Cena I:

"Não posso explicar esse sentimento Eu penso nela todo dia E mesmo sabendo que estamos em outra É muito difícil desencanar (vou lembrar de você, você vai lembrar de mim)"

–Droga! – resmunguei atravessando a rua.

Era noite em Londres. E apesar do hemisfério norte estar no outono uma tempestade desestabilizou o ritmo marcado da cidade. Ventava muito e eu tentava me proteger da chuva erguendo o paletó até a cabeça. Muita gente corria buscando abrigo, outros tinham suas sombrinhas e guarda-chuvas levados pelo vento. Seria cômico se eu não estivesse quase na mesma situação.

Não havia conseguido estacionar o carro próximo ao bar e restaurante que costumava freqüentar por isso enfrentava aquela chuva. E o sinal parecia não fechar somente para que eu desfrutasse melhor o momento.

–Droga! – resmunguei de novo.

Se eu andasse com um guarda-chuva no carro poderia ao menos tentar me proteger dessa chuva incessante. Mas eu não gostava dessas coisas.

Ainda a esperar o sinal fechar vi duas crianças correndo pela outra calçada com os braços abertos, curtindo a sensação de gotas frias de chuva molharem todo o corpo, enquanto uma mulher de certa idade tentava segui-los.

O sinal abriu. Pude enfim atravessar e entrar logo depois em um bar e restaurante. Mas não um qualquer. Eu costumava, quase todo fim de semana, vir nesse bar. Era um bom lugar. Aconchegante, iluminado e bem arejado. Com cores claras e contrastantes tornando o ambiente descontraído. É bastante amplo, com mesas bem decoradas, um palco onde todo fim de semana tinha alguém tocando e uma pequena pista de dança. Passei pela entrada e sorri para um atendente quando esse me pediu o paletó ensopado.

Sentei-me em um banco do bar enquanto afrouxava a gravata e um barman veio até mim com um costumeiro sorriso.

–Senhor Potter! – saldou-me – O de sempre? – perguntou com uma garrafa e um copo já nas mãos.

–Sim, Jeremy – aceitei passando uma mão pelos cabelos. Deveriam estar mais desarrumados que o de costume.

–Que temporal, heim? – disse o jovem de cabelos negros e curtos, olhos castanhos, pele clara e estatura mediana.

–Em pleno outono! – resmunguei ainda chateado – Obrigado! – agradeci após ele ter me servido.

Tirei um gole e me olhei pelo espelho do bar. Ajeitei uns fios de cabelo revoltos.

Um casal entrou no bar. Eram só sorrisos. Mudei minha expressão. Havia abatimento nela e meu pensamento estava distante.

–Algum problema, senhor? – questionou o barman.

Balancei a cabeça voltando a mim. Suspirei e tirei outro gole da bebida que desceu quente pela minha garganta, queimando.

–Muitas pessoas devem vir aqui para desabafar sobre suas frustrações, não é? – indaguei triste.

–Muitas, senhor – consentiu o homem – Mas o senhor não faz parte desse contingente, nunca o fez. E sabe que se precisar de um bom ouvinte eu nunca me negaria – e sorriu.

Nesses anos que freqüento o Ted's, Jeremy sempre fora uma boa companhia. Poderia considerá-lo um amigo? Seria demais?

–Eu terminei um namoro uma vez – comecei.

O que mais precisava era conversar com alguém. Meus amigos já sabiam do meu sofrimento e nada mais podiam fazer. Mas eu acreditava que colocando tudo para fora conseguiria me sentir melhor. Das vezes que tentei isso nunca deu certo, contudo aprendi a ser insistente. Aprendi com ela.

–Meu primeiro namoro – continuei enquanto Jeremy passava um pano úmido sobre o balcão – Meu primeiro amor. Dizem que a primeira vez nós nunca nos esquecemos. Não importa em relação a que. Não acho que isso sempre aconteça. Mas com ela foi. Foi porque ela era especial. É especial – eu estava um pouco confuso. Sabia que meu ouvinte tinha dificuldade para me acompanhar, pois eu pensava em muitas coisas ao mesmo tempo – Eu não me lembro como tudo terminou, porém me recordo de ter ficado arrasado. E depois dela eu tentei amar outras mulheres, me relacionei com muitas. Todas tentativas falhas. Nunca me apaixonei por nenhuma que me fizesse esquecê-la. Eu ainda posso lembrar do contorno dos seus lábios. Ou de como seus cabelos ficaram depois de ela ter conseguido domá-lo. Até mesmo do brilho em seus olhos quando nos encontrávamos – Jeremy me encarava. Eu deveria estar um pouco perdido. Tentando manter essas lembranças seguras. Onde elas não correriam o risco de serem esquecidas – Hoje em dia essas memórias me causam muita tristeza. Saber que a perdi. Saber que ela era a única que preencheria esse vazio. Entende?

O barman balançou a cabeça afirmativamente. Mas eu duvidava se de fato ele entendia.

–Não sabia que o senhor poderia ser tão triste, senhor Potter – Jeremy afirmou.

Era de se esperar. Eu nunca falei com ele sobre assuntos mais delicados. Nossas conversas eram sempre alegres e descontraídas. Ou até mesmo sérias. Mas nunca tristes.