1

Teve uma esperança quando a viu entrar. O nome aflorou à sua boca, com a facilidade do cotidiano. O cabelo e as roupas eram idênticos. Da expressão, pouco se poderia concluir, mas sempre fora assim. Loura, alta, esguia, intransponível. A sua esfinge pessoal.

-Olivia...

Ela olhou-o atentamente.

Nada.

2

Logo, ele começou a perceber o que estava errado. A sua própria presença. De alguma forma ele era como que uma peça avulsa, sobressalente. Uma espécie de xícara remanescente de um serviço de chá antigo, contrastando com um padrão moderno em uso. O elemento dissonante, o ruído de fundo que perturbava a fluidez da sinfonia daquela realidade.

Ouviu-a cochichar com Broyles. Continuva sendo discreta.

-Quem ele diz ser, afinal?

-Peter Bishop.

Ela mandou-lhe um olhar de esguelha, cheio de desconfiança. Dava para perceber que mais do que uma ameaça em potencial, ela achava que ele era algum tipo de perturbado. Mas em sua voz baixa, deixava transparecer o sagrado respeito pela loucura. Argumentou com o óbvio, mesmo não sendo satisfatório.

-Mas Peter Bishop morreu quando pequeno. Nos dois universos.-sussurrou. O que dizia visava convencer sobretudo a si mesma.

Broyles continuou calado. O absurdo da situação os ultrapassava.

3

Bem no íntimo ela estava desconcertada, mas graças a anos de treinamento, disfarçava muito bem. Era uma especialista em ocultar emoções perturbadoras. Há dias sonhava com aquele sujeito. No início dormindo, depois acordada, mesmo. Ficava tentando lembrar os detalhes da fisionomia. Havia algo de sinestésico em suas lembranças, pois junto com a fisionomia, conseguia evocar o timbre da voz, a textura da pele e o cheiro. Sim, ele tinha um cheiro muito bom. Bom demais para ser verdade.

Fizera desenhos. Procurara nos arquivos do FBI. Tudo às escondidas, como se estivesse pecando contra o bom senso. A sua busca em descobri-lo, classificá-lo, encaixá-lo dentro da realidade circundante era secreta e laboriosa.

4

Quando Astrid sugerira que saísse com o agente Lee, descartara vivamente. Sem querer, pensara naquele que não existia senão nos estados oníricos de sua mente. O agente Lee nã era o seu tipo. Talvez o homem que não existia fosse, precisamente pelo fato de não existir.

Agora, diante dele, em carne e osso, concreto e irrefutável, sentia a sua timidez aumentar. Quando ficava assim, costumava ser ainda mais seca e eficiente que de costume. Fechava-se tão perfeitamente que chegava a ser assustador.

5

O teste de DNA abalou a todos.

Mas foi a visita de Walter que o abalou. Tirou-lhe a pouca esperança de descobrir a verdade. Recobrar a sua vida, seria esperar demais.

Aquele Walter lhe escapava de alguma forma por entre os dedos, como areia ou água. Acostumado ao amor incondicional do pai, agora precisava se habituar com a rejeição irracional. Tudo naquele Walter estava fundamentado em seus instintos, e o de preservação emocional se sobrepunha a todos os outros. O homem não queria sofrer.

O seu Walter aceitaria a dor, desde que no mesmo espectro de emoções a felicidade estivesse incluída

6

Pouco a pouco se deu conta do que eles eram e aquilo o chocou. Ele estava tendo a oportunidade rara e cruel, de ver a vida dos que conhecera, sem o efeito de sua existência.

Por isso eles eram diferentes, indiferentes, sem a mácula de sua presença em suas memórias.

Eles eram parte de um dicionário onde faltava uma palavra. Ele era a palavra proibida.