Nunca se deve beber chocolate quente sobre um tapete creme
Um silêncio confortável abatera-se sobre a enorme casa, durante as últimas horas do dia. O fogo, na lareira de mármore trabalhado, crepitava alegremente, iluminando a colossal sala de estar. Os seus raios de luz iluminavam um enorme pinheiro, decorado em tons de verde e prata, onde, à sua sombra, se encontravam dispostos inúmeros embrulhos.
Uma rapariga de treze anos apressava-se a abanar alguns presentes, olhando em redor para se certificar de que continuava sozinha, na divisão. Tentava adivinhar quais lhe estariam destinados sem que mais ninguém se apercebesse de tais deambulações.
- Elise Magnolia Malfoy! – reverberou uma voz feminina pela sala. A rapariga guinchou assustada, deixando cair o presente que tinha nas mãos – Quantas vezes já te disse para não andares a mexer aí? Terás de esperar até à meia-noite! – uma mulher de longo cabelo loiro aproximou-se da área banhada pela luz da lareira, com as mãos nas ancas e uma expressão séria.
Elise murmurou uma praga e afastou-se do pinheiro, marchando em direcção ao sofá, onde se deixou cair pesadamente. No mesmo instante, o som de uma porta a fechar-se ouviu-se pela casa e a expressão de Astoria derreteu para uma de boas-vindas.
Um rapaz de vinte anos entrou na sala, afastando a neve que lhe caíra sobre o cabelo com uma mão, enquanto a outra estava a segurar uma rapariga de cabelo ruivo, contra si.
- Boa noite, mãe. Boa noite, pirralha – cumprimentou ele, desistindo da tentativa de manter o cabelo seco.
- Boa noite Mrs. Malfoy – disse a ruiva, e com um acenar de mão e um piscar de olho, sorriu à outra rapariga que corria na sua direcção.
- Não sou nenhuma pirralha – retorquiu Elise e virando as costas ao rapaz, perguntou – Sabes o que o Scorpius te vai oferecer? Eu vi o que… - mas então as suas restantes palavras foram abafadas pela enorme mão de Scorpius, que apenas deixava escapar sons estrangulados.
- Scorpius, poderias não tentar matar a tua irmã, pelo menos este Natal? – pediu uma voz arrastada, proveniente da escadaria.
- Desculpa, pai – disse Scorpius, num tom que deixava bem claro não estar nada arrependido.
Elise passou por ele, com o narizinho no ar e um ar de enfado estrategicamente colocado para irritar o irmão. A rapariga ruiva deu uma risada, chamando a atenção para a sua pessoa.
- Boa noite, Rose – cumprimentou Mr. Malfoy e esta não pôde, mais uma vez, deixar de notar que o pai de Scorpius sempre a tratava pelo primeiro nome, mesmo que o seu tom de voz demonstrasse não se sentir à vontade com ela. E não pela primeira vez, se questionou se seria uma forma de evitar dizer Weasley…
- Boa noite, Mr. Malfoy – disse Rose e virando-se para o casal, continuou – agradeço o convite para passar esta noite convosco… Com os meus pais a visitarem o meu irmão na Roménia, teria ficado muito solitária…
O casal imponente anuiu, com compreensão e quase como num gesto instintivo encaminharam-se para a escadaria. Scorpius puxou Rose pela mão, na direcção do sofá e depois de estarem instalados, virou-se para ela, com um sorriso triunfante.
- Não foi difícil, pois não?
- O meu coração parecia querer saltar-me pela boca – e pegando na mão do namorado, colocou-a contra o seu peito. Este podia sentir o órgão a bater desesperadamente, como se a sua dona tivesse acabado de correr a maratona.
- Hum, esta posição é-me particularmente favorável – murmurou ele, descendo a mão alguns centímetros.
- Scorpius Hyperion! – exclamou Rose, dando-lhe uma palmada na mão – Estamos na sala dos teus pais, não considero que seja o local mais apropriado para isto!
- Oh, mas então eu posso arranjar um outro local, que me dizes? – retorquiu ele, com um sorriso travesso. Rose tentou manter um ar sério, mas acabou vencida pela sua expressão de menino maroto.
- És impossível!
- Faz parte do charme…
- Por favor, parem com isso! Está a dar-me vontade de vomitar! – berrou uma voz da divisão ao lado. Elise parecia ter ouvido tudo, o que fez Rose corar e Scorpius retorquir – Não me digas que tens ciúmes? – ao que Elise o mandou fazer algo que deixou Draco e Astoria chocados e a rapariga de castigo durante uma semana.
- Vamos para o meu quarto, até ao jantar – sugeriu Scorpius, agarrando a mão de Rose. Esta seguiu-o, sem pensar duas vezes.
Uma enorme cama de dossel, com cortinas verdes a protegerem-na, ocupava o centro do quarto. A neve acumulava-se na varanda, reflectindo o brilho da lua em diversos objectos: uma moldura prateada com Rose e Scorpius a sorrirem e a acenarem; uma vassoura de competição semi-coberta por mantos de Quidditch; algum papel de embrulho proveniente das tentativas de Scorpius de embrulhar os presentes sem magia, mas que não haviam sido eficazes e um mocho, que dormia, empoleirado numa barra ao lado da varanda.
- Sabes, de cada vez que venho ao teu quarto, está sempre mais desarrumado… - comentou Rose, afastando os montes de roupa que se encontravam por cima da cama para se deitar sobre esta – Até parece que não tens elfos domésticos…
- Só estou a tentar manter-me no lado bom da minha sogrinha… - respondeu ele, enquanto afastava a roupa com um pontapé para debaixo da cama.
- Da tua quê?
- Sogrinha… afinal, quando um dia caíres totalmente aos pés dos meus encantos e te casares comigo já estarei habituado ao novo vocabulário – Scorpius disse tudo isto num tom airoso, rezando para que Rose não visse as suas faces ruborizadas. Deitando-se a seu lado, não pode deixar de notar que esta adquirira uma expressão um tanto ou quanto desiludida e preparava-se para a questionar, quando uma batida na porta do quarto se fez ouvir e Mindy, a elfo doméstico vestida numa elegante toalha de chá, o informou de que o jantar iria ser servido.
- Oh, e já agora, que presente tão secretivo é esse? – questionou Rose, enquanto desciam as escadas. Scorpius sentiu a temperatura subir e teve de conter-se para não tentar alargar o colarinho do manto. Sorrindo de forma enigmática, encolheu os ombros e deixou Rose com uma expressão carrancuda.
A mesa dos Malfoy erguia-se de forma sumptuosa com alimentos de todos os tamanhos e feitios a colorirem o ambiente com os seus aromas e cores. Os elfos domésticos serviam os convivas de forma eficiente e Rose notou, com satisfação, que eram bem tratados pelos seus amos, algo que não deixava de a surpreender ao lembrar-se de que estava à mesa com Draco Malfoy.
Era a primeira vez que estava na casa de Scorpius por um período prolongado de tempo: normalmente encontrava-se com este durante o trabalho no Puddlemore United, na sua casa ou na de Al, ou então em cafés acolhedores do mundo muggle, onde podiam escapar ao escrutínio das outras pessoas. Apesar de terem passado quase três anos desde a primeira vez que falara com Draco Malfoy, o homem continuava a incutir-lhe uma sensação desconfortável, como se estivesse continuamente sob um olhar avaliador. Sentindo-se avaliada, acabava sempre por tropeçar em algo ou partir um qualquer objecto de valor incalculável, da última vez sendo um espelho que remontava à época dos segundos descendentes dos fundadores de Hogwarts, por sorte a magia conseguia resolver esses pequenos percalços, mas nada fazia por ela ao tentar manter uma boa imagem de si. Scorpius ria-se, e dizia-lhe para tentar ser mais ela própria, mas por mais que se esforçasse havia sempre algo que corria mal… por isso estava firma em fazer daquela noite absolutamente perfeita em termos de comportamento.
- Rose, não temos tido muito tempo para conversar, mas ouvi dizer que levas a equipa ao desespero em jogos de xadrez, é verdade? – perguntou Astoria, enquanto bebericava um pouco de vinho.
- Bem, se contarmos as pragas que me rogam ou as apostas perdidas como desespero, acho então que os levo ao desespero – concordou Rose, sorrindo – Mas a verdade é que o verdadeiro génio é o meu pai, ele é absolutamente brilhante, apenas o meu irmão consegue vencê-lo por vezes…
- Hum… - tossicou Mr. Malfoy – Então, talvez devêssemos colocar em práticas essas capacidades. Eu sou bastante dotado em estratégia, sem querer gabar-me…
- Mas já o fazendo – concluiu Elise, tão baixo, que apenas Rose que estava a seu lado a ouviu e ambos trocaram um sorriso cúmplice.
- Claro, Mr. Malfoy, com todo o prazer – assentiu Rose e Scorpius viu no brilho dos olhos dos dois que estava mais em jogo do que um simples jogo. Ele só esperava não acabar a noite na sala de espera de São Mungo, ou pior, numa sala de observação.
Draco Malfoy era muitas coisas, mas incompetente era coisa que não fazia parte dos seus atributos, no entanto, tinha de admitir que a rapariga o vencera de forma vergonhosa… seis vezes.
Bufando de impaciência, acabou por afastar o tabuleiro da frente, com um suspiro derrotado e enterrou-se no sofá individual onde se sentara.
Durante momentos, Rose continuara a observá-lo, com a adrenalina que apenas um jogo de Quidditch e um jogo de xadrez conseguiam produzir nela: nascera a pensar estrategicamente, sempre a imaginar os ataques dos oponentes, desde o novo local onde a mãe esconderia o frasco do chocolate ao xeque-mate que Draco continuamente tentara realizar, mas que vira frustrado sempre no último momento.
Aceitando o chocolate quente que Mindy lhe estendia, Elise observava o irmão de sobrolho franzido. Este roía as unhas e olhava ora para Rose ora para um presente em especial, debaixo da árvore. A rapariga sabia do que se tratava e apenas para chatear o irmão referira-o, tentando despertar a curiosidade de Rose, mas sempre com a intenção de não revelar nada. O nervosismo de Scorpius era palpável e até mesmo a sua mãe, que não tinha conhecimento do seu plano podia sentir como o seu primogénito se mexia nervosamente, no sofá, cruzando e descruzando as pernas, olhando para o enorme relógio de caixa, mordendo o lábio inferior…
Até que, finalmente, o momento chegou. O relógio começou a tocar as doze badaladas e com um salto, Elise correu para a pilha de presentes, começando a distribuir pelos ocupantes da sala. Rose aceitou o seu, depositando a caneca anteriormente cheia de chocolate sobre a mesa da sala. A rapariga mais nova oferecera-lhe um colar com um pendente de cristal, enquanto Scorpius segurava contra a luz um par de meias, com uma expressão carrancuda, até se aperceber de que dentro destas estava uma snitch que poderia ser programada para diversos modos de treino. Seguidamente Astoria e Draco levantaram-se e para surpresa de Rose também a presentearam com um luxuoso manto verde-garrafa e uma pregadeira de prata. Então, quando finalmente Scorpius se preparou para se levantar, Elise não pôde deixar de dar uma gargalhadinha, que deixou três pessoas a olharem-na com dúvidas sobre a sua saúde mental e um rapaz com desejo de se tornar filho único.
Este marchou maquinalmente para a pilha de presentes e fingindo pegar num, mas retirando sub-repticiamente uma pequena caixinha de veludo do bolso, voltou-se para Rose, que o observava, ansiosa.
- Rose Dora Weasley – disse ele e algo no seu tom de voz disse a Astoria tudo o que precisava de saber – o meu pai não gostava de ti, mas depois de seis derrotas, acho que passou a gostar ainda menos – tanto a expressão de Draco como a de Rose enegreceram: que estava aquele rapaz para ali a dizer? – o que apenas me faz mais feliz de te ter ao meu lado: alguém que faça o Draco Malfoy aperceber-se de que também pode ser derrotado no xadrez e de que não deveria ter humilhado o filho ao longo de uma vida repleta de terríveis cheque-mates… - Rose olhava para os três em busca de uma qualquer explicação para aquele conversa sem nexo, mas Draco olhou-a com a mesma confusão, Astoria suspirava com impaciência e Elise parecia estar a fazer um enorme esforço para não se rir – mas não era para falar disso que aqui estou – apressou-se a dizer, apercebendo-se de que estava a perder o público – Hum hum… o que eu te quero dizer é… - e pondo-lhe a caixa debaixo do nariz, ao mesmo tempo que a abria – queres casar comigo?
Um baque e o som de estilhaços fez-se ouvir e por uma vez não se tratara de algo que Rose partira: Draco olhava para o seu belo tapete creme onde uma manga castanha se propagava, ao mesmo tempo que os cacos da sua elegante chávena brilhavam no chão de pedra.
- Então? – perguntou Scorpius, abanando a caixa, onde se encontrava um delicado anel de prata com uma esmeralda, por baixo do nariz de Rose e quase lhe enfiando um dedo nos olhos. Estes seguiam o objecto em todos os seus movimentos e ao aperceber-se de que a mão que o segurava começara a tremer, olhou para a face a centímetros da sua.
Sem abrir a boca e sem pensar em mais nada, deu um grito que deixou todos na divisão com um zunido nos ouvidos e lançou os braços ao pescoço de Scorpius, fazendo-o cair de costas sobre a carpete. A cabeça deste bateu no canto da mesa e por momentos viu estrelas a dançarem à frente da sua linha de visão.
- Isso é um sim? – ainda teve tempo de perguntar antes da visão lhe começar a falhar e a última coisa que viu foi Rose a anuir e então a gritar desesperada.
- Oh meu Merlin, eu matei-o! Vou ser viúva ainda antes de casar! – Elise ria às gargalhadas, enquanto repetia ao irmão a reacção de Rose ao ver o recém-noivo a desmaiar.
Scorpius ria também, enquanto ao seu lado Rose fazia beicinho, massajando-lhe a mão com pequenos círculos.
Já era quase hora de almoço quando Scorpius acordara e a irmã não perdera tempo a contar-lhe tudo. Depois de recuperar os sentidos, esta tivera a decência de o deixar a sós com Rose, para que pudessem conversar.
A luz da manhã nevada iluminava o resplandecente anel que Rose não era capaz de parar de admirar, colocando-o em diversos ângulos para observar como a luz se reflectia neste de diferentes formas.
- Querida, o anel vai continuar a ter o mesmo aspecto, independentemente das vezes que olhares para ele – comentou Scorpius, fazendo Rose corar e aquietar a mão sobre o colo.
- Podes estar com gracinhas agora, mas espera só até contares ao Ron Weasley que acabaste de pedir a mão da sua querida e cândida filha em casamento…
Scorpius empalideceu ainda mais do que era normal e por momentos imaginou o segundo melhor Auror do Ministério a persegui-lo com um machado através do campo de Quidditch. Sem saber de onde lhe saíra o machado ou porque não pegara na sua vassoura para fugir, ainda teve energia para perguntar:
- Tens alguma irmã com que eu vá casar em vez de ti?
- Não… - respondeu Rose, olhando-o desconfiada.
- Ah, então foi confusão minha, julguei ter ouvido a palavra cândida e filha na mesma frase…
- Scorpius Malfoy!
