naruto esta sob a tutela de Uchiha Mikoto no momento, e sob a guarda de Kakashi e Rin.

A maioria dos membros assentiu satisfeita, exceto alguns pares de olhos que se estreitaram.

-Sarutobi, o que aconteceu exatamente com...

-Devo lembrar-lhe conselheira – O Sandaime liberou uma leve intenção assassina, pra dar ênfase as suas palavras – De que seu lugar nesse conselho, apesar de alto, é consideravelmente abaixo do meu?

-Hokage-sama... – ela concertou, com um tom fraco mas nenhum arrependimento na voz – O que aconteceu ontem a noite?

-Ontem a noite...? – a voz dele ficou perigosamente baixa – Enquanto a senhora dormia conselheira, muitos dos meus shinobi morreram pra defender essa vila, inclusive o nosso jovem Hokage. Foi isso que aconteceu.

Homura, sabiamente, não ousou insistir.

Danzou sim.

-Hokage-sama – ele disse, medindo melhor as suas palavras pra não ser cortado como um tolo – Como o Yondaime conseguiu derrotar a nove-caudas? Ela é suposta ser apenas uma massa de chakra concentrada, um demônio imortal...

Vários pares de olhos se voltaram para o Hokage, a maioria pra ouvir uma história emocionante que engrandecesse os shinobi de sua própria vila, já outros curiosos sobre como seria possível matar um demônio, e a minoria, três na verdade, procurando qualquer traço de mentira na voz do velho Hokage. Danzou e ambos os conselheiros estavam atentos.

-Como vocês sabem, a Kyuubi não pode ser morta, por qualquer que seja os meios mortais...

Se seguiu o que foi o silêncio mais tenso e de maior pressão interior da vida do Sandaime de Konohagarure. Nem em missões de assassinato ele tinha ficado mais ansioso. Confiar na bondade dos seus moradores, no discernimento do povo, no respeito para com o último desejo de seu Hokage, morto em batalha... Ou confiar na lógica?!

Na lógica, dãããã...

-Então, usando o selamento do Hiraishin, Minato conseguiu banir o chakra do nove caudas pra fora dessa dimensão. Onde e quando ela foi mandada, é impossível discernir, quaisquer detalhes desse jutsu só existiam dentro do prodigioso cérebro de Minato, ele jamais deixou quaisquer anotações ou mesmo instruções de nenhum dos seus jutsus.

-Isso é impossível! Temos que ter certeza – Danzou disse em um tom levemente mais alto do que deveria, e o Hokage estreitou os olhos perigosamente pra ele.

-E por que você quer trazer a Nove-Caudas de volta, Danzou?

-Não é óbvio? – ele adotou um tom discursivo, falando com todos os conselheiros, mas mantendo os olhos fixos no do Hokage – A Kyuubi é a besta mais poderosa desse mundo, um jinchuriki dela teria o poder necessário pra nos fazer a mais forte de todas as vilas!

-Um jinchuriki Danzou?! – O Hokage quase gritou – Você quer usar essa técnica brutal pra fins de guerra? Isso só vai trazer guerra e desgraça pra Konoha!

-Nós fomos atacados ainda ontem, nossas forças foram reduzidas pela metade! Logo que saberem disso, todos os outros países vão cair encima de nós como moscas no esterco, um Jinchuuriki é exatamente o que precisamos pra mantê-los acuados!

O Hokage sentiu o rosto ficar vermelho de raiva, mas tratou de se acalmar. Política. Aquilo não era o campo de batalha onde ele podia ganhar com jutsus, ele precisava ser diplomático.

-Nós acabamos de sair da terceira guerra mundial a poucos anos atrás, todas as outras vilas estão com carência de poderio militar. Causar um novo conflito agora seria suicídio para os envolvidos, ninguém será tolo de nos atacar – ele calou o velho falcão de guerra com um gesto – E também, o chakra da Nove-Caudas foi perdido entre as dimensões, a menos que você saiba uma maneira de recupera-lo, não tem nada que possamos fazer quanto a isso. Eu não vou aceitar que um jinchuuriki seja criado nessa vila.

"Eu não vou aceitar que um jinchuuriki seja criado nessa vila" – O velho Hokage não sabia, mas sempre se arrependeria de ter dito aquelas palavras.

De todas as pessoas na sala, eu não conseguia dizer quem era a mais idiota. Primeiro, tinha esse corpo mesmo, esse tal de "Naruto", como todo mundo o chamava, ele decididamente era muito idiota, e poderia se gabar de conseguir esse feito com apenas alguns dias de vida. Segundo, havia a moça que me tirou dos destroços, com cabelos cor de caramelo e pinturas rochas no rosto e nos ombros, que ficava falando comigo como se eu fosse idiota.

-Quem é o meu Naru-chan? Huh? Você! É você!

Terceiro, havia o garoto de cabelos brancos com máscara, não dava pra ver nada das suas feições que não o olho castanho escuro que me mirava como se eu fosse a coisa mais estranha e inacreditável do mundo. Quarto, tinha a mulher Uchiha peituda que agora estava dando de mamar para o garoto bobão, que por desgraça, ficava no mesmo berço que eu. E por último, e não menos importante, havia o irmão mais velho desse bobão, que olhava pra nós de um jeito tão idiota quanto o garoto de cabelos brancos.

-Então isso é um bebê... – ele disse – Sugoi...

-É incrível mesmo Itachi, você era assim a seis anos atrás.

-Honto?

-Honto, honto – a moça peituda sorriu pra ele, enquanto punha o bebe bobão no seu ombro, e dava umas batidinhas nas costas pra ele arrotar. Quando ele o fez, todos pareceram impressionados, como se vomitar o leite que tinha acabado de tomar fosse algo digno de nota.

Depois de limpar a boca dele, a moça peituda o pôs junto comigo naquele berço, e ele riu e estendeu os bracinhos na minha direção. Pela enésima vez, tentei acessar o meu chakra e mata-lo, mas era impossível, ele estava selado naquele corpo estúpido que não tinha bobinas de chakra desenvolvidas o suficientes pra usa-lo. Como não podia fazer nada, tentei esgana-lo, mas minhas patas ainda eram moles e sem força, então eu apenas consegui cair pra frente, enquanto ele ria.

"Aproveite enquanto pode, eu ainda vou arrancar suas vértebras com as unhas!" – tentei gritar – "De todos vocês!"

-Ow... que fofo! – A menina com pintura roxa quase pulou de excitação – Acham que ele vai falar alguma coisa?

-Não seja boba Rin, ainda vai levar alguns meses pra ele poder falar...

-O que acha que ele vai dizer primeiro?!

-Acho que ele vai dizer "mamãe"...

Acho que vou dizer "estúpidos"...

-Ne, Mikoto-sama – o garoto de cabelos brancos disse – Ele vai ficar com a senhora?

-Humm... eu não sei – ela bateu com o dedo no queixo – Por enquanto ele esta ficando comigo e com a Tsume-san...

-Por que com a Tsume-san?

Mikoto, como eles a chamava, riu gentilmente:

-Bem, eu e ela acabamos de ter filhos, então podemos amamentar o Naru-chan, mas se ele ficar com uma só de nós, vamos acabar ficando sem leite pros nossos filhos...

-Entendi... então vocês repartem com ele?

"Repartem com ele..." – pensei comigo mesma, por um instante perplexa com aquilo. Mães poderiam fazer isso... "Não é como se eu tivesse pedido!"

-Sim, amanhã ele vai passar o dia com o Kiba-kun, no distrito Inuzuka.

"Fede a cachorro..."

Danzou terminou todos os seus deveres no conselho com a impecabilidade de sempre, antes de arrumar os papéis em sua mesa – que, ao contrário do Hokage, estava sempre em perfeita ordem – e ligou os selamentos de segurança nas gavetas e nos compartimentos secretos, ativando todas as camadas, cada uma com uma coleção de efeitos desagradáveis em quem se atrevesse a sequer olhar pra eles. Arrumando o manto e o cajado, ele saiu do prédio com a nobreza de um rei.

Indo direto pra um covil de assassinos e ladrões, que a um comando seu, morderiam a própria língua e se matariam, sem a menor hesitação. Ninjas de verdade, tão diferentes dos que a aldeia produzia, que se atreviam mesmo a ter suas próprias opiniões... Patético.

Ao adentrar o lugar, tendo a certeza de não ser seguido, ele estalou os dedos, e dois shinobis mascarados imediatamente tomaram lugar nos seus flancos, o acompanhando calados, totalmente atentos a tudo ao redor, com olhos vagos sem nenhum brilho que sequer denunciasse uma consciência.

-Vocês vasculharam os arquivos do Hokage?

-Hai, Danzou-sama, não achamos nada referente ao Hiraishin, ou qualquer jutsu do Yondaime.

-Nada?

-Nada senhor.

-A casa dele?

-Completamente limpa senhor, todos os cômodos estão livres, sem nenhum móvel. Checamos possíveis esconderijos em todos os lugares, não há nada.

-Algum selamento suspeito?

-Somente os de segurança senhor.

-Inútil... vasculhem de novo, quero todos os pergaminhos da aldeia revistos, revirem a sala e os documentos dos últimos dez anos e se for necessário, botem a casa do Yondaime no chão. Eu quero qualquer coisa sobre qualquer jutsu que ele tenha criado. Compreendido?!

-Hai, Danzou-sama.

Antes que eles pudessem desaparecer pra cumprir suas ordens, o falcão de guerra fez um sinal pra que eles esperassem.

-Coloquem alguém vigiando a prole de Kushina e do Yondaime, vinte e quatro horas por dia, mas discretamente. Se forem pegos, fujam, e se matem onde não possam encontrar seus corpos, não quero que o Hokage saiba que estamos vendo o moleque.

-Hai, Danzou-sama, será feito.

-Dispensados.

Sabe, tem uma frase que eu sempre concordei. Ela diz que por mais fracos que os seres humanos sejam, por mais que não tenham nenhuma presa, ou garra, ou sejam tão frágeis e vivam tão pouco, eles se elevaram acima de qualquer outro animal e dominaram a Terra, simplesmente por serem os mais cruéis. Então... Eu já vi humanos fazendo coisas terríveis, assassinatos e coisas do gênero que não quero nem comentar.

Mas mesmo assim, até hoje, eu nunca tinha contemplado tão profundamente a verdade nessas palavras. Hoje eu testemunhei a coisa mais cruel que seres humanos podem fazer. Aconteceu no distrito Inuzuka... Quando foram me dar banho.

No começo estava tudo bem, Tsume era cuidadosa com as garras dela, e apesar de feder a cachorro, ela parecia ser legal. Ela mergulhou com cuidado a cabecinha nanica, mole e frágil daquele corpo na banheirinha com água, e lavou com cuidado. Eu tinha perdido as esperanças que, se chorasse o suficiente, eles me matariam, então acabei ficando quieta, minha garganta doía menos assim, e era mais fácil controlar os instintos infantis daquele corpo. Bem... quase todos.

Foi tudo bem enquanto ela lavava minha cabeça, e as patas da frente, e mesmo as de trás. O problema foi quando as mãos dela começaram a massagear meu estomago...

Bem... eu estava preso no corpo de um bebe macho de poucas semanas de vida, que mal tinha controle da sua bexiga, quanto mais das suas... do seu... Indo direto ao ponto... Eu – Eu o caralho, aquele corpo, o Naruto, eu era uma fêmea droga, não tinha como – O "Naruto" teve uma ereção involuntária.

Contemplem minha situação. Eu estava numa banheira, com uma Inuzuka chocada olhando pra o que seria o pequeno pênis ereto de um bebezinho. Então...

Ela começou a rir.

Muito.

Não sei quanto ao rosto daquele bebê, mas eu podia sentir a área em torno do meu focinho esquentar até que estivesse fervendo, enquanto tentava de todo jeito controlar aquela reação involuntária daquele corpo estúpido. O resultado foi eu me debater pra todo lado, chocada, constrangida, e mais envergonhada do que eu já tinha estado alguma vez em milhares de anos.

E só piorou depois disso. Por algum motivo, Tsume achou que aquilo era um grande acontecimento que ela tinha que compartilhar com todo mundo. Com Mikoto, Com Rin e Kakashi – ele pareceu tão envergonhado quanto eu – Com metade das mulheres do seu clã, incluindo quase todos os cachorros. Os homens saíram meio segundo depois de entrarem, corados feito um tomate, mas por algum motivo, as mulheres acharam o máximo. Então todas riram, e contaram piadas, e no geral, se divertiram as minhas custas.

Como eu queria sair dali e matar todos eles.

Eu estava tão envergonhada que acabei liberando qualquer controle dos meus instintos, e isso resultou em mim batendo as mãos loucamente na água, e gritando e chorando como se estivesse a ponto de morrer – acreditem, eu queria muito estar a ponto de morrer agora -. Tsume me pegou no colo e tentou me acalmar, me movendo devagarinho, cantando uma musica estranha a ver com cachorros.

E aí foi que a merda bateu no ventilador. Acabando com qualquer resto de dignidade, enquanto era esfregado de um lado pro outro na manta, aquele corpo estúpido teve seu primeiro orgasmo.

Foi tão forte que quase me pôs pra dormir, mas eu estava acordado o suficiente – infelizmente – pra ouvir com muito clareza todos os comentários e as risadas daquele bando de fêmeas.

Eu apaguei logo depois, e no dia seguinte, tentei cometer suicídio umas cem vezes. Nenhuma deu muito certo, eu não conseguia fazer nada além de me mover de forma meio irregular em qualquer lugar que estivesse, e era só lembrar aquele banho que eu tremia toda e começava a me esgoelar.

Seres humanos... são desprezíveis...

-Danzou-sama!

-O que é isso? Eu disso pra nunca entrarem aqui – Danzou lançou um olhar mortal para o jovem ANBU raíz, com certeza ele ainda não estava corretamente adestrado. – O que é tão urgente que não pode esperar, e te faz achar que pode ir contra as minhas ordens?

O ANBU não teve qualquer reação, a não ser responder.

-Mantivemos um olho na criança, como o senhor ordenou. Os vigias informaram que ela tem um estranho selo na barriga, que parece estar sumindo exponencialmente. Com alguma pesquisa, descobrimos que é o selo dos quatro elementos.

Danzou alargou os olhos, e em seguida, um sorriso:

-Então, acabou que o pirralho é mesmo um jinchuuriki... Entendo, agora é hora pra avançar as peças no tabuleiro... Você.

-Hai?

-Mate todos os ANBU's envolvidos, incinere seus corpos, e depois, entre na fogueira. Quero qualquer um envolvido com essa informação eliminados, incluídos você mesmo, entendeu?

-Hai, Danzou-sama!

Mais tarde, ao longe na floresta, era possível ouvir os gritos de um homem, que permanecia de pé em uma imensa fogueira. Ao redor dele, corpos de seus companheiros, que ele tinha assassinado, alguns eram seus conhecidos desde a infância, e ele não dispensou sequer um pensamento em corta-los em pedaços.

-Como quiser... Danzou-sama... – foi a última coisa que ele murmurou, antes de cair de joelhos, na brasa, que queimava completamente sua caixa toráxica.

Já tinha dois meses que eu estava vivendo como um bebê remelento, e as tentativas de suicídio tinham caído bastante desde o primeiro dia (e aquele episódio na banheira). Não que eu tenha me conformado, ou qualquer coisa do tipo, eu simplesmente resolvi esperar até que tivesse uns doze ou treze anos, aí poderia sair dali e, se estivesse de bom humor, desaparecer... Se estivesse de mal...

Konoha queimaria até o chão por me humilhar daquela forma.

-Ahhhhhhhhh!

Apenas a encarei, a boca firmemente fechada.

-Naru-chan! Ahhhhhhhhhhhh!

Tentei passar pelos meus olhos o quanto eu a odiava e a queria morta, não deu muito certo. Ela continuou tentando empurrar aquela colher cheio de... sei lá o que diabos era aquela papa fedorenta, mas não devia ser nada bom. Humanos comiam aquilo?! Minha opinião sobre eles estava cada vez mais baixa.

-Faça "aaaahhhhhhhhhh" pra pegar o aviãozinho!

"Morra..."

-Ahh... Mikoto-sama! O Naru-chan não quer comer!

A mulher Uchiha peituda apareceu pelo vão da porta, segurando o Uchiha bobão no ombro, enquanto dava tapinhas nas costas dele.

-Rin, é só fazer como antes. O Sasuke comeu tudo não?

Como se incentivado pelo nome dele, o bebe no ombro dela arrotou, soltando uma poça de baba e restos de comida bem encima da toalha no ombro dela.

-Sim, será... – os olhos da moça de cabelos castanhos e manchas roxas no rosto se encheram de lágrimas... – Será que o Naru-chan me odeia?

"SIM!"

-Claro que não querida, você tem apenas que ser persuasiva...

-Hai... – ela me olhou novamente, trilhas de lágrimas escorrendo pela bochecha – Naru...chan... ahhhhhhhh!

Se pudesse suspirar, teria feito isso, mas toda vez que tentava eu apenas conseguia qualquer outro efeito nojento e sem sentido daquele corpo. Acabei abrindo a boca um pouco, apenas praquela fêmea não ficar chorando na minha frente. Ela abriu um sorriso enorme depois disso.

-Naru-chan! Você fez aaahhhhh!

"Uau..."

-Viu Rin, só precisa falar com jeitinho.

Acabei abrindo a boca mais ainda, pra engolir qualquer que fosse a merda que ela estivesse me fazendo comer, e acabar logo com aquilo. Me arrependi logo depois, aquela coisa tinha gosto de qualquer bicho morto e esmagado, depois triturado com capim e guardado pra apodrecer durante meses em algum porão escuro e bolorento. Cuspi tudo o mais longe que consegui, e travei a boca, nem que ela abrisse o berreiro eu comeria mais daquela merda.

Dez minutos depois, eu tinha comido tudo. Humanos podem ser muito convincentes, principalmente garotas chorosas que faziam aqueles olhos enormes. Com a língua podre por causa daquela porcaria que empurrarão pra mim, eu tentei ocupar meu tempo em qualquer coisa útil. Contar já tinha perdido a graça, depois de chegar no um milhão três vezes, e por alguma razão, eu não conseguia mais dormir quando queria. Por isso, quase agradeci quando alguém bateu na porta, e Kakashi entrou logo depois.

-Alguém em casa?

"Eu! Eu! Me tire daqui!"

-Kakashi-kun! – Rin pulou encima dela, quase o derrubando, por alguma razão eles sempre faziam isso. Coisa de namorados – O Naru-chan comeu tudo o que eu dei pra ele!

"Contra a vontade..."

-Isso é ótimo Rin – ele sorriu por baixo da máscara, ou pelo menos era o que eu imaginava, dada a forma como os olhos dele se fecharam – Eu tirei o dia de folga, então vou levar ele pra dar uma volta.

-Que legal! Posso ir junto?

-Deixa os rapazes terem um momento Rin – gritou Mikoto da cozinha.

"Eu sou uma garota..."

-Por que... Você não vai fazer nada pervertido com ele, vai?

Os ombros dele caíram. O que diabos aquelas pessoas estavam falando, humanos tem relações com seus bebês?! Eles iam me extuprar?!

-Eu ia leva-los nas termas...

"Ahhh... Só isso?"

-Não fique usando ele pra se exibir pras garotas – Rin ameaçou, com o rosto subindo vários tons de vermelho.

-Não se preocupe...

Cinco minutos depois, eu estava usando uma blusa amarela com um gatinho bobo desenhado nela, e uma fralda, sentada na cadeirinha que Kakashi amarrou no torso.

-Vamos, Naruto-kun – ele sorriu, eu acho – Você vai gostar das termas.

Pelo caminho, pelo menos umas quinze garotas pararam pra me acariciar, e ficar balbuciando coisas estranhas no meu rosto. Então elas me beijavam, e davam seus telefones pra um Kakashi corado, que parecia ficar mais contente a cada minuto. Humanos... deixa pra lá...

As termas eram agradáveis, mas eu já sabia disso. As vezes que tinha vivido como humano, séculos atrás, eram um dos prazeres da minha vida, termas e sake. Mas como um bebe, era meio complicado. Eu não conseguia parar de girar enquanto boiava, por isso quase me afoguei umas dez vezes. Kakashi mal pode fechar os olhos pra relaxar do meu lado, por que ele tinha que me virar, ou me por sentado, ou me tirar do fundo, ou me por na borda, ou qualquer coisa do tipo a cada cinco segundos, mas por alguma razão, não parecia aborrecido... Talvez por causa dos telefones daquelas garotas.

Mesmo assim, depois de conseguir me ajeitar no colo dele – eu teria corado mais uma vez, se isso fosse possível – eu comecei a relaxar. A água parecia entrar até os ossos naquele corpinho minúsculo de bebê, e por estar ondulante bagunçava o meu reflexo.

"Akai..." – murmrei, agora que tinha notado, meus cabelos eram ruivos... mas era um tom mais claro que o resto dos uzumakis, como se a cor fosse desbotada, parecia...

Kenshin

A imagem dele pareceu se sobrepor a minha no reflexo, meu mais estúpido e inconsequente aprendiz, os cabelos ruivos eram os mesmos que o dele. A cicatriz em forma de cruz que dominava seu rosto, e os olhos gentis e calorosos, as feições tão suaves que eram quase femininas. Ele não parecia ser um homem, apesar de ser uma das pessoas mais fortes que eu já havia treinado, e também o mais curioso de todos os seres humanos que eu já havia conhecido. Ele era gentil demais, suave demais, doce demais, nada nele parecia servir para um assassino, e no entanto, por muito tempo ele foi conhecido como o maior deles. Hitokiri Battousai, cujo nome foi perdido nas páginas dos livros de histórias.

"Idiota..."

Quando meus dedos estavam começando a enrugar, Kakashi me erguei da água e me pôs sentado na beira da fonte, em seguida se içando pra cima e se enrolando num robe felpudo. Ele me secou, e me vestiu com uma fralda nova, sorrindo e dizendo como era relaxante tomar banho numa fonte termal. Tive que concordar com ele.

Tudo indicava que aquele seria mais um dia normal, eu poderia voltar pra casa, tomar aquela papa horrível de novo, e quando finalmente encontrasse algo pra me distriar, eu cairia no sono. Era quase sempre assim, aquele corpo parecia fazer as coisas de forma que me irritasse o máximo possível. Mas não aconteceu. Se acontecesse, eu provavelmente passaria mais alguns anos com ele, e então poderia usar meu chakra pra rasgar aquele corpo em pedaços. Dizia comigo mesma que mataria todos eles, mas não mataria, não tinha motivos pra matar pessoas que eram gentis comigo. Eu desapareceria, e com o tempo, aquela pessoa, Naruto, seria dado como morto. Era assim que as coisas aconteceriam, se aquilo não tivesse acontecido.

Mas aconteceu.

Enquanto voltávamos, cinco ninjas cercaram Kakashi, que imediatamente se pôs na defensiva, um braço perto do estojo de kunais na coxa direita, o outro a frente do meu corpo, ainda sentado naquela cadeirinha estúpida. Nenhum deles atacou, usavam bandanas de Konoha acima das máscaras ANBU, e pareciam ser aliados. Pareciam...

-Kakashi-san, viemos por ordem do conselho – o que parecia ser o líder disse, dando um passo pra frente – Nos entregue a criança.

-O que...? – ele deu um passo pra trás, tentando achar uma rota de fuga daqueles shinobis que o cercava – O que querem com o Naruto?

O Líder respondeu:

-O conselho tomou conhecimento que o individuo nomeado Namikaze Naruto, é na verdade o Jincuuriki da raposa de nove caudas. Nossas ordens são pra leva-lo a presença do conselho, que decidirá o seu destino. Nos entregue ele.

-O que farão com ele?

-Isso é o conselho que irá decidir.

Kakashi parecia tenso, dava pra sentir ele tremendo, e suor começou a brotar da sua testa. Então, como é costume dos seres humanos, ele fez a coisa mais estúpida que poderia fazer naquela hora.

Atirando uma bomba de fumaça no chão, ele correu.

Os cinco imediatamente vieram atrás de nós, portando suas espadas curtas e lançando kunais com a mão livre. Kakashi conseguiu desviar de todas, cruzando becos e vielas. Meus instintos de bebê se assustaram com a velocidade abrupta dos seus movimentos, e começaram a implorar pra mim chorar e agitar os braços, torcendo pra que ele notasse que isso me incomodava, e parasse de ir tão rápido, mas me concentrei em ficar calada. Se eles estavam nos atacando, só de eu estar ali já devia ser um incomodo muito maior pra ele, se começasse a me esguelar então, o atrapalharia demais...

Quer dizer... Não que eu me importasse...

Enquanto corria, usando chakra pra se prender na parede e correr na vertical por cima de uma cerca, Kakashi murmurava pra mim ficar calmo, que nada ia me acontecer, e que ele ia me proteger. Enquanto isso, ele usava as mãos pra prender fios de aço em várias kunais, quase como estivesse tricotando. O calor de um jutsu de fogo passou acima das nossas cabeças, e ele teve que se jogar no chão pra não ser queimado, pulando de costas, e me cobrindo com os braços o melhor que pode, imediatamente começando a correr depois. Os gritos dos moradores por onde passávamos alertava outros ninjas, mas nenhum sabia ao certo o que fazer, alguns tentavam nos parar, só pra serem deixados pra trás ou nocauteados pelos ANBU's. Quando Kakashi terminou a armadilha, ele fez alguns sinais de mão e soltou as kunais, que formaram uma longa sequência de fios e selos explosivos pendurados nelas.

Só tivemos tempo de virar uma esquina antes dela explodir, o barulho agitou minha cabeça, e eu mordi a língua com o máximo de força, os dentes de leite que mal começaram a nascer segurando meu choro ali.

"Vamos Kakashi, me solte... Não vai acontecer nada, me solte!"

Ele não me soltou.

Vários shinobi estavam agora atrás de nós, alguns provavelmente interpretando aquela armadilha como um ataque, mas vários outros corriam pra torre também, por que enquanto corríamos, Kakashi se esgoelava o máximo possível pra trazerem o Hokage pra cá. Os ANBU's nos cercaram no próximo beco, e sem uma palavra, avançaram. Intenção me matar clara nos seus olhos.

Apesar de serem cinco shinobi, Kakashi não era um jounnin a toa. Ele conseguiu rebater as kunais com uma única na sua mão direita, enquanto a esquerda me segurava firmemente no cadeirinha, e com um chute, mandou o primeiro atacante capotando pra trás. O sharingan no seu olho direito, sempre escondido, parecia prometer um mundo de dor pro próximo tolo que avançava, mas aqueles shinobi não tinham medo da dor. A cada ataque, Kakashi ficava mais e mais lento, mais e mais ferido, e eu gritava mentalmente pra que ele me soltasse, mas não adiantava. Ele não poderia me ouvir. As kunais rasgaram sua máscara, e vários cortes rasos apareceram no seu pescoço, um atrás do outro, enquanto ele conseguia desviar parcialmente das kunais que miravam sua jugular. Os dentes estavam trincados com o esforço, mas ele não me soltava de jeito nenhum.

Finalmente, um dos shinobis pulou pra trás, fazendo selos de mão:

-Doton! Ishi no Yari!

Lanças de rocha se formaram do chão, e sem poder desviar, Kakashi pulou pra trás, se virando pra me proteger.

Senti o cheiro de sangue, sangue dele, enquanto os olhos dele iam perdendo lentamente o brilho, caindo na escuridão. Meus instintos explodiram e eu comecei a chorar, chorar muito, me esgoelar quase como se minha vida dependesse disso. Os shinobi ANBU's avançaram, mas antes de derem um passo, suas cabeças rolaram com cinco golpes precisos do Hokage. Imediatamente vários jounnins avançaram, tirando Kakashi de onde estava praticamente empalado, uma das lanças fincadas nas suas costas, quase o trespassando.

Eu não notei nada disso. Estava gritando pra que eles andassem logo, estava tentando ver qualquer resquício de luz nos olhos daquele ser humano idiota, que eu já tinha cansado de fingir que não importava. Estava chorando, por que a última coisa que ele murmurou, foi:

-Não chore Naruto, eu não vou deixar ninguém te machucar...