N/A: Prólogo meio misterioso, mas logo logo a ação começa. (isto é, se eu continuar a postar.) A citação do Guimarães Rosa foi só pra dar uma de intelectual, eu nunca li nenhum livro dele. Li esse trecho no meu livro de Literatura e gostei. E pus. Bem, não tenho muita coisa pra dizer. Ando ocupada novamente por causa do começo das aulas, então não vou postar semanalmente (apesar de que eu espero que vocês implorem e chorem que nem menininhas por isso 8B). Quanto à Doce Lar, eu pretendo postar ainda hoje, ou senão amanhã. Só que o capítulo precisa de mais uns retoques, então vai demorar um pouquinho. Além do mais, preciso responder as reviews. Bem, por hoje é só. Eu acho. Espero que vocês gostem. E comentem.


Contos de Farsas

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Prólogo.


"Contar é muito dificultoso. Não pelos anos que já se passaram. Mas pela astúcia que têm certas coisas passadas de fazer balancê, de se remexerem dos lugares. A lembrança da vida da gente se guarda em trechos diversos; uns com outros acho que nem se misturam[... Contar seguido, alinhavado, só mesmo sendo coisas de rasa importância. Tem horas antigas que ficaram muito mais perto da gente que outras de recente data. Toda saudade é uma espécie de velhice".

Guimarães Rosa – Grande Sertão Veredas.


A espessa camada de neve cobria todo o chão e toda a paisagem ao redor, e suas grossas botas de couro afundavam nela. Além do branco da neve, uma cor que se repetia muito naquele ambiente era o cinza. O cinza das árvores. O cinza das lápides. Era um dia completamente nublado, o sol parecia ter decidido não dar as caras, como eram todos os dias daquela estação naquela cidade. O vento gélido cortava-lhe a face e tentava adentrar por cada mínimo vão que houvesse em seu aconchegante agasalho. Ele não prestava atenção no branco, tampouco no cinza. Observava atentamente uma cabeleira loiro-platinada que se mexia para lá e para cá, inquieta.

-Claire, schnel - venha. - chamou ele.

A menina ignorou seu chamado, e continuou andando por entre as lápides, examinando-as todas com extrema curiosidade, franzindo a testa em sinal de concentração e lendo alguns nomes em voz alta. O único som ali era a voz doce e aguda da menina.

O pai não se deixou aborrecer, apenas seguiu-a com o olhar, deixando-a livre, mas sem deixar de vigiá-la, para se caso fosse muito longe. Esfregou as mãos enluvadas e soltou um suspiro que ficou por alguns instantes solto no ar, condensado. Havia uma mulher a seu lado. Possuía cabelos iguais aos da menina, loiros muito claros, sedosos, lisos e ligeiramente ondulados nas pontas. Pode-se dizer que a menina que possuía os cabelos iguais ao da mulher - e não só os cabelos. Possuía um nariz igual ao da mulher, a pele alva, e os lábios rosados. Era exatamente igual à sua mãe quando esta era criança, por apenas uma exceção - seus olhos. Os olhos de Claire, além de sempre alegres e curiosos, eram cinzentos. Os da mulher eram azuis.

Os olhos azuis agora fitavam as lápides cinzentas à sua frente, que a fitavam de volta, impassíveis. O marido se desviou da função de vigiar a menina pequenina por alguns instantes para olhar para o rosto pálido da mulher. Era um rosto muito bonito e agradável de se olhar. Os olhos mostravam-se conformados, embora tristes. Ele não se demorou muito a examinar o tão conhecido rosto da mulher; voltou-se para a filha, e chamou-a de volta.

-Claire, schnel - o pai exigiu. A menina voltou para o lado dele em poucos instantes, e ele tomou uma de suas mãos em uma das deles. Com a mão livre, tomou uma das mãos da mulher. Ele levou-a à boca e deu um beijo no tecido grosso da luva da mulher.

Pela primeira vez desde que chegara ao túmulo dos pais naquele dia, a mulher olhou para o seu marido. Estivera evitando seu olhar para que não desabasse no choro, mas quando encontrou as orbes castanho-esverdeadas, não pôde impedir. As lágrimas começaram a se pendurar em suas longas e curvas pestanas e se soltarem, rolando soltas pela face. O marido puxou-a para um abraço, enquanto a menina abraçava as longas pernas da mãe.

-Komm, Frau Potter. - dizia o marido, o alemão fluindo quase com certa lentidão de seus lábios, fortemente acentuado pelo inevitável e expressivo sotaque britânico.

A mulher deu um sorriso fraco.

-Ja, Herr Potter.

No carro a mulher repousou a cabeça nos ombros do marido.

-Eu só não consigo me conformar, James. - chorou ela para o marido.

Ele afagou-lhe os cabelos loiros e beijou sua testa.

-Será que quando voltarmos para Londres as coisas vão melhorar? - perguntou ela, pedindo uma garantia do marido. Necessitando de uma garantia do marido.

James não hesitou.

-É claro que sim, Cathy.

-Me desculpe por ter te arrastado para esse inferno, James. - pediu Catherine, a voz sincera, carregada de arrependimento. Ela segurou o choro. - Eu sinto tanto.

As palavras de Catherine pairaram no ar, culpadas, arrependidas. James ficou ouvindo-as repetidas vezes até que pudesse responder.

-Você não me obrigou a vir, Cathy. Eu vim por que quis. E não vamos discutir isso agora, Claire está dormindo no banco de trás.

A mulher assentiu e repousou a cabeça no assento do carro. Fechou os olhos e sentiu algumas lágrimas quentes escorrendo pela face. O marido, motorista cuidadoso, observou ao redor e, ao não viu sinal de qualquer movimento ou qualquer viva alma, desviou o carro para uma estradinha de terra (agora coberta de neve) e acelerou. O carro hesitou um pouco, mas enfim arrancou, inclinando-se em direção ao vasto e imenso azul celeste que se estendia à sua frente, flutuando levemente, como se nunca antes houvesse tocado o chão.