Olá!
Cá estou eu novamente com uma nova fic. É a tradução de 'Magia Pura' um fic da escritora, nikachan123. Todos os méritos da fic pertencem-lhe. As personagens pertencem a J.K.Rowling, sem qualquer fim lucrativo. Todavia, determinadas personagens são unicamente de nikachan123.
Aviso-vos que as actualizações poderão demorar um pouco, porque conciliar a vida pessoal e escolar, com as fics, torna-se deveras complicado. Contudo, irei fazer os possíveis para que sejam sempre brindados com um capítulo num curto espaço tempo de demora.
E eu preciso de uma beta. Se alguém quiser candidatar-se, é a favor.
Espero que gostem e desejo-vos uma boa leitura!
Magia Pura
Por nikachan123
Capítulo 1.: Prólogo
Hedwig foi uma mera observadora do que naquela noite aconteceu no número quatro de Privet Drive. Como cada noite desde o seu regresso de Hogwarts, limitava-se a observar o seu dono. Algo mudou nele. Algo estava diferente. Não era o mesmo amo alegre de sempre, algo aconteceu, algo que o mudou, algo que o havia mudado e Hedwig estava praticamente convencida que se tratava daquele homem moreno, a quem em sonhos e entre movimentos estando adormecido, o seu pequeno e jovem amo chamava por seu nome… Sirius…
Apenas levavam uma semana naquela casa em que via sem fazer nada como gritavam ao seu jovem amo e era consciente do muito que este estava a sofrer. Podia percebê-lo. Era estranho. Nunca antes lhe havia passado aquilo com ninguém, com nenhum outro humano… mas no mesmo momento em que o conheceu, no mesmo momento em que os olhos verdes do jovem rapaz se pousaram nela, quando havia sentido como acariciava as suas plumas com suavidade, incrédulo, incapaz de entender que ela era sua desde aquele momento, como se se perguntasse o que tinha feito de bom para a merecer… sentiu-o… uma união estranha que não se produzia desde faz milhares de anos entre uma coruja e um humano… uma união que a fazia participar nos seus pensamentos, nos seus sentimentos e de que o jovem amo não era consciente.
Por isso, era precisamente por aquilo por que durante a última semana velava os seus sonhos continuamente, sem despegar os seus grandes olhos do rosto cansado do rapaz, vendo como se movia naquela pequena e incomoda cama, afastando as cobertas suadas para os pés do catre numa tentativa de tentar dormir em noites de sufocante calor; sentindo a sua angústia no peito, quase vivendo os mesmos sonhos atormentados que cruzavam a cabeça do jovem amo.
Um novo movimento fez com que o seu antebraço direito ficasse ao descoberto para ela. E apesar da metade da luz do quarto, que consistia unicamente na luz da lua entrando pela pequena janela gradeada, como se fosse um vulgar criminoso, pôde distinguir uma fina linha avermelhada que se estendia na horizontal na base da mão, a mesma marca que viu no dia anterior, na outra mão, a marca da angústia que ela sentia que era certo e que o temor que sentia pelo seu jovem amo era um temor justificado, pois só a quatro dias do seu regresso de Hogwarts, o seu jovem amo havia tentado atentar contra a sua própria vida. Como não tinha conseguido, depois de ver ambas cicatrizes, era algo que escapava ao entendimento de uma simples coruja como ela.
O quarto iluminou-se com uma débil luz azulada e Hedwig colocou-se em alerta. Conhecia aquela aura. Todas as corujas que precisaram de passar um certo tempo em Hogwarts, deveriam conhecê-la. Dumbledore. Albus Dumbledore. O que fazia aquele homem ali?
Piou suavemente quando a figura do mago adulto se estabilizou por completo no quarto do seu jovem amo e, compartindo os mesmos temores do seu dono incluso estando este dormindo, quiçá em acto de reflexo, a coruja mirou para a porta fechada por fora com cadeado, temerosa de que alguém de casa pudesse estar acordado e pudesse dar-se conta, de algum modo, de que algo estranho estivesse a ocorrer naquele lugar.
- Tranquila, Hedwig… – sussurrou o homem mirando-a. - … tudo estará bem a partir de agora…
Ela mirou-o sem fazer nenhum movimento. E tão-pouco disse nada quando o viu inclinar-se sobre a cabeceira da cama do seu dono com a varinha no alto; seguiu em silêncio quando um pequeno detalhe dourado saiu da ponta da varinha de Dumbledore criando um pequeno aro de luz que rodeou a frente do seu jovem amo, iluminando de forma breve mas intensa a cicatriz em forma de raio que o rapaz tinha na frente. Um leve sussurro por parte do mago e a luz dourada brilhou com tons esverdeados antes de desaparecer.
Hedwig ululou e os olhos de Dumbledore, cansados, giraram para ela.
- Agora estará bem… tinha que fazê-lo, Hedwig… não posso desejar que se funda mais… o mundo mágico não pode perdê-lo… - girou-se lentamente para o rapaz ainda dormindo e suspirou. – Lamento…
Desapareceu. Hedwig viu como tão pronto e do mesmo modo silencioso em que Dumbledore apareceu, tornou a desaparecer. A habitação de novo sumida na obscuridade, a única luz da janela. A angústia do seu amo desaparecendo levemente, um novo sentimento de confusão crescendo dentro dela.
Mirou o seu dono antes de salvar a distância que a separava dele com um par de batimentos suaves, para acomodar-se a seu lado, do mesmo modo que o fez toda a semana, como se de algum modo, pensasse que daquela maneira, o seu dono se sentiria protegido, ou ao menos, não tão só. O rapaz franziu o cenho mas aceitou o calor da coruja, acariciando a sua plumagem de forma inconsciente… as suas memórias começaram a modificar-se dentro da sua cabeça, alguns a mudar, outros a desaparecer… e Harry Potter não foi consciente de nada disso.
Algo havia passado. Algo havia acontecido. A conexão que tinha com Potter indicava-o… Aquela mesma noite havia passado algo mas não estava seguro do que poderia ser. Havia-se despertado quando uma forte angústia havia apunhalado o seu peito como se de algum modo lhe estivesse indicando que algo andava mal. Nagini havia-se enroscado ao seu lado na cama, com meio corpo sobre o seu próprio, com os olhos estreitos e amarelos mirando-lhe fixamente, disposta a atacar no momento em que ele lhe ordenasse, como sempre foi, como sempre deveria ter sido.
- Tranquila, pequena… - sussurrou-lhe á sua mascote na única linguagem que eles os dois conheciam. - … tudo está bem… Tenho que saber o que aconteceu a Potter… Vai buscar Malfoy e Bella. – ordenou á serpente.
Nagini deslizou por cima do corpo do seu amo até ao solo e de ali à porta que se abriu com um gesto de varinha de quem uma vez havia sido Tom Riddle.
Voldemort levantou-se da cama. Sim. Algo havia passado. Angústia, tristeza reprimida, dor inconsciente, medo ao desconhecido… Sorriu malevolamente. Só havia uma razão por que Potter ou qualquer outro mortal pudesse despertar daquele modo… e ele tinha uma ligeira ideia do que havia passado. Só… só precisava de confirmá-lo…
Era bastante a entrada da noite quando baixou as escadas da Toca para tomar um copo de água. Por Merlin, nunca viu um Verão tão sufocante e nem sequer Mrs. Weasley e o seu marido com os contínuos feitiços de ar refrigerante conseguiam que pudesse dormir naquela casa mais de três horas seguidas… O calor era insuportável.
- Não podias dormir? – perguntou entrando na cozinha vendo a figura do alto ruivo sentado dando-lhe costas.
Ron sorriu totalmente e negou enquanto contemplava o copo de leite que tinha frente a ele, movendo-o de vez em quando e observando as pequenas ondulações que se produziam no líquido.
- E tu? – questionou-lhe de volta.
Hermione limitou-se a fechar a bata sobre a camisola folgada que utilizava como camisão mais que por frio por pudor em presença de um dos seus melhores amigos e caminhou-se para o frigorifico abrindo-o para fechá-lo depois com um golpe de anca antes de pegar um copo e servir-se de um copo de leite.
- Beber leite tíbio tranquiliza-me e ajuda-me a pensar… - acrescentou o rapaz. Hermione sentou-se frente a ele com o seu copo de leite frio e permaneceu em silêncio.
Aprendeu bem a observar o ruivo, sabia quando devia falar para obter o que queria, quando repreendê-lo sem que se enojasse demasiado e quando devia permanecer em silêncio á espera de que ele finalmente fosse capaz de dizer o que desejava dizer.
- Achas que está bem?
Não tinha que ser muito inteligente para saber ao que se estava a referir Ron, mas de todos os modos, Hermione não queria falar disso agora, não se sentia com forças suficientes para fazê-lo.
- Harry está bem… só não respondeu ás nossas cartas, mas a Ordem mantém-no vigiado; se lhe tivesse acontecido algo, saberíamos. – disse movendo a cabeça ao tempo que um rizo se desfazia do seu improvisado recolhido para dormir mais fresca.
- Não me referia ás cartas, Hermione, e tu sabes. – replicou-lhe levantando a vista e dirigindo os seus olhos azuis aos dela. A rapariga moveu-se na cadeira acomodando-se.
Odiava a mirada de Ron. Sempre o fez… era doce, gentil, nobre, ingénua nalguns casos, temível noutros… mas sempre conservava aquela qualidade de fazê-la acreditar que seria capaz de atravessar a sua alma e descobrir tudo o que ela não queria que fosse descoberto. Deu um sorvo no seu copo de leite frio. Sempre gostou de beber leite frio nas noites de Verão… de certo modo, relaxava-a…
- Eu sei que não te referias ás cartas, Ron… mas é muito tarde para falar do outro… - respondeu-lhe. - … Sempre confiámos em Dumbledore e temos que continuar fazendo-o.
- Eu sei, Hermione, eu sei… Se o professor não fizesse isso… Harry provavelmente tivesse terminado louco… Só que… é só que ás vezes pergunto-me como o suporta… - a mirada curiosa de Hermione incitou-o a seguir. – Harry… como o suportou? Eu não o poderia fazer…
- Ron…
- Não, falo a sério, Hermione. Cresci numa família numerosa em que não nos sobrava muito, nunca nos faltou nada e sobretudo amor… sempre tive um presente ao menos no Natal, companheiros de jogo, quem me protegia e a quem proteger… - disse ele abatido. - … Quando o curso anterior, o meu pai… - a voz quebrou-se uns instantes. - … Merlin, Hermione! – queixou-se. - … Nem sequer posso lembrar-me do afligido que estava ao pensar que o meu pai poderia morrer… não me quero recordar… Eu… não sei se teria suportado tudo o que Harry viveu…
- Ron… se tivesses estado na situação de Harry… estou certa de que…
- Não, Hermione, não podes estar confiante de nada porque por sorte para mim, não me ocorreu, nem a ti tão-pouco. – disse-lhe sem um traço de rancor na voz, só querendo-lhe dar a entender um feito contestável. – Sabes que nem tu nem eu, por muito fortes que sejamos, tivéssemos podido suportar o que Harry teve que aguentar durante tantos anos… Miradas, humilhações, segredos, mentiras, ser o centro de atenção por alguém que matou os teus pais… Por todos os magos, Hermione, eu não o teria suportado e tu tão-pouco. – recordou-lhe.
A morena não soube o que dizer, na realidade, o que poderia dizer? Era certo. Ela sabia que era certo. Nem Ron nem ela haviam podido aguentar o que formava parte da vida diária de Harry… Por isso, quando o Professor Dumbledore havia falado com eles, quando lhes contou o que ia fazer e por quê que necessitava desde aquele momento que nenhum dos dois mencionasse Sirius diante de Harry nem sequer por carta, ela esteve de acordo de imediato. Não só porque era o Professor Dumbledore quem o estava dizendo, senão também porque sabia que era o melhor para Harry, porque sabia que era o único que podia fazer por Harry.
- Tens razão, Ron. Nunca o teria suportado… mas Harry não teve eleição, nunca, Ron. Por isso, temos que ajudá-lo da melhor forma em que podemos fazê-lo…
- E isso significa apagar Sirius da sua cabeça? – grunhiu Ron que desde um princípio não esteve de acordo com aquilo.
- É tarde… - disse então a rapariga. - … Será melhor que me vá dormir um pouco mais e tu deverias fazer o mesmo. – levantou-se da mesa e deixou o copo na pia depois de acabar o leite frio. - … Amanhã veremos tudo de outra forma…
Ron assentiu mas não disse nada.
- Boa noite, Ron. – disse-lhe Hermione saindo da cozinha.
- Boa noite, Hermione, que descanses. – contestou ele balançando ligeiramente o seu copo pensando em demasiadas coisas que não deverias estar na sua cabeça naqueles momentos.
Hermione suspirou e entreabriu a porta quando saiu da cozinha; tirou a varinha do bolso da bata e apontou com ela a Ron que, dado que estava dando-lhe costas, não se deu conta de nada. A rapariga franziu o cenho tentando recordar o encantamento básico.
- Lamento, Ronald… mas é melhor que não te lembres desta conversa…- sussurrou a rapariga aferrando-se com força á sua varinha e pronunciando um feitiço silencioso que envolveu o ruivo. - … nem tão-pouco o seu motivo…
Ron deu um sorvo no leite e os seus lábios franziram-se, afastou o copo da sua boca rapidamente para mirá-lo depois com hostilidade enquanto semicerrava os olhos, como se a culpa de que Harry não respondesse ás suas cartas fosse do leite. Frio. Ficou frio. Ele odiava leite frio.
Um dia mais começava. Respirou o ar fresco e salgado que provinha do mar. Gostava daquele lugar; um canto paradisíaco donde parecia que todos os problemas se esfumavam no ar, um lugar onde podia pensar e que havia elegido para esconder-se… Sorriu… Esconder-se… Gostava da quietude daquele lugar… a paz e a tranquilidade que as ondas eram capazes de oferecer e que não havia encontrado em nenhum outro sítio… Roma, França, Rússia, Canadá, Mérida, Brasil, Japão… em nenhum outro lugar reinava aquela paz e aquele silêncio que a rodeava. Sorriu. Tinha graça se via bem… Para encontrar a paz tinha regressado ao lugar de que tinha fugido. Era para gargalhar…
Esconder-se… fugindo dos seus próprios problemas, do seu próprio passado… Qualquer que escutasse isso nem sequer pensaria que ela havia sido toda uma Gryffindor, a casa dos valentes, dos atrevidos… e sem embargo, ali estava; mais como uma gata assustada que como uma valente leoa… Quanto tempo fazia que se escondia ali? Doze anos, quiçá um par mais… nem sequer lograva recordá-lo do todo.
Demasiado tempo para continuar escondida e ainda pouco tempo para regressar a enfrentar-se a ele… Não havia noite que não sonhasse com os seus olhos dourados nem dia que não despertasse com um sorriso desejando estar ao seu lado. Mas era sua culpa. Ela havia-se ido. Ela havia-se apartado da sua vida, do seu caminho, era ela quem não podia suportá-lo e quem havia escapado de Londres deixando uma simples nota de papel com o seu perfume e uma promessa escrita com tinta vermelha de que regressaria quando se sentisse preparada…
Todos sofreram com as perdas… Tudo se havia complicado de tal forma que ninguém poderia ter feito nada, que ninguém poderia ter ajudado ninguém… Todos haviam desaparecido e só haviam ficado eles os quatro… Annie… Sirius… Remus… e ela… E havia acreditado que podia fazê-lo. Havia acreditado que poderia ser forte como sempre tinha sido, que poderia mirar o futuro, enfrentar-se aos fantasmas, a miradas, a cochichos, a tudo… e esteve disposta a fazê-lo, da mão de Remus havia estado disposta a enfrentar qualquer coisa… mas não havia estado preparada para tudo… havia-se enganado… Não havia estado preparada quando afastaram Sirius do seu lado e o trataram como se fosse um vulgar criminoso, um traidor que havia levantado a sua varinha contra dois dos seus amigos e havia provocado a morte de outros dois… Não havia estado preparada para que Dumbledore lhe dissesse que tivesse paciência, para que Remus lhe prometesse que tudo sairia bem, para que Ann lhe assegurasse que a verdade ia saber-se…
Não. Não havia estado preparada para quilo… Lily, Emily e James mortos… Peter um traidor… Sirius em Azkaban… o seu melhor amigo, o seu quase irmão… Não havia podido suportá-lo. Não havia podido continuar de pé como fizeram Remus e Ann… Não havia podido ser forte… Levava demasiado tempo sendo forte e aquela notícia havia-lhe derrubado por completo. Ninguém poderia culpá-la disso e, de facto, ninguém a tinha culpado.
Remus havia-a apoiado todo o momento. Não lhe importou que não lhe falasse durante os três dias depois de que Sirius fora preso, não lhe importou ter que banhá-la, penteá-la e vesti-la quase como se fosse uma boneca porque ela não tinha nem forças nem ganas para fazer as coisas mais triviais. Não lhe importou nada daquilo… E como pagava ela? Fugindo. Não podia continuar ali… não podia seguir junto á pessoa que mais amava e que tanto lhe recordava o seu passado…não podia continuar num lugar onde os seus amigos, já falecidos, estiveram, onde o seu irmão da alma estava prisioneiro e onde não havia ninguém que movesse uma só varinha para ajudá-la… não podia continuar ali…
O rugir das ondas chocando contra o abrupto fez-lhe sorrir. Adorava aquele lugar e estava confiante de que Remus lhe encantaria estar ali… Costumavam falar em comprar uma casa longe da cidade, no campo ou na praia, um lugar onde poder começar a formar uma família, um lugar que pudessem considerar seu, ainda que como lhe disse uma vez ao seu marido… um lugar estava onde ele estivesse.
Abraçou-se a si mesma. Remus não estava ali… E ela necessitava-o… Então, por quê que não podia regressar? Sorriu com certa tristeza. Não regressaria até que não fosse necessário… Era algo que, sem tê-lo proposto, sabia perfeitamente…
- Levanta-te agora mesmo, maldito rapaz folgado!
Hedwig mirou a porta, indignada. Harry, a seu lado, abriu os olhos e acariciou-lhe as plumas para tranquilizá-la. Era o costume. Desde que chegaram de Hogwarts, havia descoberto que a sua coruja sempre amanhecia ao seu lado, e em certo modo por agradecimento e em certo modo para confortá-la, cada manhã, cada manhã ao abrir os olhos dedicava-lhe uma pequena e suave carícia em agradecimento por estar ao seu lado.
- Rapaz!
Harry amaldiçoou em voz baixa antes de gritar de volta.
- Estou acordado, tio Vernon!
- Mais te vale que baixes para preparar o pequeno-almoço imediatamente ou ficarás sem comer!
Hedwig ululou e Harry esteve tentado a gritar-lhe que não lhe importava ficar sem comer, mas desistiu. Não queria ter problemas com ninguém… e muito menos naquela manhã. Sentia-se… estranho… diferente… Pestanejou enquanto os seus olhos se acostumavam á claridade da janela e esfregou as têmporas e a frente para afastá-la do cabelo, acariciando quase por costume a cicatriz em forma de raio que não desaparecia nunca… Desaparecer… Oxalá pudesse desaparecer… oxalá nunca tivesse estado ali… Mas não importava as vezes que ele desejasse que desaparecesse, não importava as vezes que ele desejava que não existisse, porque cada manhã quando amanhecia, a cicatriz continuava ali, recordando-lhe quem era, recordando-lhe o que era.
Só tinha uns minutos antes que a voz do seu tio o tornasse a chamar apressando-o. Era quase uma tradição, uns poucos minutos, quatro, cinco talvez. Como se de alguma maneira, tio Vernon quisesse que ele se recreara em todas as obrigações que tinha que fazer para poder continuar vivendo naquela casa. Mas ele não se dedicava a isso. Não pensava nas tarefas que nesse dia tinha que fazer senão noutras coisas… Eram poucos minutos, sim, mas eram os únicos minutos que lhe pertenciam completamente.
Uns minutos que durante a semana que levava em Privet Drive pareciam converter-se em horas… A profecia… a profecia que lhe tinha sido revelada ao finalizar o curso em Hogwarts… matar ou ser morto… vítima ou assassino… tudo se reduzia a isso? Sim, não havia nada mais. Ser vítima ou ser assassino… eram as únicas opções, era o único que podia fazer… Uma profecia que tinha sido feita antes do seu nascimento e que condicionava o seu futuro… Se o seu passado já estava realizado e o seu futuro já estava predestinado, o que lhe quedada? Um presente que não desejava… um presente que não ansiava…
Hedwig acariciou-lhe com o bico e o rapaz sorriu. Era o gesto da sua coruja para animá-lo a levantar-se, para induzir-lhe que se pusesse de pé e fizesse o que todos esperavam que fizesse naquela maldita casa. Procurou sobre a mesa até encontrar os seus óculos e colocou-as antes de levantar-se da cama, costume que havia tido desde aquele dia quando em Hogwarts se levantou antes de colocá-las conseguindo terminando de bruços contra a cama de Ron depois de ter golpeado a espinha com a ponta do seu baú.
Levantou-se da cama e levou uma mão á cabeça de forma imediata. Tonturas. A habitação parecia dar voltas sem cessar… Havia algo que andava mal… doía-lhe a cabeça, sentia uma pressão no peito que não lograva identificar… Era como… Como se… Como se tivesse esquecido algo… como se tivesse algo de vital importância que não conseguia recordar. Franziu a testa, claramente afligido por não poder recordar o que parecia ser tão importante.
Hedwig ululou e o rapaz mirou-a com um meio sorriso enquanto tentava afastar esses pensamentos da sua cabeça ao tempo que se dirigia para o pequeno espelho que tinha no quarto.
Nada estranho. O mesmo cabelo desordenado de sempre, a mesma cicatriz na fronte, o mesmo rosto pálido e a mesma fronte suada. Sem embargo, naquela manhã parecia que havia algo distinto. O seu rosto… estava cansado… cadavérico… não era nada estranho. Mas os seus olhos… os seus olhos verdes pareciam poços sem fundo… a angústia, o dor e a tristeza que era algo que se podia ver neles incluso sem querer esboçá-los. Harry franziu o cenho. Por quê essa mirada triste? Era como se algo que fizesse que a tristeza se apoderasse do seu corpo… da sua alma… ainda que não lograva recordar o quê.
- Rapaz!
- Tranquila, Hedwig… - pediu Harry ao ver como a coruja estendia as suas asas em sinal de ataque enquanto mirava a porta fixamente. - … tudo está bem… - acrescentou acariciando-lhe a cabeça antes de encher um pequeno recipiente com água fresca para que o animal bebesse um pouco. – Mais tarde, trago-te algo de comer, está bem?
A coruja piou dando o seu consentimento e Harry sorriu-lhe. Um sorriso triste, um sorriso que não tinha nada a ver com o sorriso que um havia iluminado o seu rosto por muito cansado que este estivesse. Quando Harry saiu do quarto, Hedwig dirigiu-se á sua jaula. Poderia dormir um par de horas antes que o seu jovem amo regressasse. Ela ia cuidar dele sempre.
Assim que o fez. Nunca pensou que Albus pudesse chegar tão longe… O bom de Albus… sempre foi brando… um mago com o suficiente poder para governar o mundo inteiro mas sem coragem necessária para nem sequer tentar fazê-lo. Sempre soube. Naquele mesmo dia, quando o viu na primeira vez no orfanato, quando foi buscá-lo… Só teve que mirar-lhe aos olhos para saber que por muito poder que tivesse e por muitas opções de usá-lo que tivesse, nunca o ia fazer.
Desde aquele mesmo momento prometeu-se a si mesmo aprender dele todo o possível, aprender o melhor para chegar a ser o melhor, superando-o.
Sorriu com satisfação. E tinha-o feito. Era indiscutível. Havia deixado o aprendiz Tom Riddle para converter-se no mago obscuro mais temido e poderoso de todos os tempos. E ainda assim, com toda a crueldade, com todo o seu desejo de odiar, matar e torturar os muggles e os mudblood, jamais tivesse recorrido á magia para fazer o que o bom Albus tinha feito… Utilizar a magia para fazer-lhe olvidar… ridículo! A magia era um dom, algo forte e poderoso, algo que tinha que ser amado e contemplado desde o mais absoluto poder das sombras, um poder que ele tinha aprendido a dominar, a controlar… Nunca usada para coisas estúpidas… ele directamente tinha usado a magia para matar, nunca para fazer que alguém esquecesse um momento da sua vida ou alguém da sua vida…
Mas não, pois claro, Albus não… E muito menos contra Potter. O filho de James Potter e Lily Evans… o único mago que seria capaz de destruir-lhe se conseguia alcançar o poder necessário para isso, o único que se interpunha entre ele e o mundo.
Sorriu satisfeito, orgulhoso de si mesmo ao ter uma mente tão privilegiada para pensar sempre em como fazer dano àqueles que não eram do seu agrado.
A magia que Dumbledore havia utilizado em Potter era poderosa e perigosa, sim… mas ele contava com uma união que Albus não havia tido em conta e que pensava em utilizar… não para anular o feitiço de Albus e que Potter recordasse de novo o seu estúpido padrinho, não… senão para que Potter recordasse quem lhe fez aquilo… E ter Potter contra Albus seria um grande passo para ele… uma grande vantagem sem nenhuma dúvida…
Ficou adormecido imediatamente quando as suas costas tocaram o duro colchão. Apenas foi consciente do ulular da sua coruja quando esta entrou na sua habitação, quando entrou no quarto tirando os sapatos e a camisa antes de cair. Mas isso não deixou Hedwig tranquila e, como cada noite, acomodou-se a seu lado no leito. Harry passou as suas mãos pela suave plumagem da ave um par de vezes. Estava cansado. Terrivelmente cansado. Não só teve que fazer as tarefas de sempre como cozinhar, esfregar os pratos, varrer, limpar o pó, esfregar o solo, limpar os cristais, arrancar as más ervas, regar as plantas, podar o prado, lavar a roupa, estendê-la e apanhá-la para depois passá-la… não, ademais disso, teve que caminhar até á outra ponta de Privet Drive só para ir comprar as estúpidas revistas de moda que a sua tia se tinha esquecido de comprar porque estava demasiado ocupada na cozinha fazendo um pastel de morango para o estúpido do seu primo, ao que, apesar de ter aprendido a tolerar, não aguentava.
E estava esgotado. Cansado e com uma terrível dor de cabeça que só lhe recordava que se tinha esquecido algo mas não sabia o quê.
Levou a mão á cicatriz ao notar que esta lhe picava. Franziu o sobrolho enquanto a coçava superficialmente para que o picar passasse. Mas na sua vida Harry nunca conseguia o que era lógico, assim que o picar não passou, tão-pouco aumentou, mas sim fizeram moléstias.
Fechou os olhos tentando ignorar a dor que sentia na cicatriz naqueles momentos. Dois segundos depois, Hedwig contemplava como dormia. Inquieto, agitado e suado, mas dormia e apesar de que o via a dar voltas, murmurar, franzir o nariz e deixar escapar pequenos gritos abafados, Hedwig não tinha nem a mais mínima ideia do que estava passando pela cabeça do seu dono naqueles momentos.
Obscuridade. Silêncio. Medo. Choro. Raios. Maldições. Risos estridentes, silêncios quebrados. Uma profecia. A sua profecia. Uns olhos grises. Cansados. Vivos. Mortos. Cheiro a canela. Um cão. Um nome. Um grito. Um sorriso. Orgulho. Dor. Desaparição. Olhos vermelhos. Voldemort dentro dele. Gritos. Uma gargalhada. Umas palavras. "Não podes fazer melhor, Bella?" Uma voz. Rouca. Grave. Em desuso. Uma maldição. Um raio vermelho. Um véu. Uma queda. O seu grito. O seu próprio grito. Uma morte. Dor. Desespero. Culpa. Tristeza. Perder o único que tinha. Perder o único que queria. Angústia. Medo. Solidão. Como sempre. Destino. Silêncio. Uma navalha. Uma cicatriz. A sua mão. Um sonho. "Não te rendas." Calor. Uns olhos azuis que o miravam. Um sussurro. Uns olhos azuis que brilham. Logo o esquecimento.
- SIRIUS!
Incorporou-se da cama de forma brusca e sobressaltada, respirando, com a frente banhada de suor como o pescoço e o peito desnudo. Ao seu lado, alerta e atenta como sempre, Hedwig mirou-o na obscuridade.
E o brilho daqueles olhos. O brilho daqueles olhos que o tiveram sempre sob controlo desde o primeiro dia em que o Chapéu Seleccionador o enviou a Gryffindor em Hogwarts, o brilho daqueles olhos azuis atrás de uns óculos de meia-lua que o miravam fixamente antes de levantar o copo em sua direcção em modo de saudação… Aquele brilho… Os mesmos olhos inclinando-se sobre a cabeceira da cama e apontando com a sua varinha ao seu próprio rosto.
Dumbledore. Sirius. Um encantamento. Um Obliviate. Recordou tudo. A sensação de ter esquecido algo que só era uma sombra…
Apertou os punhos com força, enquanto controlava a sua respiração.
Enganou-o. Outra vez. Uma vez mais. Deixou-se cair na cama. Hedwig arremessou-se ao seu lado e Harry prometeu a si mesmo que seria a última vez que alguém o enganava e isso, incluía a Albus Dumbledore.
Continua…
