O que é que eu faço pra mudar?
Corro atrás da esperança
Porque você não vai voltar
Sobrevivo mesmo sem tentar
Cheia de nós na garganta
Penso em você, ao nem pensar
Pouco a pouco o coração
Vai perdendo a fé, perdendo a voz
Salva-me do vazio,
Salva-me da solidão
Salva-me desse frio
Vem depressa, vem me salvar
Salva-me do vazio,
Salva-me da escuridão
Salva-me desse frio
Não me deixe sozinha, mais
Me proponho a continuar
Mas o amor é uma palavra
Que deixa a gente duvidar
O quarto estava negro como breu. Sansa trancou a porta e dirigiu-se, tateando, até a janela. Quando puxou as cortinas para trás, ficou com a respiração presa na garganta.
Os vermelhos e amarelos das chamas comuns guerreavam contra os esmeraldas e jades do fogovivo, com cada cor relampejando e logo perdendo força, gerando exércitos de sombras de breve existência, que morriam um instante mais tarde. Alvoradas verdes davam lugar a crepúsculos laranjas em meio segundo. O próprio ar cheirava a queimado, como uma caldeira de sopa às vezes cheirava quando era deixada tempo demais ao fogo e toda a sopa evaporava. Fagulhas pairavam no ar noturno como enxames de vaga-lumes.
Sansa afastou-se da janela, retirando-se para a segurança de sua cama. Vou dormir,disse a si mesma, e quando acordar será um novo dia, e o céu estará de novo azul. A batalha estará acabada e alguém me dirá se devo morrer ou viver.
Então, algo se agitou atrás dela, e uma mão saiu da escuridão e segurou seu pulso.
Sansa abriu a boca para gritar, mas outra mão prendeu seu rosto, impedindo-a de falar. Os dedos eram ásperos, mas gentis e a sujavam de sangue.
– Passarinho. Sabia que você viria. - a voz era um ruído bêbado.
Lá fora, uma lança rodopiante de luz jade saltou para as estrelas, enchendo o quarto com um clarão verde. Viu-o por um momento, todo negro e verde, com sangue no rosto escuro como alcatrão, os olhos brilhando como os de um cão no súbito clarão. Então, a luz sumiu e ele se transformou apenas numa sombra pesada com um manto branco manchado.
– Não quer perguntar quem venceu a batalha, Passarinho?
– Quem? - ela aquiesceu, demasiado assustada para contrariá-lo.
Cão de Caça soltou uma gargalhada.
– Só sei quem perdeu. Eu.
Está mais bêbado do que jamais o vi. Estava dormindo na minha cama. O que quer aqui?
– Se os deuses forem bons, hão de queimar tudo, mas não vou estar aqui para ver. Vou embora.
– Para onde vai? - ela perguntou num sussurro.
– Para longe daqui. Para longe dos incêndios. Acho que sairei pelo Portão de Ferro. Para algum lugar, qualquer lugar, para o Norte.
– Não poderá - Sansa o avisou - A rainha fechou Maegor e os portões da cidade também estão fechados.
– Para mim, não. Tenho o manto branco e tenho isto – deu pancadinhas no botão da espada. - O homem que tentar me parar é um homem morto. A menos que esteja ardendo. - soltou um riso amargo.
– Por que veio até aqui? – sua voz era um sussurro tímido.
– Prometeu-me uma canção, Passarinho. Já se esqueceu?
– Não posso - ela respondeu - Está me assustando.
– Tudo a assusta. Olhe para mim. - ela o olhou, com uma ternura a ambos desconhecida, apesar de todo o terror que sentiam – Podia mantê-la a salvo - ele disse com sua voz áspera. - Todos tem medo de mim. Ninguém voltaria a lhe fazer mal, caso contrário eu os mataria.
Ela sentiu um aperto no peito ao ouvir aquelas palavras. Ele está me oferecendo proteção. Ele vai matar quem quer que me faça mal. Ele vai. Já me protegeu antes, diversas vezes.
Ele puxou-a para mais perto, e por um momento ela pensou que pretendesse beijá-la. Fechou os olhos desejando que ele se apressasse, mas nada aconteceu. Ela os aproximou ainda mais e encostou seus lábios nos dele, sentindo gosto do vinho e do sangue. Pesadas mãos pousaram em sua cintura, apertando-a com sofreguidão.
Ele parecia surpreso com sua atitude, assim como ela mesma. Quando o fôlego lhes faltou, eles se separaram, encarando-se.
Um instinto qualquer fez Sansa levantar a mão e pousá-la no rosto dele. O quarto estava escuro demais para que o visse, mas sentiu o sangue pegajoso e uma umidade que não era sangue.
– Passarinho - ele voltou a falar, com a voz dura e áspera como aço riscando pedra.
Sansa beijou-lhe as lágrimas e o abraçou, sem se importar realmente com todo o sangue em seu vestido.
– Leve-me para longe daqui. Por favor. - foi quando percebeu que também chorava, sem nenhuma razão aparente, além do alívio.
Permaneceram mais algum tempo abraçados, em silêncio, até que ela se levantou e pegou algumas coisas em seu guarda-roupa e enfiou em uma pequena trouxa, indicando que estava pronta para ir.
Esgueiraram-se para fora do castelo até os estábulos, onde o garanhão preto do Cão de Caça o esperava já selado e banhado em sangue, visivelmente afetado pela batalha, bem como o dono.
Sandor selou uma forte e rápida égua branca para Sansa e logo em seguida eles saíram a galope pelas ruas queimadas de Porto Real, em direção ao norte.
