Entre lágrimas e sorrisos
Como explicar o que senti, quando ouvi o que aquele belo rapaz de profundos olhos azuis safira queria me dizer, a final de tudo.
- "Você não precisa machucar as pessoas para se sentir bem sobre você mesma."
Talvez ele esteja certo... Não, ele está certo, antes eu não entendia... Não havia ninguém lá para me explicar, e talvez tenha sido por isso que escolhi esse lado.
O bem nunca foi uma opção. Por que eu não tive opções.
Eu nasci conhecendo apenas o mal, e o meu destino como uma feiticeira da má sorte.
Eu nunca entendi o que fazia pessoas poderosas, como os Jovens Titãs há ficar do lado do bem.
Eu posso não ter tido muito contato com o mundo. Afinal, logo que nasci fui trancada em um templo. E por lá fiquei até meu mestre, e as outras quatro crianças que lá viviam comigo serem assassinados.
Mas, logo que sai de lá, eu vi que as pessoas não eram boas, o mundo não era gentil, nem acolhedor. Pelo menos, não para pessoas... Uhm... Como posso dizer... "Diferentes".
E as minhas esperanças de que as histórias horríveis que me eram contadas dentro do templo fossem mentiras, ou exageros; foram por água a baixo.
Era tudo real. Muito real.
E para mim, uma garota até meio inocente e infantil, louca por contos de fadas, ver que era tudo a mais pura verdade foi um baque enorme.
A partir daí, eu percebi... O mundo não se importa com as pessoas certas. Não posso dizer que não existe ninguém bom no mundo. Isso seria mentira. Mas o que posso lhe afirmar com certeza é que ninguém, nem os super-heróis, são completamente bons, todos temos um lado negro, porém existem pessoas que sabem controlá-lo, já outras, como eu, não sabemos.
Depois de alguns dias andando sem rumo pelo país, o Irmão Sangue me achou, me disse que eu tinha potencial, que eu poderia fazer pagar todos aqueles que negaram me ajudar quando precisei. E esse discurso, dito a uma garotinha desiludida, funcionou muito bem.
Foi assim que entrei na Academia H.I.V.E para jovens extraordinários.
Não posso dizer que foi uma época maravilhosa. Mas sempre fui uma garota com sede de conhecimento, sempre quis saber mais e mais, sempre quis entender tudo, apenas para nunca depender de ninguém. E para mim, era incrível aprender tudo aquilo, e ainda por cima, com o melhor dos mestres da H.I.V.E, sim, eu fui ensinada por ninguém mais, ninguém menos, que o próprio Irmão Sangue.
Só não foi maravilhosa, pelo fato de que sempre fui muito sozinha. Nunca tive amigos para compartilhar experiências, ou, quem sabe, para apenas conversar, e não me sentir tão mal quando não conseguia aprender algo na primeira vez. Mas nunca desisti de aprender por causa disso, quando não conseguia, tentava de novo e de novo, até conseguir. E consegui, tanto que me tornei uma das melhores alunas que a Academia H.I.V.E já teve.
Mas, o rapaz de olhos azuis... Deixou-me confusa, fez parecer que toda a luta, todo o empenho, tudo, foi pelo motivo errado.
E para falar a verdade, acho que foi mesmo.
Os H.I.V.E five já estão estranhando, não tenho mandado eles saírem para nada.
Logo eles vão perceber que tem algo errado comigo.
Mas, ainda vai demorar um pouco, já que eles estão muito ocupados construindo seus fortes de almofadas.
Não posso realmente acreditar que concordei em formar um time com esses idiotas...
Onde eu estava com a cabeça? Com certeza não aqui.
Preciso sair um pouco, ficar aqui dentro está me sufocando, e eu vou acabar perdendo a paciência com esses idiotas.
Talvez o parque esteja vazio essa hora, já é quase meia noite.
Sabe, não gosto quando fico fazendo isso, perdida em pensamentos. É quase como se eu estivesse falando comigo mesma. Isso é, sem dúvida, muito estranho.
De novo, me perdendo em pensamentos, nem reparei que já cheguei à praça.
Às vezes acho que minhas pernas já conhecem toda Jump City, já que eu nem estava olhando pra onde ia.
Eu gosto dessa praça, não que ela seja diferente das outras, apenas me sinto melhor nela do que na outras.
Uma grande sorte ser tão tarde da noite, assim posso ficar com meu banco favorito.
Sentei no banco e olhei para o céu, estava bonito, bem estrelado, e era visível uma grande, redonda e brilhante lua.
-"Passeando sozinha?" – Ouvi uma voz atrás de mim perguntar.
Eu senti os fios cor-de-rosa de cabelo da minha nuca se arrepiarem. Eu conhecia aquela voz, mas não esperava ouvi-la de novo.
-"Uhm... não vai responder?" – A voz perguntou, em um tom magoado.
-"A-a, eu... é... vou?" – Nossa! O que foi isso que eu disse?
-"Não se preocupe, as garotas ficam assim perto de mim" – Ele respondeu com um sorriso convencido.
Essa frase fez meu sangue fervilhar.
-"Coitado, eu só estava tentando ser educada, mas já que você vai ser convencido, acho que posso deixar a educação de lado não é?" – Só ele pra me deixar falar uma besteira dessas... Como eu o odeio, é isso mesmo que você ouviu ODEIO não amo, nem gosto, ODEIO.
-"Aha" – ele disse com uma voz de que não estava convencido do que eu havia dito, e para falar a verdade, eu também não estava. – "De qualquer jeito... Quer tomar um sorvete?".
Sorvete? Esse cara só pode estar brincando. Eu Jinx, tomar sorvete com Kid Flash?
Nunca. Quer dizer... Talvez...
-"Claro." – Não, não, eu não disse isso, eu disse não, nunca, nem arrastada. Minha boca é má, muito má.
-"Mesmo? Quer dizer não vou ter que insistir, nem implorar?" - Ele pareceu tão surpreso quanto eu ao ver que não ia ter que insistir.
Só então ele notou minha expressão, a mesma expressão que ele tinha feito, e ele pareceu entender que eu também estava chocada com o que havia acabado de dizer.
-"Ok. Você gosta de qual sabor? Gosto de chocolate, e baunilha." – Ele disse tudo isso muito rápido, parecia animado.
-"Ahm... eu prefiro morango e cereja." – Isso era ridículo, queria tanto revê-lo, e quando isso finalmente acontece, começamos a conversar sobre sabores de sorvete.
Não me vinha nada inteligente para dizer naquele momento, então preferi ficar quieta.
O mesmo dilema, porém, parecia acontecer com ele.
-"Não se preocupe..." – Falei vagamente, quando ele virou os olhos azuis para mim decidi continuar. –"Os garotos ficam assim perto de mim." – Terminei com um sorriso vitorioso.
Quando me virei para ele novamente ele estava rindo. Rindo? Ele estava rindo! Eu o fiz rir!
-"É verdade... Tenho que tomar cuidado..." – Ele disse vagamente.
Não entendi o que ele disse. Por que tomar cuidado. Até que uma luz passou pela minha cabeça.
-"É, eu também. Quero dizer, o que vão dizer se nos virem aqui, tomando sorvete... Juntos. Provavelmente vão me matar." – Eu terminei com um sorriso.
-"Não era disso que eu estava falando, mas entendo os titãs também fariam isso. Mas qualquer coisa, eu digo que você me enfeitiçou, o que não é mentira." – Ele sorriu. –"Acha que se te pegassem comigo iam te mandar de volta para a Academia?"
"-Você não ouviu o que eu disse? Se me acharem com você, eles vão me matar. Talvez me mandem para a Academia para ser torturada e morta lá... Mas não tenho certeza."- Ele pareceu levar um susto.
-"Você não tava brincando? Quero dizer, eles te matariam mesmo?"
-"Claro que sim, eu estou confraternizando com o inimigo. A punição é a morte."-Aquilo não me assustava nem um pouco, eu sou poderosa o suficiente para acabar com qualquer idiota que chegar muito perto de mim.
-"E isso não te assusta?" - Ele me perguntou com um olhar preocupado.
-"Não"- Fui sincera – "Eu cresci ouvindo o quanto o mundo era horrível, me livrar dele mais cedo não me parece um castigo."
Ele me olhou de um jeito estranho, havia algo no olhar dele que eu nunca tinha visto.
Não era pena, nem tristeza, era mais como carinho, como se ele quisesse afastar todos esses pensamentos horríveis que passam pela minha mente.
-"Jinx..." – Ele segurou forte minha mão que estava posta encima da mesa. – "O mundo não é tão horrível como você pensa. Nem todo mundo é horrível como você pensa."
Um calor muito forte subiu pelos dedos da minha mão e tomou conta de todo meu corpo, espero que ele não tenha sentido.
-"Claro que é." – Eu responde triste. –"Vocês super-heróis perdem tanto tempo se importando com pessoas comuns."- Parei para pegar um pouco de ar. –" Pessoas que não dão à mínima se vocês estão bem. E pra que? Pra que se importar com essas pessoas. No final, elas são como nós vilões."
-"Você quer comparar vilões, com pessoas comuns?" – Ele pareceu confuso.
-"Somos todos mesquinhos e desonestos."- Eu disse simplesmente.
-"Nem todo mundo é assim..."
-"Eu não disse que todo mundo é, eu disse que as pessoas comuns e os vilões são assim."
-"Você não é assim." – Eu o olhei. Como ele podia dizer isso, não conhecia nenhuma pessoa mais desonesta do que eu mesma.
-"Quer pessoa mais desonesta que eu?" – Perguntei incrédula.
-"Você não é assim, não precisa ser." – Ele parou, como se estivesse escolhendo palavras. – "Isso é apenas uma máscara Jinx, eu sei que é. Mas eu posso ver através dessa máscara, e eu sei que o que eu vejo, é o que realmente você é."
As palavras dele foram como um soco. Tanto tempo, tantas mentiras, tanta força, tanta energia para criar essa máscara de ferro, fria, intransponível, e para que?
Para que? Se ele pode enxergar a verdade, nua e fria. Eu falhara, falhara na construção de minha mais poderosa arma. E nessa hora, nem a mentira, minha maior aliada, poderia ajudar-me.
-"Vo-você não sabe nada sobre mim." – Eu gaguejei. –"Ninguém sabe a verdade."
-"Por que você não deixa! Me deixa te conhecer Jinx. Eu preciso conhecer."
Eu senti algo quente chegar aos meus olhos. Lágrimas... A quanto tempo eu não chorava? Há quanto tempo eu não me permitia isso?
Ele estava me desarmando, destruindo toda a mentira que era a minha vida, pouco a pouco.
E parecia orgulhoso disso.
Eu corri, corri o mais rápido que eu pude. O que eu mais preciso agora é de um refúgio, mas o máximo que consegui foi chegar até o parque onde estávamos até ele me alcançar.
-"Jinx, espera!"
Como ele podia pedir isso? Minha vida, minha doce mentira, tudo pelo que eu lutei,
tudo que um dia eu considerei certo, tudo destruído, tudo isso escorrendo pelos meus longos e finos dedos. Minha máscara estava caindo, ele a estava tirando de mim, arrancando-a de meu rosto, apenas pelo desejo de ver quem eu realmente sou.
Eu parei, estava ofegante, minha sorte era que havia uma árvore ao meu lado, se não eu juro que teria caído no chão.
-"Jinx, eu não queria te magoar nem nada, eu só..."- Ele parou de falar no momento em que virei meu rosto para ele, parecia ter levado um soco ao ver minha expressão de pura dor.
Ele me puxou pela mão em um forte abraço, um abraço, eu não posso acreditar. Meu primeiro abraço em toda a minha vida. E posso dizer, não há nada melhor do que isso.
-"Desculpe, não queria fazer você se sentir mal, apenas, queria te conhecer melhor." – Ele sussurrou no meu ouvido. E eu me aconcheguei ainda mais naquele abraço, e ali, no ombro dele, eu chorei.
Chorei pelas mentiras, chorei por uma vida, chorei de confusão, chorei de tristeza, chorei pela saudade, e pela falta, chorei pelos motivos certos, e errados. Chorei pela primeira vez em anos.
E me senti bem por isso, me senti bem por ter alguém para dividir toda a dor. Alguém que não fosse me julgar ou rir de mim nesse momento de fraqueza. Alguém que só queria ajudar, sem receber nada em troca, alguém que só queria ser gentil, alguém que só queria poder sussurrar doces palavras de acalanto em meu ouvido.
Eu procurei por esse alguém toda a minha vida, e finalmente, depois de tantos anos de desesperança, eu achei. Achei tudo que eu mais queria na última pessoa que pensaria. Na pessoa mais diferente o possível de mim. Mas, a pessoa que viu a verdade e a inocência em mim, quando ninguém mais viu.
A pessoa que decidiu lutar por mim, apesar de não ter minha completa ajuda. A pessoa que eu mais admiro nesse mundo. A pessoa que me ensinou que o mundo, não é aquilo que me ensinaram, nem aquilo que eu vi da primeira vez.
A pessoa que me ensinou que o mundo pode ser belo, mesmo quando tudo parece errado e feio, é só você olhar direito, e você verá o que quiser ver.
Minhas lágrimas já haviam cessado, mas nós continuávamos abraçados na noite estrelada.
Ele acariciou minha cabeça delicadamente, como um carinho. E eu fechei meus olhos para senti-lo mais profundamente.
-"Está melhor?" – Ele me perguntou com carinho.
Eu apenas balancei minha cabeça, como se dissesse que sim. E me afastei um pouco dele, apenas o suficiente para ver o rosto dele.
Ele me sorriu, daquele jeito cativante, que me fazia derreter.
-"Você entende agora, não é?" – Perguntou-me com carinho e paciência.
-"Entendo. Você estava certo todo o tempo, mas eu fui orgulhosa demais para admitir que estava errada." –Deixei todo meu orgulho de lado para responder essa pergunta.
Ele acariciou meu rosto, e olhou fundo nos meus olhos cor-de-rosa.
-"Estou orgulhoso de você." – Ele disse em meu ouvido. Ao ver minha expressão confusa ele me explicou. –"Deve ser muito difícil para você, admitir que tudo estava errado, e que precisava de ajuda para torná-lo certo. Sei o quanto você gosta de ser independente de qualquer um."– Ele terminou sorrindo.
Como ele pode me entender tão bem? É como se ele me conhecesse melhor do que eu mesma. E eu só o conheço há alguns dias. Isso me intriga e me deixa um pouco constrangida, me sinto nua na frente dele. Como se ele pudesse despir minha alma e explorá-la milímetro por milímetro. Parte por parte.
É uma sensação inexplicável, boa... Mas inexplicável.
-"Obrigado Kid Flash..." – Eu disse olhando dentro dos olhos dele. –"Obrigado por tudo. Nunca vou me esquecer do que você fez por mim." – A mais pura verdade.
-"Não quero que me agradeça Jinx. Apenas quero que pense nas suas escolhas, e que você veja que agora tem opções."
... Eu sorri, não preciso mais pensar. Tive muito tempo para pensar, e fiz as escolhas erradas. Mas sei que agora não vou mais errar, por que agora eu tenho Kid Flash ao meu lado. E sei que ele vai estar lá para me pegar quando eu cair, e que vai me ajudar a reparar meus erros.
-"Será que os titãs me aceitariam?" – Eu perguntei como se fosse a coisa mais normal do mundo.
Impossível descrever a expressão no rosto de Kid Flash no momento em que falei isso.
Ele abriu o maior e mais brilhante sorriso que eu já o vi dar. Abraçou-me forte, e me rodou em seus braços.
Quando ele me colocou no chão, estávamos os dois rindo alegres. Como se já nos conhecêssemos há anos, como se nada tivesse acontecido antes.
Ainda sorrindo nós nos olhamos, e eu percebi o quão perto estávamos. Podia sentir o hálito dele ainda gelado do sorvete que tínhamos tomado.
Os olhos azuis penetrando os meus cor-de-rosa.
Nossos narizes quase se tocando. A boca rosada dele perto da minha.
E então, em um movimento rápido, ele quebrou a distância entre nós, e me beijou.
Começou como um beijo calmo, um singelo toque de lábios. E com o tempo foi se aprofundando. Até terminar com nós dois ofegantes e rubros pelo que tinha acabado de acontecer.
-"Feche os olhos." – Ele me pediu educado. Eu olhei desconfiada. –"Não se preocupe, é rápido. Feche os olhos e conte até cinco."
Eu obedeci.
-"Um." – Senti ele aproximar o rosto do meu
-"Dois." – Ele teve certeza que meus olhos estavam fechados.
-"Três." – Senti um vento forte passar por mim.
-"Quatro." – Silêncio completo.
-"Cinco." – Abri meus olhos, para encontrá-lo parado diante de mim com uma bela rosa vermelha nas mãos.
Eu toquei a rosa com cuidado, com medo de que ela quebrasse ao mínimo toque.
Olhei para a rosa, e novamente para ele.
O abracei forte e nós nos beijamos novamente.
Entre lágrimas e sorrisos, estão os momentos e pessoas que realmente importam em nossas vidas.
-FIM-
NA: Espero que tenham gostado da fic... E daqui a alguns dias eu posto o segundo capitulo que é a versão do Kid Flash pra toda essa história.
Please Review (Y)
