...

O saxofone de Dave Brubeck em "Take Five" se impôs sobre os pratos da bateria, e passeou alegremente sobre calçadas e escadas, num ágil caminhar pelas ruas de Nova York. Até o LED do MP3 automotivo brilhou animado.

Neal Caffrey desceu o capô do cupê automaticamente. O vento arrepiou seus sedosos cabelos castanhos, fazendo uma franja encaracolada lhe cobrir os olhos azuis cobalto. O pálido sol de Nova York refletia no espelho retrovisor, confundindo-se com o brilho dourado da cidade.

Nova York era mágica. Constante fonte de oportunidades para imigrantes e rapazes cheios de sonhos e ilusões. Para ele era apenas um reino encantado, pulsando cultura e riquezas. Cheio de pessoas crédulas, dispostas a aceitar realidades mágicas e histórias da carochinha.

O trabalho dele consistia em ser um excelente contador de histórias. Aquilo não era propriamente um trabalho, era um prazer, seu mundo, sua vida. Neal Caffrey era o rei dos disfarces, da cara-de-pau, das mentiras doces e verossímeis. Além disso, de que outro modo ele poderia fazer uso de seu incrível talento para falsificar obras de arte e documentos valiosos?

Ele tinha completa consciência de que era um mestre, comparável a Michelangelo, Leonardo ou Vincent. O único problema era que ele "copiava" obras-primas já existentes, e para as pessoas da lei, isso era considerado um crime.

O MP3 começou a tocar "New York, New York".

-Comece a espalhar as notícias! Eu estou partindo hoje. Eu quero ser uma parte disso Nova York, Nova York. – Neal começou a cantar tentando não imitar o timbre de Minelli, mas Sinatra, porque francamente, "A voz" era imbatível.

A sua frente um semáforo piscou amarelo e antes que tivesse chance de prosseguir, ele se transformou em vermelho. Neal freou o cupê e ficou procurando no porta-luvas do carro roubado, por algo em especial. Achou o que desejava: óculos escuros. Colocou-os bem a tempo, os outros carros atrás já estavam buzinando para que ele dirigisse.

As lentes negras dos óculos combinavam com sua tez bronzeada, dando-lhe um ar europeu ou latino. Neal sabia que não bastava um acessório para transformar alguém, mas por uma pequena fração de segundos, ele poderia enganar qualquer top model menos enturmada, fazendo-se passar por um nobre espanhol.

Neal sorriu. Seus dentes perolados acentuaram a sensualidade de seus pálidos lábios, fazendo com que um suspiro involuntário lhe escapasse da garganta. Ele reconhecia que estava arrasando. Pena que todo aquele magnetismo sexual estava sendo desperdiçado em um mero passeio pelas ruas de Nova York, e não em um grande golpe contra a "Sotheby's" ou contra um "Vanderbilt" da vida.

"Que pena!" pensou Neal, mas ele era um legítimo "rat" de Bogart. Seu "je ne sais quoi", seu "cool style" nunca seriam desperdiçados. Ele estava apenas esbanjando o que a natureza lhe dera em demasia. Neal sorriu novamente.

-E... se eu posso fazer isso lá, eu o farei em qualquer lugar. Isso é com você Nova York, Nova York. – Neal cantarolou subindo uma oitava.

...