CHARLOTTE HOLMES E A BUSCA DA INSPIRAÇÃO

09/03/2012

20:45

Estou deitada em um sofá velho da minha kitnet alugada, computador ligado, jogando uma bolinha de papel para o alto e atingindo a minha cabeça em todas as tentativas, porque eu não tenho mira. Estou entediada. Simplesmente assim.

Já fiz de tudo para tentar passar o tédio, desde brincar de cobrir toda parte visível do meu corpo com adesivos de nicotina – com resultados catastróficos – até dar uns tiros no teto com a minha pistola d'água – com resultados ainda mais catastróficos –, já que fiz um buraco na telha e agora tenho uma goteira. Brilhante.

Não estou só entediada, não, isso seria até fácil de remediar. Estou... frustrada. E remédio contra frustração só em farmácia especializada. Estou frustrada com o universo, o cosmos, o cara do aluguel, a Gisele Bündchen, minha orquídea, mas, principalmente, com um senhor chamado Moffat.

Senhor este que não está contribuindo – e nem irá – para me ajudar a superar essa angústia, pelo menos não tão cedo. Ou pelo próximo ano. E seis meses.

E agora diz-se que está com uma crise de inspiração. Ah, isso não.

Três episódios por ano? Aceito o desafio.

Matar o Moriarty? Tudo bem, até vai.

Johnlock não rolar? Eu aguento.

Mas bloqueio criativo? AH, NÃO, ISSO NÃO, MOÇO. E como o senhor espera que eu viva sabendo que a história está lá, solta no ar, feito vento, sem final, sem continuação, sem... Argh. Essa sensação de novo. O tal do Formigamento Retinol, acho.

Não ouse chorar, Charlotte.

E o papel caiu de novo na minha cabeça. "PAF", ele fez.

Esse PAF foi a última gota. Minha cabeça já estava roxa de tantas batidas. Eu desmaiei.

E então, eu estava em um lugar estranho. Desconhecido. E por desconhecido, eu digo totalmente estranho para mim e a minha realidade na kitnet.

Pessoas de cartola correndo pelas ruas, carruagens, um palácio, um relógio grande, e panfletos dizendo "" VIDA LONGA A RAINHA VITÓRIA".

Sério. Que raio de lugar é esse?

Até que eu vi uma grande placa, com letras garrafais: "VOCÊ ESTÁ EM LONDRES".

Ah. Londres. Eu já sabia...

Mas peraí. Londres não tem carruagens. Tem carros e Cumberbitches.

Até que eu vi outra placa debaixo daquela: "VOCÊ ESTÁ NO SÉCULO XIX".

Ah, que bom. Ótimo. Aqui é tudo muito bem explicadinho, né? Já que estou aqui, entrarei no joguinho. Quem serei eu nesta realidade alternativa nada plausível e perfeitamente inexplicável?

Então eu vi um burrico puxando um grande carregamento de espelhos. O cocheiro gritava "ANDA, CRIATURA!".

E eu me vi. Andava com um uma bengala. Eu sou o bisavô do Dr. House?

E então olhei um pouco mais pra cima. Sobretudo negro, cachecol azul, e um chapeuzinho ridículo.

I am Sherlock. Fucking. Holmes. How on Earth did that happen.

Foi aí eu vi meus longos cabelos escuros e mãos extremamente femininas. Não, eu sou Charlotte Holmes. Hoje é o dia do contrário ou...

Mas onde será que está meu caro Watson?

Eu não posso ser o Sherlock sem o Watson, isso é elementar.

Bati o pé no chão. Por que eu fui sonhar pela metade? Pipocas...

Andei pela cidade da forma mais discreta possível, camuflando-me com a multidão. Sério, ninguém se importou comigo sapateando e gritando pela rua "COMO EU FAÇO PRA VOOOLTAR? CADÊ O WATSON? Ó MUNDO CRUEEEEL!"

Povo legal.

Passei na frente de uma livraria. Lá tinham livros estranhos, de um tal de Shakespeare. Bufei. Quem se importa com esse cara?

O único "autor" que eu me importo no momento é o...

OH, NO. E eu me lembrei de tudo.

Será que não há nada que eu possa fazer? Será que eu posso ajudar?

Vi meu reflexo em uma poça no chão.

Eu sou Holmes. Charlotte Holmes. É claro que eu posso ajudar.

ESTÁ DECICIDO!

VOU ATRAVESSAR OCEANOS, DESERTOS ESCALDANTES, MONTANHAS CONGELADAS, IR ATÉ A JANELA MAIS ALTA, DA TORRE MAIS ALTA (cof cof, filme errado) E VOU ENCONTRAR O PARADEIRO DA (silêncio dramático de 3 segundos) INSPIRAÇÃO DO MALDITO MOFFAT!

*SOLTA A MUSIQUINHA DE AVENTURA*

E SEJA O QUE DEUS QUISER!


10/03/12

05:06

Ontem foi um dia muito complicado. Rodei a cidade inteira procurando pelo meu caro Watson.

O que eu não sabia era que Watson é um nome bastante comum em Londres.

Encontrei exatos 348 Watsons.

Padeiros, sapateiros, madeireiros, cocheiros e todas essas profissões medievais terminadas em "eiros". Nenhum deles era o meu amigo, meu caro Watson. Não que eu soubesse exatamente quem seria meu Watson, mas esse é o tipo de coisa que a gente simplesmente sabe. Né?

Mas eu tinha uma missão. E iria continuar do mesmo jeito, com ou sem Watson.

Decidi que seria "com Watson". Então roubei um pão do Watson padeiro e o nomeei Watson. Não um pão qualquer, uma baguete.

Procurei uma pensão baratinha nos confins da cidade. Aí eu lembrei que o sonho era meu e que eu podia fazer o que bem entendesse, e então materializei 100 libras, um trenzinho e uma bolinha de gude.

Então, cá estou eu. Resolvi acordar cedo na pensão para poder pensar um pouco. Quando acordei, lembrei que posso pensar a qualquer hora do dia, mas eu já havia acordado, de qualquer forma.

Onde será que a inspiração do Moffat havia se metido? Será que estava perdida em algum lugar de Londres?

Seria uma busca bastante arriscada, eu poderia enfrentar monstros perigosos pelo caminho e havia chances de eu não voltar... inteira.

Mas tudo bem, é só um sonho mesmo. Se eu morrer, eu acordo e fica tudo chuchu beleza.

Também, o que é que eu estava esperando?

Uma estrada de tijolos amarelos com placas, e uma indicação com letras em néon dizendo "A INSPIRAÇÃO DO MOFFAT ESTÁ AQUI"?

Nãããão. Eu gosto mesmo é do perigo.

Adrenalina nas veias. E nas artérias também.

Agora virou questão de honra.

Desci os 27 andares da pensão e me dirigi ao pub mais próximo, no térreo do edifício. Não havia ninguém lá. Não ainda.

Porque eu soltei um berro e todo mundo resolveu aparecer.

Tá que ninguém achou isso muito legal, mas como eles já estavam acordados, resolveram ficar logo pro café da manhã.

Sentamos em uma mesa, eu e Watson.

Não gostei nada dos olhares que os mendigos estavam dando para o meu caro amigo. Mas até eu reconheço que o Watson era mesmo um pão. Muito gato.

A governanta apareceu com um café e biscoitos para mim e perguntou se eu desejava manteiga. Mas o que eu iria fazer com manteiga?

- Senhora, sou uma viajante em busca de aventuras. Já rodei pelo mundo inteiro solucionando mistérios e ganhei medalhas pela minha bravura e coragem.

-Sério? – ela perguntou admirada.

- Não. Mas um dia eu serei foda assim.

- Perdão?

- Esqueça – respondi. – Escute. Eu realmente estou em uma missão, e acabei de decidir que é uma missão secreta. De importância internacional.

- E o Kiko?

- Não, não, só eu e meu amigo Watson, mesmo.

Ela segurou a cabeça com as mãos, balançando negativamente.

- E eu com isso? – repetiu.

- Eu gostaria que a senhora preparasse alguns quitutes para mim. Não sei quanto tempo ficarei fora, e nem para onde irei.

-Só?

-Só.

-Então tá.

-E que colocasse todos eles em uma bolsa separados por cor, textura e gosto, junto com outras coisas que certamente precisarei, como uma lanterna (isso já foi inventado?), uma corda, uma bússola, uma identidade falsa, vários pares de meia, um cobertor, uma barraca e um cata-vento.

A mulher desmaiou.

É, eu acho que deveria ter ido por partes.

Mas acredito que ela consiga isso pra mim.

Assim, vou até dar um tempo para ela. Umas duas horas já estão de bom tamanho.

Saí rodopiando pela cidade, tudo ainda estava calmo, sereno e cândido.

O sol nem tinha aparecido direito.

E então os sinos da igreja tocaram.

E... Tudo mudou.

Portas se escancararam, todas ao mesmo tempo, revelando pessoas apressadas, que corriam de um lado para o outro, sem realmente ir a algum lugar.

É, a rotina aqui começa cedo.

Mas eu não tinha tempo para isso. Precisava de um plano. Urgentemente.

Iria começar as buscas pelas cidades, interrogando o povo.

Bati a porta de um chalé estrategicamente localizado no meio de uma praça.

Sem resposta.

Bati mais forte.

Ainda sem resposta.

Gritei "VOU ARROMBAR".

Nada.

Gritei "EU JÁ ESTOU PREPARADA. VOU ARROMBAR MESMO".

Tomei distância, sem me preocupar com os olhares curiosos. E fui.

Já estava me preparando para o impacto, quando, miraculosamente, não senti nada.

Sempre soube que eu era um super-herói. Até atravessava paredes e...

Por isso, nem me dei ao trabalho de parar.

PAF

Uia, achei a parede.

Sabe quando você começa a ver passarinhos rodando em cima da sua cabeça?

Pois é.

Abri os olhos e vi um senhor de aparência meio excêntrica me encarando.

- Eu não quero comprar vassouras mágicas – ele falou sério.

-Que ótimo, porque eu não vendo vassouras mágicas. A propósito, sou Charlotte... Habbyshaw. A sua disposição – fiz uma reverência.

-Que nome estranho... – ele comentou.

-É o que todos me dizem. Mas gosto dele. É original. Sou a única no mundo. Você pode ir no Google e comprovar.

- Google?

-Deixa pra lá – afastei um mosquito imaginário com as mãos. – Sou uma aventureira. Sabe, em busca de aventuras.

-Sei – ele assentiu com a cabeça, desconfiado.

- Então, como estava dizendo, estou em uma busca. A busca de algo que não pode ser tocado, visto ou ouvido, mas é de suprema importância para a restauração do equilíbrio da natureza. E eu preciso encontrar. Vidas dependem disso.

-A senhorita está procurando o Santo Graal? Porque, se for, ainda estão convocando alguns cavaleiros para a Távola Redon...

-NÃO, NÃO! Estou procurando a inspiração de alguém.

- E isso é possível?

-É sim, se você acreditar.

-E você anda lendo muita abobrinha, garota. Sugiro que comece o tratamento mais rápido possível – sorriu irônico. – Só por curiosidade, como você saberia se tivesse encontrado? A inspiração pularia na sua frente, ergueria os bracinhos e diria "Hullo, titia!"?

-Claro que não, isso seria ridículo.

-A senhorita tem problemas. – ele constatou.

-E o senhor não tem imaginação.

-E como a senhorita pode ter tanta certeza?

Respirei fundo e voltei a encarar o homem mais velho e ligeiramente rabugento. Havia algo familiar nele que eu não conseguia explicar.

-Desculpe-me, senhorita. – ele interrompeu, mais calmo. – Não estou no meu melhor humor hoje.

-Desculpe-me, também. – disse sinceramente. – Eu estou atrapalhando o senhor e a sua... – olhei para a escrivaninha – escrita.

-Não, tudo bem. Pode perguntar o que quiser.

-Bom, eu iria perguntar se a inspiração dele passou por aqui, mas eu acho melhor ficar calada.

Ele revirou os olhos e bufou.

-A inspiração de quem?

-De um... autor que eu conheço. Ele escreve, digamos, livros, uma série policial, se o senhor entende. Com assassinatos e pistas e deduções brilhantes. De uma qualidade formidável. E já conquistou muitas pessoas no mundo todo. Mas está passando por uma crise de inspiração, e todos os telespec... digo, leitores, estão desesperados. Eles querem que ele continue a história, dê um final a ela.

Os olhos do senhor brilharam por um momento, mas logo voltaram ao seu estado controlado habitual.

-Um autor de um drama policial? Conte-me mais.

- Então, eu embarquei nesta missão, e não irei parar até encontrar a inspiração dele, e levá-la de volta a sua cabeça em segurança.

-Criança – ele fechou os olhos como se procurasse palavras para continuar. – Sobre esse autor de quem fala, creio que não será possível ajudá-lo desse jeito.

-Por quê?

-A inspiração de um autor, de uma mente criativa, uma vez perdida, demora bastante para voltar. Precisa de estímulos. Sabe, não é aquela coisa de "eu quero que você volte, agora". Ela, simplesmente, vem. E você tem que aproveitar a chance, pois é como uma estrela cadente: passa rápido. Deve agarrá-la na primeira tentativa, senão, talvez ela demore a passar novamente. E só você pode fazer isso.

- Justamente, eu estou tentando fazer isso.

- Não, não. Só você mesmo pode fazer, ou seja, ninguém pode fazer por você. É algo bem pessoal.

-Então, realmente não há nada que eu possa fazer? – eu estava decepcionada.

-Na verdade, há sim. Autores gostam que seu trabalho seja reconhecido e prestigiado. Há muita cobrança em cima do seu autor no momento, muita pressão, ele pode estar sobrecarregado. A senhorita o conhece? Elogie-o, fale o quanto seu livro é importante, sobre como ele é influente na sua vida. Agora, diga-me, que livro é esse?

-Provavelmente a senhor não conhece e não vale muito a pena conhecer agora.

-Neste caso, agora, é só esperar. Não se desespere. O problema não é seu para resolver.

Eu sorri.

-O senhor fala com tanta convicção... Como se conhecesse do assunto.

Ele encarou um espaço fixo no chão por alguns segundos. Não pressionei.

-Eu sou escritor – começou. – Mas no auge da minha carreira, dos meus livros, matei meu personagem principal. Não sei se foi a melhor escolha. Os leitores vieram com uma pedra em cada mão. Sinto-me arrependido e não sei o que fazer.

-Isso é terrível.

-Eu sei – concordou, com um fio de voz. – Meu personagem tornou-se tão importante para mim quanto um grande amigo, e devo admitir que sinto falta dele.

-Interessante. Foi num ponto parecido da história que o meu autor empacou.

-Inventar uma falsa morte parece uma ideia absurda agora, dadas as circunstâncias em que ela aconteceu. Ninguém aceitaria algo forçado demais, obviamente não, mas parece impossível criar uma explicação racional para a história.

-O senhor já tentou?

-Aí está a questão – ele frisou. – Encontro-me com um... bloqueio criativo. Uma crise de inspiração, como preferir.

Eu sorri mais uma vez. Nada como estar nos sapatos dos outros.

-Penso nos meus leitores mais fiéis – disse melancólico. – Tive que me afastar da escrita por um tempo, até tudo se acalmar.

-Se o livro é tão importante para o senhor, e se seus leitores são mesmo fiéis, eles voltarão. Por favor, não desista. Preciso saber que há, de fato, cura para essa doença tão devastadora.

Ele considerou por alguns momentos. Então, sem aviso algum, guiou-me em direção a porta. Ele estava me mandando embora? Estendeu a mão para mim. –Ainda não me apresentei devidamente, e por isso peço perdão. – mudou de assunto bruscamente. – Caso queira tirar a prova e ler os contos por si mesma, e assim tirar suas conclusões, procure pelos trabalhos de Arthur Conan Doyle. Tenha uma ótima tarde, senhorita.

Eu não estendi a mão em retorno.

Eu não conseguia ao menos respirar.

Seria possível estar hiperventilando naquele momento?

Oh. My. Fucking. God.

-ELE NUNCA CAIU! – gritei na soleira da porta. –ELE NUNCA SE JOGOU, FOI ASSIM QUE SOBREVIVEU! O SENHOR TÁ ENTENDENDO? ELE FEZ TODOS ACREDITAREM QUE ELE SE JOGOU E LEVOU O OUTRO JUNTO, MAS NA VERDADE, NUNCA FOI ASSIM! OH! OH! COMO A VIDA É BELA! POR FAVOR, LEMBRE-SE DISSO, SIR ARTHUR CONAN DOYLE. LEMBRE-SE DISSO!

Eu nunca fiquei para ouvir a resposta, porque já estava correndo loucamente pela cidade, esbarrando nas pessoas e dando gritinhos de emoção, sem rumo.

Aquele era o escritor, O Escritor. O primeiro e único. Sir Arthur Conan Doyle. O homem.

Em algum momento, percebi que havia caído para trás e estava agora de perninhas para o ar rodeada por uma multidão de curiosos, alguns me cutucando levemente para saber se eu estava bem.

-ESTOU ESPETACULAR! – respondi. – Todo mundo gosta de um final feliz, né, todo mundo gosta de um final feliz, né! – fiquei repetindo enquanto as pessoas concordavam comigo com a cabeça, não sei se por opinião ou por medo mesmo.

-E se não souber o que colocar no final – continuei em tom didático. – é só escrever um "e foram felizes para sempre"! Já existe essa expressão?

Alguns fizeram caras de desentendidos e confusos.

-Pois bem, esqueci que estava na idade da pedra! – sentia-me ligeiramente embrigada.- Pooodem usar a expressão, é muito boa, vai fazer sucesso, eu garanto. ADEUS, PESSOAL!

As pessoas acenaram de volta, algumas rindo, outras entusiasmadas mesmo, enquanto eu corria de volta para a pensão, ficando ainda mais sem fôlego.

Então Moffat eventualmente iria acabar recuperando sua inspiração e nos surpreendendo de novo, agora eu estava convicta. A única coisa que eu precisava fazer era esperar. E esperar. E tentar me ocupar enquanto isso.

Era muita informação pra um dia só, muita informação pra um dia só. Quando me viu, a governanta apareceu equilibrando uma bolsa pesada com os braços, gingando pelo corredor.

- Aqui está, senhorita! Tudo que você pediu. Tive que rodar Londres inteira, mas consegui, está tudinho aqui!

-Não precisarei mais. Pode jogar fora.

Ela me encarava incrédula.

Eu fui embora.

Subi para o meu quarto no 27º andar, com meu fiel companheiro Watson na bolsa.

Minha aventura havia então acabado. Da forma mais não convencional e bizarra possível, e sinto que meu pobre coração nunca mais será o mesmo.

De qualquer forma, espero ter a oportunidade de enfrentar dragões roxos com listras cor-de-burro-quando-foge da próxima vez.

Afinal, o sonho é meu.

AH! É UM SONHO, POXA! Só um sonho, poxa.

...

E agora? O que eu faço?

Talvez eu volte. Será que alguém sentiu minha falta?

Aliás, o que eu faço mesmo pra voltar?

AH, SIM! Vi em algum lugar que quando você morre no seu sonho, você acorda. Eu podia tentar morrer do jeito mais legal possível, e ainda acordaria! VEJA QUE MARAVILHA!

Decidi que iria morrer pulando do telhado da pensão. 27 andares. Parecia uma boa forma para morrer, bem original.

Mas antes, precisava ter a garantia de que meu amigo Watson ficaria bem. Andei pelas ruas, e vi um senhor maltrapilho sentado no chão pedindo esmolas. Ele me disse que cuidaria muito bem dele, enquanto lambia os beiços. Como as pessoas aqui são meigas, né?

Não sei como, em um momento estava acenando para uma freira, e no outro já havia voltado para o 27º andar. Pelo menos assim eu economizava metade da viagem.

Não pensei duas vezes e pulei. Mas eu nunca cheguei a sentir o baque do meu corpo contra o chão.

-CHARLOTTEEEEEE! – ouvi alguém gritar.

-O QUE É? – gritei de volta.

Mas que droga, bela maneira de voltar do melhor sonho de uma geração. Ninguém NUNCA me visita aqui no meu place, só o cara do aluguel quando quer vir me cobrar. JUSTO HOOOOJE ELE RESOLVE VIR?

-Olá, maninha! – disse minha sorridente e psicopática irmã, Sophie. Muitos diziam que ela ocupava um cargo mínimo na produção da revista de fofocas das celebridades, mas poucos sabiam que na verdade era ela que produzia as fofocas. E espalhava por aí, também.

Um ser humano terrível. Desprezível. Terrivelmente... fofo.

-O que você quer agora, Sophie? – perguntei rispidamente, ainda deitada, sem tirar os olhos da goteira no teto.

-Olhe como o céu está lindo, Lotte! - ela abriu as cortinas. -Sua irmã não pode simplesmente resolver visitá-la num belo dia como esse?

-É claro que não. Você quer alguma coisa. Um abraço, ou coisa ainda pior.

-Vamos jantar!

-Não estou com fome.

-Até você precisa comer, querida.

-Não agora.

-Então vamos passear com meu gato Stu!

-Not my division.

-Passar trotes?

-Not really my area.

-Tudo bem. Agora que você acabou com as minhas opções divertidas para passar um dia alegre com você, o que iremos fazer?

A sua meiguice estava me irritando mais que o normal hoje, e eu procurei discretamente por minha pistola d'água.

-Olha pra esse lugar, criatura. – falou distraída. – É cheio de trecos. ALGUMA COISA de legal deve ter.

Ela remexeu um baú antigo no canto da sala.

-Hey, achei o Monopoly! Vamos jogar? – bateu palminhas. – Eu sou o verde.

-Eu sou o roxo.

-Não tem essa cor.

-MAS QUE DROGA! Táá, eu sou o verde.

-Mas eu já sou o verde.

-Escolhe outro.

-Tá bom... – ela se convenceu.

-Mas você não vai me dar nem um abraço? – o olho esquerdo dela tremeu.

-NÃO! Eu já disse, nada de demonstrações de afeto, é feio. Afinal, era assim que as pessoas faziam no passado, e eu não pretendo mudar agora.

-Que papo de passado é esse, logo agora?

-Nada, não... Olha, comprei a Barra da Tijuca.

FIM

E eles foram felizes para sempre... Ou até o próximo capítulo dessa novela eletrizante, o que já é o bastante.

Tá, parei. Juro.


Conto introdutório da série Charlotte Holmes - não influencia as próximas histórias.

A partir de agora, esqueçam que o Moffat existe neste universo. Hoho.

Até a próxima, pessoal!