Distúrbio Bipolar
Não é porque meu coração estava prestes a sair pela minha garganta por eu estar na Sala Comunal sozinha com o Potter signifique que me sinta atraída por ele. Quase meia noite. Eu podia estar sofrendo algum tipo de distúrbio bipolar o qual perco o comando do meu corpo. Ou não. Ninguém tem controle do próprio corpo essa hora, tudo funciona no modo automático.
Ontem, a Alice voltou esse horário para o dormitório com a maior cara de paisagem. Ela estava se amassando com o Longbottom em algum canto do castelo. Portanto, repito, nesse horário ninguém consegue controlar seus próprios atos. Alice me entenderia.
Ele falava comigo olhando diretamente nos meus olhos. Embora eu conviva diariamente com o Potter, tem coisas que eu não reparo como estava reparando naquele momento. Ele estava bem perto. Mais perto que o normal. Tão perto que conseguia enxergar atrás dos aros dos óculos que ele usa.
Faço mentalmente uma nota: seus olhos parecem mais castanhos de longe, mas a verdade é que, olhando da distância que estávamos, era possível ver borrões esverdeados. Seus olhos são castanhos esverdeados.
E são brilhantes.
Ele tem uma marca de catapora na bochecha esquerda. Ele precisa fazer a barba e, talvez, quem sofra de distúrbio bipolar – ou quem apenas esteja com sono – não comece a reparar na parte inferior do seu rosto essa hora. Ele estava encostado na poltrona olhando pro teto. Eu fingia que lia alguma coisa em um livro qualquer, mas o espiava de rabo de olho. Reparei que ele também me espiava ás vezes. Ele ficava com a boca entre aberta e, a cada minuto que percorria, passava a língua sobre os lábios para umedecê-los e eu percebi que, Merlin, eu estava reparando na boca do Potter!
"Nós permaneceremos em silêncio ou eu preciso ser irritante para você falar comigo?"
Ele desencostou a cabeça do sofá, umedeceu os lábios com a língua (de novo) e olhou para mim. Olhou com seus olhos brilhantes para mim.
"Você não precisa se esforçar pra ser irritante, consegue fazer isso espontaneamente", brinquei, tentando fingir que não reparava em nada especial nos segundos anteriores.
"Eu me esforço para não perder esse legado".
O encarei. Quem em sã consciência se esforça em irritar os outros? Merlin, quem sorri orgulhoso ao dizer que se esforça para irritar os outros?
"Então...?"
"Então o que?"
"No que você tava pensando?"
"Eu acho que tenho distúrbio bipolar".
Eu falei a primeira coisa que me veio à cabeça. É claro que eu não iria falar como reparava o quanto ele precisa fazer a barba ou de sua mania labial; mas eu realmente precisava dizer a primeira coisa estúpida que me veio em mente? Lílian Evans estúpida. Qual é a reação que você espera ao contar sua teoria a alguém? O que você espera contando essa sua estúpida teoria ao Potter?
Só me restava uma coisa, espera-lo parar de rir. Ele estava gargalhando da minha cara.
"Lily, você é tão engraçada". – ótimo, pensei, ele também me acha estúpida. Ele só resolveu ser gentil e falar "engraçada". Também faria isso se estivesse no lugar dele. – "Por que você acha isso?".
"É meio confuso. Nós brigamos desde a manhã até a hora do jantar, depois disso, parece que fazemos um acordo pacífico, sendo que, na manhã seguinte, o ciclo continua. Brigas durante o dia, paz depois do jantar. Não faz muito sentido. Pelo menos pra mim não faz sentido nenhum. Não era mais fácil quando só brigávamos? Dava pra distinguir 'a Lily e o James não se dão bem', mas pelo contrário, não da pra definir o tipo da nossa amizade". – fiz uma pausa. Ser amiga do Potter não é indiferente para mim, talvez nunca tenha sido e só agora vejo isso. – "Por isso, acho possível eu ter transtorno bipolar. É minha explicação plausível".
Acho que falei isso rápido demais. Incrível foi ver que, ao contrário do que eu esperava, o James não estava rindo de mim. Ele me encarava – com seus olhos brilhantes – tão atento, parecendo querer sentir e absorver cada palavra que eu dizia.
"Acho que os N.I.E.M.'s estão te deixando louca", respondeu debochado.
Revirei os olhos. É claro que eu estava me iludindo. O Potter continua sendo o Potter. Ou era a maneira mais fácil de concordar com a minha teoria.
Ou ele realmente se esforçava em seu legado.
"Isso foi um sim, certo?"
"Não. Isso não foi um sim, nem um não."
"Então se eu não tenho distúrbio bipolar, você que deve ter, Potter", era para ofendê-lo, mas a reação foi contrária. Ele riu de novo.
"Pensei que tivéssemos superado essa fase do 'Potter'."
"Não enquanto você continuar rindo de mim".
Não enquanto existir um conflito entre o novo James e o velho Potter dentro de mim.
"Lily" – ele pousou sua mão em cima da minha –, "qualquer pessoa que conviva com você pode ver o quanto você é esforçada em tudo que faz. Eu sei que minha opinião não importa muito, mas acho que você leva tudo muito a sério. Você nem precisa estudar para o N.I.E.M.'s, tenho certeza que passaria com facilidade. Talvez não ganhasse um Excede Expectativa, mas passaria. Sem contar os assuntos da monitoria, você faz com antecedência qualquer coisa que Dumbledore ou McGonagall peçam. Você passa a maior parte do tempo procurando uma perfeição já existente. Não esquente tanto a cabeça com tudo. Caso contrário, irá continuar louca" – ele pode estar meio certo. Usou bons argumentos. Não respondi, então James continuou. – "Eu acho que pela hora você está cansada o suficiente para não se preocupar com alguma coisa. Não tente arranjar uma desculpa de que não somos amigos. Nós somos amigos, Lily. Lide com isso".
"É estranho".
"Não tem nada estranho. Remus, Sirius e Peter são seus amigos. Marlene e Alice são minhas amigas. Eles também são amigos entre si. Nós somos os monitores-chefe do ano. Não faria sentido se não fossemos amigos, então, eu concordaria com você, seria estranho".
"Um ano atrás vivíamos numa espécie de 'Guerra Fria' dentro de Hogwarts" – James abriu a boca para me responder, porém fui mais rápida. Eu toquei inocentemente em um ponto delicado desses tempos. – "Comparação ruim, eu sei".
"Ruim, infeliz e muito exagerada por sinal" – obrigada pela sinceridade, James. – "Você sabe que a 'Guerra Fria' é só um meio de abafar os ataques do Voldemort pros trouxas, certo?".
Eu sei disso. Sinceramente, não queria puxar a conversa para esse lado. Acho esse um dos motivos que tanto me estressa diariamente.
"Nós realmente vamos falar disso a essa hora?".
"Você que tocou no assunto, Lily".
"Eu sei, não foi intencional".
Permanecemos naquele silêncio que ambos refletiam sobre a repercussão da conversa. Eu e James, particularmente, sabemos o que Voldemort vem armando. Alguns entes queridos dos nossos conhecidos saíram feridos depois dos ataques dos Comensais. Somos monitores-chefes, Dumbledore nos informa até mesmo do que o Profeta Diário abafa ou distorce. Nós sabemos das coisas e não gostamos nenhum pouco delas.
Eu deveria quebrar aquele silêncio, já que eu que o trouxera. Falei a primeira coisa que surgiu na minha cabeça e não hesitei. Se me incomodava, eu tinha o direito de saber.
"Por que você não era meu amigo antes?".
"Eu sempre quis ser seu amigo".
"Você não demonstrava isso muito bem...".
James encarou-me e depois olhou para a lareira. Me senti corada. O clima ficou tenso. Eu não sabia muito bem o que fazer ou falar, até perceber um pequeno sorriso brotar na face dele.
"Nós nem começamos a sair e você já está discutindo o relacionamento?"
Potter sempre tão Potter.
"Você não muda".
"A mudança só pode ser vista por quem quer enxergá-la".
Talvez eu não seja a única que não pense antes de falar por aqui. Ele me respondeu tão rápido que me espantei. Senti meus ombros rígidos. Não entendi o que ele quis dizer, tampouco entendi minha reação.
"Eu deveria estar dormindo".
"Eu também."
Levantamos e caminhamos calados até a bifurcação das escadas. A partir dali, eu iria para um lado e ele para o outro. Eu não queria. Paramos frente a frente, seus olhos encaravam-me e eu, mais uma vez, não soube o que dizer.
"Boa noite e durma bem, Lily".
"Até amanhã, James".
Lembro-me de ver um sorriso enorme aparecer na face que eu tanto observei essa noite, logo em seguida, James virou e seguiu adiante. Observei suas costas se afastarem até criar coragem e seguir meu trajeto também.
