Disclaimer: Saint Seiya nem Supernatural não me pertencem. Pertencem a Masami Kurumada e Eric Kripke, respectivamente. Fanfic feita por uma fã para outros fãs, como uma tentativa de diverti-los. Essa fanfic conterá violência, terror e sexo, portanto é para maiores de 18 anos.

Nota da autora: Iniciando mais uma fic desta vez de UA, totalmente baseada na série Supernatural (que eu amo). Ikki e Shun serão o Dean e Sam. Todos os personagens, deuses, monstros e fantasmas que aparecerão na fic serão do universo de Saint Seiya (Os Cavaleiros do Zodíaco). Eu espero que gostem e me desejem sorte! ~Luna.


Saint Seiya – Supernatural

Sinopse: Esmeralda desaparece deixando Ikki desnorteado. Ele busca o paradeiro de seu grande amor com a ajuda de seu irmão Shun e acaba se deparando com toda sorte de ser sobrenatural presente apenas nos piores pesadelos. E assim tem início a vida de caçadores dos irmãos... (UA, baseado em Supernatural com personagens de Saint Seiya)

Capítulo 1 – Início das Caçadas

Portland – Maine...

Aquela noite tinha tudo para ser inesquecível. Ikki e Esmeralda observavam o céu noturno estendidos no capô do carro ao som de "Ghost Song" do The Doors.

"Awake.

(Acorde!)

Shake dreams from your hair

(Sacuda os sonhos dos seus cabelos)

my pretty child, my sweet one.

(minha bela e querida criança)

Choose the day and choose the sign of your day

(Escolha o dia e também o seu significado)

the day's divinity

(A divindade deste dia)

First thing you see…"

(A primeira coisa a ser vista)

Cantava Morrison com sua voz sombria e insinuante. O céu estava claro e cheio de estrelas que brilhavam celebrando aquela primeira noite de verão. Uma estrela cadente corta o céu fazendo Esmeralda dar um leve sobressalto. A cabeça loira que estava apoiada no ombro de Ikki se movimenta graciosamente.

- Você viu?! – ela pergunta apontando para o céu.

Tinha um belo sorriso esperançoso na face.

Ikki apenas murmura que sim depositando um beijo delicado na testa da amiga de infância, namorada no colégio e companheira para todas as horas. Um laço inquebrável formado entre as paredes desbotadas de um orfanato para crianças órfãs.

Esmeralda levanta a cabeça para olhar de perto os olhos azuis sempre sérios do namorado e pergunta:

- Fez um pedido?

- Sim.

A resposta soa totalmente inesperada aos ouvidos da jovem. Ikki nunca fora dado a superstições de nenhum tipo. Uma grande curiosidade cresceu dentro de seu ser.

- O que você pediu?

- Não é para ser segredo? – ele pergunta exibindo um sorriso presunçoso.

- Sim... Mas... – rola os olhos pensativamente a procura de um bom argumento para fazê-lo falar. – Se eu contasse o meu você contaria o seu?

- Fechado.

Esmeralda olha dentro dos olhos de Ikki e diz usando um tom de voz sério.

- Eu pedi para ficarmos juntos para sempre. – não consegue evitar ficar corada.

E fica mais quando sente o toque morno da mão de Ikki em seu rosto.

- Eu pedi a mesma coisa...

Ela puxa delicadamente o queixo da namorada para ficar com os rostos na mesma altura. Beijam-se apaixonadamente por longos minutos...

Ao terminarem continuam se acariciando, desejando que aquele momento nunca terminasse. Ikki se senta no capô colocando a mão no bolso de trás da calça e pede animado:

- Feche os olhos.

- Fechar os olhos? Para quê? – Esmeralda pergunta franzinho as sobrancelhas intrigadamente.

- Está quebrando a magia do momento, minha linda...

O sorriso brincalhão de Ikki revela toda a sua intenção romântica por trás de sua postura de machão. E não era sempre ele que quebrava toda a magia dos momentos românticos que Esmeralda preparava? Agora ela sabia qual era a sensação. Ela faz o que ele pede, mordendo os lábios para não sorrir. Imaginava aquele momento, mas não sabia se saberia como se comportar.

Ikki retira uma caixinha preta do bolso e coloca sobre o decote de Esmeralda. Deixa um beijo de lembrança em cima de um dos seios. Não resistiu a proximidade. Espera ela abrir os olhos...

"Enter again the sweet forest

(Entre mais uma vez na doce floresta)

Enter the hot dream

(Em seus mais calorosos sonhos)

Come with us

(e venha conosco)

everything is broken up and dances."

(Pois tudo se rompe e dança.)

O verde magnífico da íris de Esmeralda se destacava como faróis naquela noite. Ikki jamais se cansou de admirar a beleza pura daquele olhar. Sempre doce, às vezes esperto, às vezes infantil. Assim era Esmeralda. Aparência e jeito de anjo. Já Ikki estava mais para o subterrâneo. Robusto, ombros largos, aparentava ter mais do que os 20 anos que realmente tinha. Rosto másculo de queixo quadrado, o olhar sempre sério e compenetrado era sua marca.

Era o protetor de Esmeralda e referência de seu irmão mais novo, Shun, de aparência e personalidade bem mais frágeis. Shun era irmão mais novo e filho ao mesmo tempo, mas possuía a mesma determinação do irmão. A força e a doçura que um não tinha o outro compensava, tão certo quando água apaga o fogo e casaco de lã aquece no inverno.

Esmeralda abre um sorriso esplendoroso ao abrir a caixinha revelando um anel de ouro:

- Isso é?

- Esmeralda... – começa Ikki apanhando as mãos brancas e pequenas da namorada. – Quer se casar comigo?

Ela tenta articular uma frase, mas não consegue. Chora e ri ao mesmo tempo.

- Eu-eu-eu...

- Sim você. O amor da minha vida, sempre foi e sempre será. – disse Ikki ficando sério, porém Esmeralda sabia que quando ele fazia aquele discreto movimento com a bochecha era porque estava nervoso.

- Oh, Ikki... – deixa uma lágrima rolar pelo rosto. – Sim, sim. Eu aceito! Eu te amo...

Joga o corpo contra o dele. Ficam cara a cara. Os olhos verdes de Esmeralda tornam-se mais brilhantes banhados de lágrimas a deixando ainda mais bonita aos olhos do apaixonado Ikki.

- Eu te amo...

Foi a última coisa que disseram antes de se beijarem tendo o céu estrelado e uma lua nova como testemunha. Uma promessa pura de amor eterno fora feita naquela noite, selada com uma troca de alianças de noivado. Saltaram apressados do capô do carro com destino ao banco traseiro. Ainda tinham muito que comemorar e a noite estava só começando.

"Oh great creator of being

(Oh bom criador do ser)

Grant us one more hour,

(Concede-nos mais uma hora,)

To perform our art

(Para realizar a nossa arte)

And perfect our lives."

(E aperfeiçoar nossas vidas.)

*O*O*

Foram para a casa de Ikki para um segundo round do que se iniciou no banco de trás do carro. Depois do amor caíram exaustos na cama com promessa de só acordarem com o raiar do sol.

O radio relógio programado para tocar o despertador as seis, hora que Ikki saia para trabalhar na oficina, marcava meia noite. Uma rajada de vento mais forte faz as cortinas brancas do quarto bagunçado chacoalharem. Em seguida a janela encostada se abre lentamente dando passagem para uma sombra esguia em forma de mão. Ela se arrasta alguns centímetros na parede fazendo janela se abrir um pouco mais soltando um rangido enferrujado que rompe o silêncio do quarto.

Ikki desperta de seu sono sempre leve. Esfrega os olhos para forçá-los a se acostumarem com a falta de luz. Esmeralda dormia profundamente com a cabeça apoiada em seu ombro tendo as mãos pousadas em seu peito desnudo. Lentamente ele retira o corpo da noiva de cima do seu e levanta para fechar a janela.

A sombra que havia se projetado para dentro do quarto recua lembrando uma garra se encolhendo. Ikki sorri ao ver que era só a sombra de um galho seco da árvore do quintal. Tomando cuidado em retirar o peso dos passos, Ikki vai até a janela e a fecha puxando a cortina de volta para seu lugar.

Pega o celular para checar as mensagens. Três eram de Shun pedindo para ele retornar quando pudesse. Na certa estava curioso para saber como foi o pedido de casamento que ajudou a planejar comprando o anel, já que Ikki não teve tempo naquela semana para visitar uma joalheria. Recoloca o celular no móvel sem se dar ao trabalho de retornar a ligação ou de responder com uma mensagem de texto. Era certo que Shun ligaria de manhã. Shun e sua curiosidade poderiam esperar mais algumas horas, ele pensa deitando na cama.

Ouve o gemido de despertar de Esmeralda.

- Ikki... – ela chama sonolenta espreguiçando-se como um gato acabando de acordar.

- Estou aqui...

Sua mão encontra os cabelos loiros da jovem minimamente desalinhados pela noite de amor. Já os dele estavam um verdadeiro ninho. Ela abre um sorriso sonolento e recebe um beijo no rosto.

- Vou tomar um copo de água. Volto já. – ele diz baixinho.

Esmeralda murmura um "ok" e deita a cabeça sobre o travesseiro, puxando o lençol até o pescoço em seguida. Ikki se dirige a cozinha parando em frente a geladeira. O anel de ouro em seu dedo brilhava na escuridão. Pensar que havia um igual dado por ele no dedo de Esmeralda enchia seu coração de orgulho. Sentia-se o maior dos sortidos por estar ao lado dela e sentir seu amor. Tudo o que tinham que fazer agora era botar em prática os planos que fizeram no capô daquele carro. Nada mais.

Pensava nos tais planos para o futuro enquanto enchia seu como com água gelada, até um ruído de algo se quebrando passar como um rolo compressor por cima de seus pensamentos. O som vinha do quarto onde esmeralda dormia. Ikki abandona o copo sobre a mesa e sai correndo de volta para o andar de cima, pulando dois degraus por vez para ir mais rápido.

- Esmeralda! – exclama arregalando os olhos ao parar na entrada do quarto

O coração disparou e as pernas por segundos se congelaram. Diante de seus olhos perplexos uma sombra gigante erguia Esmeralda da cama, sem, no entanto tocá-la. Ela levitava sobre a cama desacordada como se estivesse num show de mágica. Imóvel, respirava lentamente, parecia em transe.

Ikki teve a impressão de ouvir a criatura gemer, como se estivesse dizendo "hum..." enquanto retirava um comprido e escuro dedo da boca. Havia sangue no pescoço de Esmeralda. Aquela criatura estava provando o sangue de sua noiva?

Sua mente logo indicou perigo e em seguida ordenou "pule em cima dessa coisa, Ikki!" Foi exatamente o que o jovem fez. Porém antes, a sombra virou-se em sua direção deixando visível seu rosto. Os olhos eram brancos e fundos de brilho totalmente fantasmagórico. Uma boca enorme se esticou rápido como se não houvesse osso no maxilar. Sua pele era tão escura que mais parecia carbonizada. Diante de Ikki a criatura grita, ou melhor, berra, ou rugi uma sílaba totalmente incompreensível aos ouvidos humanos.

O som era gutural e ao mesmo tempo estrondoso. Ikki teve a impressão que todo o quarto vibrou com aquele grito. Era um grito monstruoso que queria dizer: "afaste-se!". A onda de choque propagada pelo grito da criatura negra derruba Ikki de volta para a entrada do quanto. Ele bate fortemente as costas no chão de madeira da casa.

Nesse momento, Esmeralda acorda de seu transe. Levanta o pescoço na direção do monstro que manipulava seu corpo no ar. Ela grita:

- Ikki! – seus olhos encontram o noivo que tentava se levantar, apesar da tontura, no corredor em frente a entrada do quarto.

Grita mais uma vez de pavor vendo criatura escura cobrir seu rosto com as mãos enormes. Esmerada se debate corajosamente, mas é facilmente dominada pelo monstro. O manto negro que o cobria a engole completamente. Ikki ouve um grito de terror ser sufocado no mesmo segundo em que agarrava um taco de basebolem pé apoiado na parede do quarto. Ele dá um golpe colocando toda a sua força para salvar a noiva. Atinge em cheio a cabeça da sombra gigante que evapora bem diante de seus olhos.

Recua um passo para trás dando-se conta de que a criatura que segurava sua noiva não era feita de carne. Era feita... Deus, do céu... Era feita de sombras! Tinha aparência de alguém carbonizado coberto por um manto negro, mas não era corpórea. A sombra se movimenta como uma ameba no tubo de ensaio até se transformar numa enorme nuvem escura e levemente que paira sobre a cama.

A lâmpada do abajur explode, o lençol levanta da cama, assim como os objetos jogados no chão do quarto. Tudo vira uma espécie de redemoinho sem direção definida.

Ikki ainda ouve um último grito abafado de Esmeralda dentro da criatura. No segundo seguinte, a nuvem negra parte rumo à janela estilhaçando o vidro e levantando voou por cima das árvores do quintal. Desaparece na noite escura segundos depois.

As mãos trêmulas de Ikki soltam o bastão de basebol. Ainda ouvia Esmeralda gritando por socorro dentro de sua mente. Olhar para a cama vazia no meio daquele quarto escuro e desarrumado fez o coração de Ikki diminuir dentro do peito até desaparecer.

Esmeralda havia sido levada. Ele se perguntava se aquilo tudo era real ou um pesadelo.

When the true kings murderers

(Quando o verdadeiro assassino de reis)

Are allowed to roam free,

(Tiver permissão para vagar livremente,)

A thousand magicians arise in the land

(Mil magos surgirão na terra)

Where are the feast we are promised?

(Onde está a festa que nos foi prometida?)

*O*O*

Em menos de meia hora toda a parte da frente da casa dos irmãos Amamiya estava ocupada por policiais e viaturas. Sentado na calçada, Ikki revivia todo o rapto de Esmeralda, cena por cena. A imagem da sombra gigante e o som dos gritos de sua noiva iam e vinham incansavelmente. Os pensamentos lógicos se dissiparam por um momento ficando apenas as imagens. A sombra gigante, esmeralda gritando e por fim desaparecendo numa nuvem de fumaça

Os olhos azuis e profundos de Ikki se quer piscavam. No meio do zumbido de lembranças tão terríveis, ouve seu nome ser chamado. Sabe-se lá há quanto tempo aquela pessoa estava lá diante dele. Reconheceu a voz quando este quase gritou.

- Shun?

- Ah, graças a deus está ai. – disse seu irmão mais novo aflito. Preocupação e medo se estampavam no olhar do jovem. Encara os olhos imóveis e assustados do irmão. Não parecia ele. – Vim o mais rápido que pude. Conte-me o que aconteceu, irmão.

- Ela... – a cabeça de Ikki se movimenta lentamente para os lados seguindo o caminhar dos tiras entrando e saído de sua casa. O som das sirenes ainda era totalmente incompreensível lhe trazendo tonturas. Aperta os olhos para forçar a mente na conversa com o irmão. – Ela... Ela foi levada.

- Sim... Estou entendendo... – disse Shun lentamente querendo acalmar Ikki. – Como aconteceu?

Internamente Shun tentava se manter firme naquela tarefa de trazer seu irmão de volta do mundo de pavor. Normalmente a situação era invertida. Era Ikki que sempre ajudava, consolava, segurava as pontas de Shun. Shun não lembrava de ter visto o irmão tão apavorado, nem quando eram crianças e sofriam com as surras do governante do orfanato. Medo era uma coisa que Ikki jamais gostava de demonstrar.

- Foi uma sombra gigante... – o mais velho disse sofregamente. A imagem da criatura negra salta em sua lembrança como um coelho atrevido no meio do mato alto. – Não era humano, Shun... – segura com nervosismo os ombros do irmão. – Não era humano!

Nesse momento um policial de sobretudo e luvas de couro se aproxima.

- Senhor Amamiya?

Ikki levanta lentamente o rosto para o homem da lei. Seu olhar vacila até se focalizar.

- Sim.

- Gostaria que viesse conosco até a delegacia para prestar esclarecimentos...

O rosto de Shun empalidece em sinal de tensão.

- Tudo bem. – olha para o tira depois para o jovem de cabelos verdes agachado a sua frente. – Vai ficar tudo bem, Shun.

Mesmo em dúvida, Shun assente. Observa tristemente seu irmão ser levado pelo policial até uma das viaturas ao som de inúmeras sirenes.

*O*O*

- Senhor Amamiya, acaso acha que estou de brincadeira?

- Não.

- Então porque insiste nessa história absurda que sua namorada foi levada por uma sombra gigante?

O policial encara Ikki com um olhar de pedra. Uma hora de interrogatório já havia se passado. O policial Dante agora se mostrava impaciente. Queria arrancar uma confissão daquele jovem delinqüente logo. Ikki sempre fora um valentão, famoso pelas brigas no colégio, posteriormente de bares. Quando mais jovem fora preso por desacato a autoridade. Já era fato consumado na mente do tira condecorado com um belo distintivo de prata, Dante Cérberos, que ele tinha culpa no desaparecimento da jovem Esmeralda. A versão vodu contada por ele era outra prova. Ikki só estava querendo curtir uma com a sua cara, depois de matar a mulher. Fato.

Para mostrar que não ia engolir mais desaforo ou conversa sobrenatural, o policial se levanta da cadeira batendo as palmas das mãos na madeira com força. Fala com sua autoridade adquirida com três anos de patrulha, lidando com todo tipo de marginal de Portland:

- Vou perguntar pela última vez, Ikki. Você matou a sua namorada?

A resposta demora a vir. Ikki mantinha a cabeça baixa olhando para as próprias mãos entrelaçadas sobre a mesa.

- Em primeiro lugar, é noiva. Esmeralda e eu íamos nos casar em breve. Marcaríamos a data amanhã mesmo... – faz uma pausa, apertando com força os olhos. Lutava contra sua natureza impulsiva para não quebrar a cara do policial Dante. Um coxinha desde os tempos de colégio. Dante ouviu quando ele respirou fundo. Deu para sentir um pouco de sua raiva interior naquele ruído de respiração profunda. – Não. Pela última vez... – levanta a cabeça depois de vários minutos. A expressão de Ikki era severa e ameaçadora. - Não matei a Esmeralda. E tudo o que eu falei é a mais pura verdade.

O policial Dante se ergue tampando a boca com a mão para segurar uma risada. Fica de costas por algum tempo, encarando seu reflexo no vidro da sala de interrogatórios. Imaginava seu superior do outro lado, observando sua performance com atenção, ao lado da policial Ivana. Uma loira de 1,80 que ele cortejava há praticamente um mês, sem nenhum sucesso. Comprimiu o lábio com raiva ao lembrar o olhar de cobiça da policial em cima de Ikki. Aquele palhaço merecia ir para a cadeia mesmo.

- E quanto ao sangue em seus pés, senhor Amamiya? – pergunta sem se virar.

- É meu. Pisei nos cacos da lâmpada quebrada. Todos os vidros do quarto explodiram na hora...

- Mas você disse que a tal sombra assassina provou o sangue da sua namora... Quero dizer, noiva...

- Sim. Mas nenhuma gota pingou no quarto. Olha, eu não entendo por que estamos aqui conversando enquanto tem uma... Coisa a solta por ai com a Esmeralda... – o ressentimento era evidente nas palavras de Ikki.

O policial avança até a mesa. Coloca o dedo na cara do interrogado. Arrogantemente diz:

- Não me diga como fazer o meu trabalho, Amamiya! E não vou aturar isso por muito tempo. Mais uma gracinha e te prendo por desacato!

- Vai pro inferno seu desgraçado. – rosna Ikki encarando os olhos azuis esverdeados do policial com raiva.

Foi a deixa. Não para Dante prender Ikki, e sim para apanhar a gola do desafeto. Berrando na cara do jovem raivosamente:

- Quem você pensa que é?!

Ikki não se intimida. Retira as mãos do policial de seu pescoço com facilidade. Era mais alto e mais forte que o tira. Só não partem para as vias de fato porque o superior de Dante entrou pela sala acompanhado de mais dois policiais que apartaram a briga a tempo.

- Levem-no para a cela. – ordena o Mitsumasa.

- Mas senhor, eu não fiz nada! – exclama Ikki ainda imobilizado. – Contei toda a verdade...

- Eu sei, Ikki. Conheci o seu pai, sei que não mente. – diz o inspetor bondosamente. – Peço que vá para a cela só para esfriar um pouco a cabeça. Vamos fazer todo o possível para achar a Esmeralda. Confie em mim.

Ikki e o velho inspetor se encaram por alguns segundos. A segurança no tom de voz do mais velho acabou acalmando o jovem. Os policiais conseguem tirar Ikki da sala de interrogatório sem resistência. O inspetor volta-se para Dante assim que os homens saem.

- E quanto a você, para a minha sala. Agora.

No corredor, Ikki encontra o olhar perplexo de seu irmão mais novo. Shun se precipita para acudir Ikki, mas é segurado pela policial Ivana.

- Ikki!

- Shun, me escute com atenção: eu preciso de um advogado para ontem, você entendeu?

Shun faz que sim com a cabeça ainda a tempo de Ikki ver e agradecer com outro sinal de cabeça. O jovem retira o celular do bolso imediatamente. Procura na agenda do aparelho o número de Seiya. Ele tinha um amigo que conhecia um amigo que era advogado criminalista.

*O*O*

Depois de passar dois dias preso para averiguações (por insistência do policial Dante), Ikki estava de volta ao lar. Shun achou por bem passar o dia com o irmão. Queria observá-lo, vigiá-lo para que ele não fizesse nenhuma besteira. Fora uma recomendação do advogado. Ikki fora liberado por falta de provas, mas ainda estava sob suspeita. Era obrigado a andar na linha, de agora em diante.

Ele não dissera uma só palavra desde que deixara a delegacia. Apenas se sentou no sofá de frente a TV desligada. Ao lado do aparelho havia um porta-retrato barato, assim como os outros objetos de decoração da casa, onde estava uma foto dele com Esmeralda abraçada as suas costas tendo o rosto angelical da jovem ao colado ao seu.

Ele lembrava perfeitamente o dia em que tiraram aquela foto. Se fechasse os olhos por mais de cinco segundos conseguiria até sentir o perfume de Esmeralda. Chamada carinhosamente pelos irmãos Amamiya de Esme. Acabou se entregando as belas lembranças, deixando que sua mente viajasse livre para o passado.

- Ikki?

- ...

- Irmão?

Shun chama mais uma vez. Na terceira tentativa é atendido. Ikki apenas vira o rosto levemente para o lado. Não consegue olhar diretamente para Shun.

- Sei que é duro, mas precisa reagir.

Desta vez Ikki balança a cabeça minimamente. Seus olhos abandonando o brilho vazio pouco a pouco.

- Vou fazer alguma coisa para você comer... – disse Shun.

Com um gemido, o rapaz levanta e dirige-se para a cozinha. Ikki não comeu a comida que Shun preparou com todo amor. Passou o resto do dia sentado na cadeira olhando o porta-retrato e se afogando em lembranças.

O dia seguinte passou como o anterior. Ikki afundado em pensamentos no sofá, imóvel, fitando o porta-retrato, negando-se a comer e a viver. Shun avisou aos amigos que faltaria alguns dias na faculdade até Ikki se restabelecer daquela depressão tão severa. Ele também conhecia Esmeralda desde pequeno. Amava-a como amiga, quase uma irmã. Sofria sua própria dor pela perda, mas naqueles dias estava mais preocupado com o irmão do que com qualquer outra coisa.

Não imaginava o horror passado no quarto do andar de cima. Ele mesmo se recusou a entrar nas primeiras horas pós-desaparecimento. Sentia um medo terrível e inexplicável cada vez que se aproximava daquele cômodo revirado. Era como se ele sentisse as emanações do pavor de Esmeralda e de seu irmão saindo das paredes. O incidente havia deixado uma marca na casa, um rastro de terror que só ele via. E o pior, era que esse rastro ia em direção a Ikki. Como se alguma coisa ruim ainda fosse acontecer com ele.

No meio das escadas, Shun se perguntou mais uma vez se devia contar o sonho ao irmão. Fechou os olhos com força. Desistiu. Se falasse que tinha sonhado uma noite antes com a mesma levando Esmeralda do quarto estaria aumentando a dor de Ikki. Melhor ficar calado, afinal, era só um sonho. Ele não tinha como prever nada. Já tivera outros sonhos semelhantes que não se tornaram realidade.

Pelo menos não em seu estado, mas isso Shun não sabia.

No dia seguinte, Ikki estava pior. Mais calado, mais introspectivo, e mais magro. A falta de comida e sono estavam deteriorando a saúde de Ikki a olhos vistos. Se continuasse assim, talvez ele não durasse muito tempo.

Preocupado com o estado do irmão mais velho, Shun procurou um amigo que cursava psicologia na faculdade, seu nome era Shiryu. A recomendação fora observar Ikki de perto, evitar tocar toda hora no assunto, mostrar-se presente e disposto a ajudá-lo da forma que fosse. Ikki precisava de estímulos, de apoio, principalmente. E caso continuasse sem comer, deveria ser levado a um hospital antes que houvesse danos a saúde.

Naquela noite Shun entrou em casa com vários pacotes de guloseimas, muitos filmes de comédia e um balde grande de pipoca e outro de refrigerante. Estava desesperado. Determinou-se a fazer Ikki levantar daquele sofá e comer mesmo que para isso tivesse que obrigá-lo. Ikki era duas vezes maior que Shun, mas estava fraco pela depressão e por ter sido preso, então quem sabe ele tivesse alguma chance?

Colocou a comida na mesa da cozinha e entrou na sala chamando pelo irmão:

- Ikki, eu trouxe...

Calou-se ao ver o sofá vazio. Seu coração disparou ao ver que o porta-retrato não estava no lugar de sempre. Subiu correndo as escadas chamando pelo irmão em voz alta. Encontrou-o no quarto bagunçado onde Esmeralda fora levada parado em frente a janela quebrada olhando para a noite.

- Ikki? – deu um passo silencioso na direção do irmão. – Está tudo bem?

Obviamente não estava, mas não conseguiu pensar em outra pergunta para quebrar o silêncio. A resposta demorou a vir.

- Vou sair para procurá-la, Shun. – ele disse finalmente.

- Por que não deixa nas mãos da policia? O inspetor prometeu fazer o possível...

- Vai fazer uma semana e eles não acharam uma pista se quer. – interrompeu.

- Eu sei, mas... – dá outro passo na direção do irmão. Seus sapatos acabam esmagando um caco de vidro no chão. O ruído faz explodir uma lembrança dolorosa na mente de Ikki. Ele aperta o porta-retrato com força. Shun percebe o abalo do irmão. Dirige um olhar preocupado para o porta-retrato, depois para as costas de Ikki. – Eu acredito no inspetor. Ele era amigo do nosso pai e... Você não pode sair de casa, está sob suspeita ainda, infelizmente...

- Dane-se! – berra Ikki se virando. – Esmeralda não era uma dessas meninas ricas filha de figurões dessa cidade! Se fosse, eles já tinham mobilizado até os federais! Eu duvido muito que teriam deixado passar uma semana sem pistas... – joga o porta-retrato na cama, em seguida passa a mão no rosto. – Shun... Eu preciso fazer alguma coisa. Não posso simplesmente ficar parado. Eu tenho que procurá-la, tenho que salva-la. Por que... – se aproxima de Shun, sua voz fica ainda mais tensa. – A coisa que levou a Esmeralda... Eu juro pelos nossos pais, Shun, o que levou a Esmeralda não pertencia a esse mundo. Eu tenho certeza.

- Ok... – suspira Shun atordoado por aquela avalanche de sentimentos despejada em cima dele.

Ikki segura seus ombros fazendo uma leve pressão.

- Você entende, meu irmão? Acredita em mim?

- Eu acredito. Desde o começo... Eu sei que você não mentiria ou faria algum mal para a Esme... Mas como vamos atrás de uma coisa que não pertence a esse mundo? Onde começar a procurar?

Viu o irmão caminhar em círculos pelo quarto.

- Não sei, mas eu tenho que tentar. Se ficar aqui parado, vou enlouquecer.

- Certo. Eu vou ligar para o Seiya para ele segurar minhas pontas na faculdade...

- Não! Você fica!. – aponta o dedo para o irmão. – Deu muito duro para entrar nessa faculdade. Não pode arriscar seu futuro...

- E daí? Vou com você assim mesmo...

- Não vai e está decidido! – exclama.

Ficam em silêncio. Ikki sabia que aquilo era arriscado demais para o irmão mais nojo. Sabia não, previa. Shun era inteligente, porém frágil, do tipo que só não sofria nas mãos de valentões no colégio porque Ikki o protegia. Ikki se sentia mais do que responsável por ele. O lugar de Shun era na faculdade, lá ele estaria seguro.

- É do meu futuro que estamos falando, Ikki. – a voz clara de Shun rompe os pensamentos de Ikki. – Acho que tenho o direito de decidir. E outra coisa... Não posso deixar você sozinho nessa. Esmeralda também era importante para mim. Eu também sinto que não posso ficar parado. Pensamos melhor juntos, não? Eu cérebro, você músculos. Não é assim que o Hyoga fala?

O comentário descontraído acaba arrancando um sorriso de Ikki. Talvez fosse mesmo verdade o que o russo dizia sobre os irmãos. De fato não faziam nada separados, precisavam um do outro como ketchup e maionese para dar sabor ao cachorro-quente. Um topava qualquer parada pelo outro e visse versa. Hyoga também dizia que eles só não dividiam a mulher, fora isso até as cuecas.

- Obrigado, Shun. – responde Ikki.

Os irmãos se abraçam.

- Só tenho um último pedido. Podemos comer antes? Eu comprei bastante coisa, e é pecado deixar estragar.

*O*O*

Alimentados, cada um encheu uma mochila com o que julgavam que poderiam precisar para aquela missão. Passava das cinco da tarde quando entraram no carro do mais velho, um Chevrolet Impala de 1967 preto. Xodó de Ikki. Ikki gostava tanto daquele carro que não deixava o irmão dirigir mais de uma vez por semana. Dizia que sua menina estranhava outras mãos em cima do volante. Era uma relação patológica, de fato. Algo que só os aficionados por carros antigos entendem.

Quando passaram o quarteirão, Shun perguntou:

- Então, onde vamos começar a procurar?

- No mundo sobrenatural. – respondeu Ikki olhando fixo para a estrada.

- Que disse?

- Depois de pensar bastante no assunto, cheguei a conclusão de que a coisa que levou a Esmeralda pode ser um monstro, um fantasma, qualquer coisa. O único jeito de descobrir o que é, é perguntar a quem lida com esse tipo de coisa, com o mundo sobrenatural.

- Ta. E quem está pensando? – pergunta Shun franzindo as sobrancelhas.

Logo o irmão que sempre foi um cara super descrente falar em monstros e fantasmas? Era surreal demais.

- Em um vidente. O nome dele é Mu, e ele vive em Sanford. Achei o nome e o endereço numa agenda velha do nosso pai.

- Nosso pai se consultava com um vidente? – pergunta Shun com ares surpreso.

- Digamos que quando nossa mãe morreu, ele ficou um pouco desnorteado...

- Sei...

Shun ficou pensativo. "Um pouco desnorteado" era o jeito carinho de dizer totalmente arrasado. Ikki falava pouco dessa época. Quando criança, Shun sempre perguntava como era a mãe, do que ela gostava, mas conforme os anos foram passando, ele ficou mais conformado.

Percebeu que não adiantava arrancar do irmão tudo sobre a mãe, morta devido a uma leucemia um ano depois que ele nasceu. Nada do que o irmão falasse despertaria alguma lembrança, ele era muito pequeno para guardar algo. O pai de Ikki e Shun, Akaito, era praticamente um espelho de Ikki, tanto na aparência quanto na personalidade.

Quem conhecia o patriarca Amamiya, dizia que Ikki era seu duplo mais novo. Muitos se impressionavam com a semelhança, que era motivo de orgulho para Ikki. Akaito morreu dois anos depois da mulher, vítima de um acidente de trânsito. Como eram imigrantes japoneses, os irmãos acabaram no abrigo para menores de Portland, onde conheceram Esmeralda. Outra órfã desamparada.

No fundo ambos não sabiam o que fazer ao certo. Ikki estava perseguindo uma possibilidade remota, representada por aquele vidente de nome estranho, e Shun apenas seguindo o irmão.

Passaram no banco para pegar algum dinheiro para despesas de viajem e seguiram até os limites sul de Portland. O carro deu uma guinada quando Ikki virou o volante para o retorno Sul que dava para a intermunicipal.

A placa a beira da estrada dizia: "Sanford, 60 km sul". Depois de passar por ela, a música baixa e o leve trepidar do carro fez Shun caiu no sono.


Provavelmente o próximo capítulo vai demorar bastante para chegar. Para mais informações, acessem minha página no facebook (Cdzficsession) ou meu perfil (Luna Del Rey).

Até o próximo capítulo!