Painted on my heart.
Ardiam corrompidos, como chamas que escapavam das portas do inferno e ameaçavam a calmaria da Terra. Ardiam enlouquecidos, como um poeta que, de tanto admirar a beleza alheia, fez os olhos sangrarem. Ardiam como o fogo, que arde sem motivo, por vaidade, falta de educação, selvageria. Batiam mãos, costas, pernas e bocas umas contra as outras, esfregavam lamúrias sem pudor por todos os cantos da mansão, marcavam com sangue, com lágrimas e com bebida as paredes brancas do império. Império negro. Império de um rei só, de várias rainhas. Império do terror. Tom, o rei-sol, o impiedoso, o adorado. Rainha Gina, a bastarda, a desgraçada, a louca.
As paredes brancas enervavam Ginevra. As queria em qualquer tom de preto, vermelho ou cinza, as queria como as cores que via em si mesma, as cores que via em Tom. Queria o preto ódio, o vermelho desejo, o cinza frio. Não as queria branca como os flores mais doces, porque há muito deixara de acreditar nessas coisas. Alma. Amor. Salvação. Vivia o inferno, era o tal, deitava-se com ele. E o inferno, por mais encantador e gentil que fosse, ainda assim era o inferno, ainda assim era Tom. Era traiçoeiro, falso e por esses motivos era taxado como danoso. Só Ginevra conhecia-o de verdade, só Ginevra sabia que o inferno era entregar-se ao inimigo, era amá-lo, era odiar-se por vê-lo com outras. O inferno de Ginevra, a louca, era ver Tom com outras.
Ela era a rainha. Somente ela. E não conseguia admitir que Rei Tom amasse a outras, as dissesse doçuras e malícias. Por isso marcava as paredes, marcava-as todos os dias com seus gritos de loucura, com suas bebidas, com seu sangue, seus cabelos, suas unhas, com seu sexo. Fazia-se pincel, inventava-se tinteiro e lançava-se ao quadro branco com ódio, pintava cenas tristes, sempre de desejo, sempre de insanidade, cenas de Ginevra. E, segundo Tom, que a aplaudia todos os dias, eram as mais belas obras já feitas, por serem baseadas em Tom. O narciso, o Teocêntrico. O de Gina.
Tom, como o tal, não podia ficar atrás. E daí tornava-a seu tinteiro. Fazia-se pincel, usava-a, esfregava-a contra a parede, a possuía até sangrar e deixava as marcas naquele espaço imaculado. Branco, depois pintado no ódio, mas ainda imaculado. Para Tom, as coisas santas eram os pecados, por isso Gina era sua rainha. Ao final, suspirava cansado e levava-a ao quarto, para logo depois voltar e passar a noite admirando as cenas que construíam juntos. Poderia ter outras, mas aquele local, aquele momento, aquele império era só de Gina. Sua obsessão e toda a loucura de seu coração era somente de sua rainha.
Gina era o pecado, inventara tal conceito. Fazia-se santa, fazia-se vazia, louca, mas por dentro era esperta, traiçoeira, viva. Era desejo, no todo. Gina amava Tom. Tom possuía Gina. Gina deixou Tom. Tom caçou Gina. Gina matou-se em frente a Tom. Tom gritou por Gina. Gina deixou saudades em Tom. Tom virou o branco da parede. Gina agora era livre. Tom era prisioneiro.
Prisioneiro de sua paixão, de sua obsessão, de sua saudade. Prisioneiro dos quadros que pintou, das vezes que ardeu, dos olhos que agora choravam todo o dia, o dia todo, lágrimas vermelhas como a tinta guache que era o sangue da ruiva, pretas como seus cabelos que a mulher arrancava e colavam-se ao sangue, cinzas como seus olhos. E Tom, por mais Rei que fosse, não sabia governar sem sua Rainha.
Nesse desespero que chamamos de saudade, ainda chorando como o poeta enlouquecido, matou-se. Uniu-se a ela. Arderam e pintaram novamente, dessa vez a pintura do amor. O amor louco. O amor Gin' n' Tonic.
'I've still got your face
Painted on my heart
Scrawled upon my soul
Etched upon my memory, baby'.
Autora: Little V.
Título: Painted on my heart.
Palavra: Tinteiro.
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