1. Lembranças em um sonho
Era madrugada, e Arendelle dormia. Tudo o que se ouvia era o passo dos guardas, espaçados por um pequeno intervalo de tempo. Uma rajada de vento frio foi o único sinal de que mais alguém estava desperto.
Evitando fazer qualquer ruído, a rainha Elsa abriu as portas que davam para a sacada do seu quarto. Não conseguiria voltar a dormir, seus pensamentos estavam agitados demais para isto. Culpa daquele sonho... Ela se debruçou sobre a balaustrada, fechando os olhos, enquanto o vento gelado brincava com seus cabelos soltos.
Um ruído abafado fez com que ela voltasse à realidade. Rapidamente, Elsa olhou para o lado, em tempo de ver sua irmã saindo para a sacada com uma expressão de dor e com a mão na cintura. Devia ter esbarrado em alguma coisa.
- O que está fazendo acordada, Anna? – ela perguntou, em voz baixa.
A outra mulher se virou para a rainha, quase dando um pulo de susto. Sorrindo, Elsa balançou a cabeça. Aparentemente sua irmã nunca mudaria, naquele aspecto.
- Sem sono. – ela falou, hesitando um pouco em seguida. – Podemos conversar?
Com um gesto, Elsa chamou a garota, ainda sorrindo. Anna olhou, pesarosa, para a distância entre as duas sacadas, antes de voltar para dentro de seu quarto. Suspirando, a rainha também entrou, fechando as portas para a sacada atrás de si, antes de abrir a porta do quarto para a irmã.
- O que houve, Anna?
- É só que...
Ela olhou ao redor, hesitante, antes de se sentar na cama, com as pernas cruzadas. Elsa se sentou ao seu lado, esperando que continuasse.
- Quando éramos crianças, tinha mais alguém?
A rainha se empertigou, alerta. Esperava qualquer coisa, menos aquilo, vindo de sua irmã.
- Como assim, mais alguém?
- Tinha um garoto brincando na neve com a gente, não tinha?
- De onde você tirou isso? – a voz de Elsa assumiu aquele tom seco e gelado do qual ela nunca havia conseguido se livrar completamente.
- Eu sonhei com ele. – Anna falou, defensiva, se levantando de um salto. – Ele na neve... Na sua neve, aqui dentro do castelo! Quem era ele?
- Anna...
- Eu só quero saber para ver se assim consigo dormir em paz!
A rainha estendeu as duas mãos, tentando acalmar a irmã.
- Anna, eu não sei. Juro. Não me lembro de nada disto.
- De verdade?
- De verdade. Tente voltar a dormir. Quem quer que seja... Se existiu... Está no passado.
Anna assentiu, dando um rápido abraço na irmã antes de sair do quarto. Elsa fechou a porta, antes de voltar a se sentar no mesmo lugar. Quem era aquele garoto? Por que ele estava nos sonhos dela e da irmã? E por que ela se lembrava de correr pelo salão de mãos dadas com ele, enquanto ele criava gelo no chão?
- Você deveria seguir o conselho que deu para sua irmã. – ela falou para si mesma. – Quem quer que ele fosse, ficou no passado... Se é que existiu.
Ainda inquieta, ela voltou a se deitar. Não conseguia deixar de pensar nos sonhos que vinha tendo com cada vez maior freqüência... Nem de se lembrar daqueles anos praticamente trancada em seu quarto, com apenas o medo por companhia, quando parecia que o próprio gelo conversava com ela.
Jack parou na beira do penhasco, observando a cidade no fiorde. Não mudara quase nada desde sua infância. Tinha tantas lembranças dali... Havia sido naquela cidade que descobrira que ninguém podia vê-lo. Então, uma criança perdida, sem saber o que fazer, ele se deparara com duas garotas, crianças, na verdade. Elsa e Anna. Elas haviam olhado para ele, sorrindo, e o arrastado para brincar na neve.
A amizade entre eles cresceu, e ele nunca parou para se perguntar por que elas eram capazes de vê-lo quando para todos os outros não era nem mesmo um fantasma. Ele criava o gelo para que brincassem no palácio, e as irmãs lhe faziam companhia.
Até que um dia ele acordou e não estava mais na cidade.
Foi então que Jack descobriu que tinha um trabalho a cumprir. Levar a neve e o gelo até onde o sol nem sempre desejava que chegassem. Os dias de neve, a chegada do inverno, eram sua responsabilidade. E não havia como escapar daquilo.
Quando conseguiu voltar para a cidade, foi para encontrar a Elsa trancada em seu quarto, cercada de gelo e de medo, e Anna sozinha, sem entender porque havia sido abandonada. E elas não conseguiam mais vê-lo. Sem saber o que acontecera e sem ser capaz de deixar as duas daquele jeito, ele ficou, mesmo assim. Ele nunca desconfiara que uma delas podia ser como ele... Sem saber o que mais poderia fazer, Jack acabou se tornando uma companhia constante para a mais velha das irmãs. Sabia que os empregados do castelo diziam que ela tinha um amigo imaginário, mas já não se incomodava tanto com isso.
Jack nunca soube se ela o reconheceu, naquelas várias vezes que esteve na cidade. Na verdade, nem mesmo tinha certeza de que ela o ouvira, na maioria das vezes. Mas não podia deixá-la assim, sozinha, prisioneira de si mesma.
E agora ele voltava, mais uma vez. Havia se perdido na contagem dos anos e nos invernos que haviam se passado, mas sabia que fazia tempo demais desde sua última visita. Ele se lembrava de ouvir, de forma vaga, sobre a morte do rei e da rainha... Isso queria dizer que Elsa agora era rainha. Mas também ouvira sobre a jovem rainha que havia colocado a cidade sob um inverno terrível. Mais uma vez, não sabia o que acontecera. Vira as ruínas de um castelo de gelo, mais acima na montanha, mas não fazia ideia do que aquilo poderia significar.
Será que elas se lembravam dele, de alguma forma? Será que desta vez seriam capazes de vê-lo? Ele balançou a cabeça, com um meio sorriso amargo. Ainda tinha ilusões. Mas ele iria até a cidade para vê-las e tentar descobrir o que acontecera, mesmo que as irmãs jamais se lembrassem do seu companheiro de infância.
- Em breve... O primeiro dia de neve está chegando. – ele falou, mais para si mesmo, enquanto saltava para o ar.
