Capítulo Um – Lembranças que não podem ser esquecidas

Era uma noite escura e sombria; não era possível ouvir nenhum som, exceto sua própria respiração: arfante e ansiosa. De repente ele ouviu um grito, alto e desesperado, cortando o silêncio da noite; depois de gemidos de agonia, o som de algo sendo jogado a um líquido, produzia um som aquoso. Alguém se aproximava, seu rosto era indecifrável e irreconhecível, mas o sentimento de nojo, repúdio e sobretudo raiva, não podia ser reprimido em seu coração angustiado. Essa pessoa, ou o que fosse, se aproximou mais e mais, e quando já estava face a face, fez-lhe um ferimento profundo em seu braço, que começou a sangrar ineterruptamente. A pessoa recolheu o sangue que escorria livremente e o levou mais à frente, onde o despejou no mesmo líquido anterior e o som aquoso pôde ser ouvido novamente; depois disso caiu, gemendo e chorando no chão. Uma névoa espessa começou a se formar e à medida que esta se dissipava, uma silhueta começou a aparecer; seu coração bateu mais forte e angustiado, ele sabia quem era, aquela sombra que o perseguia sempre, que nunca desistia, obstinada em sua sede de vingança e em seu ódio profundo. Não pôde mais reprimir um grito de dor.

Harry Potter acordou assustado. Sentou-se na cama e apalpou a cicatriz em forma de raio em sua testa; ardia intensamente, uma dor suportável, mas ainda assim irritante. Mas essa não era sua maior preocupação. Novamente teve aquele mesmo sonho, em que relembrava todos os fatos que aconteceram há apenas algumas semanas, mas que pareciam anos.

Harry não podia dizer que era um garoto comum; para começar, ele era um bruxo, o que já podia ser chamado de estranho, mas mesmo para os padrões dos bruxos ele ainda assim era diferente.

Um garoto magricela, de cabelos negros e despenteados, óculos redondos, olhos de um verde intenso e uma cicatriz em forma de raio na testa: essa poderia ser a descrição de Harry, porém muita coisa estava escondida atrás disso. Entre os bruxos, Harry Potter é um nome conhecido e respeitado desde alguns anos, quando o garoto, apenas um bebê, conseguiu derrotar o bruxo mais maligno dos últimos tempos, Lord Voldemort.

Um pouco menos de quatorze anos antes, os pais de Harry, Lílian e Tiago Potter, foram mortos por esse mesmo bruxo e o garoto foi o único sobrevivente. Quando o Lord das Trevas lançou a pior das três maldições imperdoáveis, o Avada Kedavra, com o intuito de matar Harry, o feitiço se virou contra o feiticeiro e foi Voldemort que recebeu todo o impacto do feitiço transformando-se em uma mera sombra que vagou durante anos sem poderes nem destino, mas sem esquecer o ódio e o desejo de vingança. A Harry restou apenas uma cicatriz em forma de raio em sua testa, a mesma que estava doendo nesse instante.

Isso angustiava o garoto imensamente, pois ele sabia que sua cicatriz doía apenas quando Voldemort estava por perto, ou tendo pensamentos de ódio o envolvendo. E para agravar isso, no final do último semestre Harry se encontrou novamente com o Lord, que ressurgiu, recuperando seu corpo e seus poderes.

Era exatamente isso que Harry acabara de lembrar com esse sonho, que vinha repetindo-se constantemente. Era doloroso relembrar esses fatos, mas mesmo que Harry tentasse retardá-los ou esquecê-los, não conseguia e chegou à conclusão que isso seria impossível, e o melhor seria resignar-se.

Harry colocou seus óculos que estavam sobre a mesa de cabeceira e o quarto entrou em foco. Dirigiu-se até o parapeito da janela, para observar a noite. Passou pela escrivaninha, onde viu Edwiges, sua coruja branca de estimação, dormindo dentro de sua gaiola, com o bico debaixo da asa. O garoto conseguiu sorrir; veio então à sua mente o momento em que a ganhou, foi no mesmo dia em que completava onze anos e descobriu que era um bruxo. A coruja, que era agora sua fiel companheira, foi o seu primeiro presente de aniversário, dada pelo seu amigo, Rúbeo Hagrid, guarda-caça e professor de Trato de Criaturas Mágicas na Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts, onde Harry estudava.

O garoto, então, olhou pela janela e viu a noite escura. A Rua dos Alfeneiros, onde Harry morava, ou melhor, passava suas férias, já que Harry considerava Hogwarts sua verdadeira casa, estava deserta e silenciosa. Naquele momento, mais do que nunca, Harry se sentiu solitário. Sentia falta de Hogwarts, seus amigos, principalmente Rony Weasley e Hermione Granger, seus melhores amigos, do quadribol, o esporte dos bruxos, no qual Harry fazia parte do time da Grifinória, sua Casa em Hogwarts; até das aulas o garoto sentia saudade, menos, talvez, da aula de Poções, já que o professor dessa matéria era Severo Snape, extremamente implicante, principalmente com Harry, o qual odiava profundamente.

De repente, o silêncio da rua foi interrompido. Harry olhou para baixo pela janela e viu um cachorro negro andando na calçada. Imediatamente veio-lhe à cabeça a imagem de Sirius Black, seu padrinho, que era um animago e podia se transformar exatamente em um cão negro, como aquele. Mas Sirius era visto como um perigoso criminoso, procurado por um crime que não cometera. Harry chegou à conclusão de que aquele cão não poderia ser seu padrinho e voltou para a cama.

Tirou os óculos e deitou-se. O cachorro veio novamente à sua mente. "Não, não pode ser ele", disse para si mesmo. "Sirius está sendo procurado e seria muito arriscado para ele vir até aqui." Pensando nisso e completamente esquecido do sonho, adormeceu, vencido pelo sono e cansaço.

Como estava enganado...

- Vamos, acorde! Vai ficar dormindo o dia todo? – tia Petúnia gritou, praticamente esmurrando a porta do quarto de Harry.

Harry escutou, mas resolveu continuar na cama. Ainda estava com sono e não ia levantar só porque ela queria. Virou-se para o outro lado da cama, tentando dormir novamente, mas ouviu passos do lado de sua cama. De repente a luz ofuscou seus olhos.

- Eu já disse para levantar, será que vou ter que repetir? – a voz esganiçada de tia Petúnia novamente penetrou nos ouvidos de Harry. – Você tem muito o que fazer hoje, levante-se!

Harry então abriu os olhos e viu que a janela estava aberta. Colocou os óculos e encarou a tia. Ela estava com sua cara mais feia e a semelhança com um cavalo era ainda maior agora de manhã quando seus olhos estavam inchados e o cabelo ligeiramente despenteado. Ela disse:

- Ah, finalmente acordou! Nunca vi alguém tão preguiçoso como você! Já são sete da manhã e você aí, dormindo!

Preguiçoso? Aquilo era a gota d'água! Como ela poderia chamar alguém de preguiçoso tendo um filho como Duda, que além de ser um porco, era um porco folgado? Harry teve que se controlar muito para não dar uma resposta à altura; ao invés disso, apenas comentou:

- Sete horas? Não acha que está um pouquinho cedo?

- Não, não está! Hoje é aniversário do Dudinha, esqueceu? Ele completa quinze anos e nós temos que preparar a festa surpresa! E você vai ajudar! Troque de roupa e desça!

Ela disse isso e desceu, batendo os pés. Harry se deixou cair na cama, com os braços abertos e, olhando para o teto do quarto disse:

- O que eu fiz para merecer isso?

Os Dursley eram a única família de Harry no mundo. Depois que os pais morreram, Harry passou a morar com os tios, que o odiavam profundamente e o motivo principal de tanto ódio era por ele ser um bruxo. Os Dursley eram uma família extremamente hipócrita, e o que eles mais queriam era mostrar para o mundo que eram a família perfeita e ter um bruxo na família, para eles, era motivo de vergonha.

Tia Petúnia era a irmã de Lílian, mãe de Harry. Ela era casada com Válter Dursley, que assim como o filho Duda, parecia um porco, mas bigodudo. Duda era o primo chato e gordo de Harry; hoje ele fazia aniversário e os pais estavam lhe preparando uma festa surpresa, que Harry sabia muito bem que não seria nenhuma surpresa para Duda, já que este já estava pressionando os pais desde o começo das férias para prepararem essa festa.

Harry se trocou e desceu as escadas em direção à cozinha e encontrou a tia preparando algumas coisas. Duda não estava em casa, tinha dormido na casa de um vizinho e tio Válter saíra para comprar algumas coisas. Tia Petúnia entregou a Harry um pedaço de pão amanhecido e um pouco de leite aguado. Harry comeu, resignado. Depois que ele terminou ela disse:

- Você vai me ajudar a encher os balões e a mudar os móveis de lugar. – disse isso e entregou ao garoto uma sacola cheia de balões vazios, devia ter uns duzentos dentro. – E quando você terminar, vai me ajudar com a comida. Agora suma e vá encher esses balões longe das minhas vistas!

O garoto então se retirou. Assim como a tia, ele também preferia ficar o mais longe possível de "suas vistas". Passou o dia inteiro enchendo balões e arrastando móveis. Quando finalmente terminou, o sol já se punha e ele estava exausto, praticamente caído no sofá. Tia Petúnia chegou na sala e vendo-o assim, disse logo:

- Descansando? Quando digo que você é preguiçoso... Bem, pelo menos vejo que terminou seu trabalho...

- Posso ir para o meu quarto agora? – Harry perguntou, já sabendo a resposta.

- Não! – ela respondeu. – Mas não vou precisar mais de você. Hoje você vai dormir na casa da Sra. Figg, eu já falei com ela.

- O quê? – exclamou o garoto. A Sra. Figg era uma senhora de idade, vizinha dos Dursleys, que sempre ficava com Harry quando os tios não podiam. E ela sempre lhe servia bolos duros e a sua casa cheirava a gatos. – Mas eu posso ficar no meu quarto, eu não vou fazer nada, juro!

- E você acha que eu vou acreditar nisso? Nem pensar! Se você quiser pegar algumas coisas suas pode ir ao seu quarto e depois, direto para a casa da Sra. Figg. Quero ver você fora de casa em cinco minutos.

Harry percebeu que não havia nada mais a fazer e subiu as escadas. Não que fosse pegar algo, não tinha nada e o que tinha (seus artefatos de magia) não podia levar. Foi até a escrivaninha e cutucou Edwiges.

- Eu vou passar a noite fora, Edwiges. – ele disse. – Amanhã eu volto, mas você, por favor, pode ficar quietinha aqui no quarto hoje e não sair nem fazer nenhum barulho?

A coruja fez um pio de indignação, mas acabou cedendo depois que o dono a acariciou. Harry, então, desceu e se dirigiu até a casa da Sra. Figg. Chegando lá, tocou a campainha e depois de um tempo ela atendeu. Estava já de camisola e com um xale nas costas. Ela então disse:

- Ah, é você Harry? Entre, vamos. – ela então abriu espaço para o garoto passar; parecia um pouco constrangida. O garoto apressou-se em falar:

- Desculpe se a estou atrapalhando, Sra. Figg, mas minha tia me mandou aqui e... Bem, ela falou com a senhora, não foi?

- Hein? Ah, sim ela falou. – enquanto falava, a velha senhora olhava para os lados, parecia preocupada com alguma coisa. Continuou a falar, agora um pouco mais aliviada e olhando para Harry. – Você comeu alguma coisa na casa de seus tios?

- Não. – Harry disse rápido, mas percebeu que isso não era muito educado, então continuou: – Quer dizer, não se preocupe, eu não quero incomodá-la.

- Tudo bem. – ela disse. – Eu vou preparar algo para você, espere aqui. – ela foi para dentro, deixando Harry sozinho.

Enquanto ela estava lá dentro Harry começou a olhar a sala, que continuava com cheiro de gato. De vez em quando ouvia a Sra. Figg falando com alguém lá dentro, mas pensava que ela devia estar falando com os gatos, ou coisa do tipo. Ficou olhando os retratos que estavam na estante e viu um que lhe chamou a atenção; era uma foto antiga, e uma menina estava na foto. A garotinha devia ter uns seis anos na foto e estava muito sorridente. Apesar da foto estar meio amarelada pelo tempo, Harry notou que a menina tinha o cabelo ruivo e olhos claros. Quando estava se aproximando um pouco mais para observar a foto melhor, ouviu a voz da Sra. Figg, alterada:

- Não mexa nisso!

- De... desculpe... – Harry disse, sobressaltado.

Em um salto, surpreendente para sua idade, a senhora cruzou a sala e pegou o retrato, pressionando a foto contra si.

- Eu não quero que mexa nas minhas coisas ou fique olhando-as, entendeu? – ela perguntou, autoritariamente.

- Desculpe. – Harry disse envergonhado. – Não era minha intenção, não vou olhar mais nada.

- Certo. Eu já arrumei um quarto para você, venha comigo.

Harry acompanhou a senhora até o quarto, que ficava nos fundos da casa e como todos os cômodos, cheirava a gato.

- Você fica aqui, espero que esteja bom. Fiz um lanche, está em cima da cama. Boa noite. – ela disse.

- Obrigado e desculpe pelo que aconteceu. – Harry respondeu.

Ela já estava indo embora e se virou. Olhou para Harry e quase sorriu. "Certo menino, agora boa noite." – disse e foi embora.

Harry voltou-se então para a comida: um copo de leite e alguns pedaços de bolo, encruados. Mas não ligou para isso, achou aquilo muito estranho. A Sra. Figg sempre fora uma senhora um tanto desligada, mas agora estava diferente, talvez até um pouco fria. Demorou um pouco para dormir, estava cedo, mas como não tinha nada o que fazer acabou dormindo, envolto em pensamentos e exausto do dia de trabalho que teve.