Capítulo I – Prelúdio
— Ohayo, eu me chamo Makoto Tachibana — Haru estava no escritório do pai sentado próximo a janela quando escutou aquela voz. Ela soava distante, em razão de que vinha do andar de baixo. Provavelmente, o sujeito falava com Amakata, governanta da casa dos Nanases, que atendera a porta. — E estou aqui para ver o Nanase-sensei.
Em geral Haru detestava quando interrompiam a sua leitura, porém naquela ocasião em específico não ficou nem um pouco aborrecido. Ele desviou a atenção do livro e inclinou-se sobre o parapeito da janela para conferir quem era essa pessoa que queria ver o seu pai.
E foi assim que tudo começou.
No instante em que o garoto de quatorze anos inclinou-se sobre o parapeito da janela, ele focalizou um jovem alto, de feições afáveis e de cabelos de tonalidade verde oliva. Haru não teve chance de analisar o jovem minuciosamente, pois ele logo entrou em sua casa e saiu do seu campo de visão. Estranho. A voz do jovem desconhecido despertara sua atenção instantaneamente. Haru teve a impressão de que ela reverberara por cada compartimento daquela casa. Era tão despretensiosa. Tão alegre. Tão jovial. Era exatamente tudo o que aquele ambiente não era. Talvez tivesse sido por isso que ela despertara sua atenção.
Agora quanto ao dono da voz, Haru, assim que pousou os olhos sobre ele, notou que ele trazia uma mochila nas costas. Certamente, era um universitário. Isso não era nenhuma surpresa, afinal de contas era muito comum a presença de universitários, de intelectuais e de professores na residência dos Nanases. O pai de Haru era um renomado professor de História da Arte da Universidade de Tóquio e, em razão disso, ele sempre recebia visitas. Haru já estava acostumado com a presença de estranhos em sua casa, porém isso não significava que gostava deles. O garoto fazia de tudo para evitá-los. Odiava o linguajar complicado e elitista que eles usavam. Odiava quando era obrigado a cumprimentá-los. Odiava compartilhar a mesa com aquelas pessoas que faziam pouco caso de sua opinião só porque ele era o mais novo do grupo.
Pronto. Mistério resolvido. Makoto Tachibana era um universitário querendo alguma orientação referente à disciplina. Ou seja, mais um chato.
Haru retomou a leitura e esqueceu o assunto. Então, minutos depois, a porta do escritório de seu pai abriu-se e o Nanase mais velho entrou seguido pelo rapaz de cabelos verde oliva. Que chatice. Haru se pôs de pé para sair do cômodo, pois não queria distrações. Estava lendo um livro interessantíssimo sobre a Escandinávia. Um lugar de invernos rigorosos, de paisagens brancas, banhado por um mar de águas cinzentas.
Haru, ao ler as descrições daquele livro, tentou imaginar como seria essa região da Europa e logo lhe veio à mente a imagem de uma terra coberta de gelo, assombrada pelo espectro da languidez. Algo muito similar à sua casa. Após a morte de sua mãe, a casa onde morava fora devastada por um infinito e lúgubre inverno. Haru a essa altura já estava acostumado com a atmosfera melancólica do seu lar e não se afetava mais.
O garoto torceu para que a sua presença não chamasse atenção do pai ou de Makoto que estavam imersos num debate sobre a arte medieval. Haru não fitou diretamente nenhum dos dois, pois temia que o seu olhar atraísse a atenção deles para si. Não queria ter que cumprimentar o rapaz universitário conforme a educação exigia. Detestava interações sociais. Haru apertou o livro contra o peito e tentou deixar aquele enorme cômodo abarrotado de livros sem ser notado. Estava se aproximando da porta quando a voz do pai o conteve:
— Haru, você estava aí? Eu não o vi. Venha cá, quero lhe apresentar uma pessoa.
Haru aproximou-se cabisbaixo. Ele podia sentir o olhar de Makoto sobre si e isso o deixou desconfortável. Como detestava conhecer estranhos!
— Haru, este é Makoto Tachibana — apresentou o Nanase mais velho.
Haru ergueu os olhos para cumprimentar Makoto e, assim que o fez, constatou que o rapaz era uma figura encantadora. Makoto possuía um rosto belíssimo. Parecia um anjo. Haru logo conseguiu captar o efeito que a luz do sol produzia nas feições simpáticas e angelicais de Tachibana e, no mesmo instante, desejou estar com seu material de pintura para poder pintar esse rosto perfeito, registrá-lo para nunca mais esquecê-lo.
Haru nunca tinha visto olhos como os dele. Eles possuíam um adorável formato caído e, além disso, eram genuinamente verdes. Não havia outra cor além dessa presente nas órbitas do rapaz. E olhar para elas era como ser transportado para florestas verdejantes que desconheciam o inverno. Makoto era lindo. Não. Lindo não. Ele era perfeito. Mas o que Haru achou mais encantador foi o que aconteceu em seguida: assim que os olhares dos dois se encontraram, Makoto revelou um expressivo sorriso.
"Quem sorri dessa forma para alguém que acabou de conhecer?", questionou-se Haru, chocado.
Makoto era mesmo esquisito. Contudo, o garoto que ainda abraçava o livro contra o peito não pôde deixar de sentir que suas bochechas enrubesceram diante de tal ação. Haru torceu para que ninguém (especialmente Makoto) tivesse percebido a coloração de sua pele.
— É um prazer conhecê-lo, Haru-chan — falou Makoto e, em seguida, curvou o corpo para frente numa reverência formal.
Haru-chan. Haru fechou a cara, incomodado. O que Makoto queria dizer com isso? Que ele era uma criança? Mesmo contrariado, curvou-se para o mais velho.
— Igualmente.
— Soube que você gosta de pintar aquarelas e que é muito bom nisso — comentou Makoto, simpático.
Haru olhou para o pai. Não gostava quando o homem revelava o seu hobby para estranhos. Era algo seu. Não gostava quando ele espalhava isso por aí.
O professor universitário sorriu e deu de ombros.
— Gostaria de ver suas aquarelas um dia, Haru-chan — disse Tachibana, o que surpreendeu Haru. Ele imaginou que Makoto não lhe daria o menor crédito, por causa da diferença de idade. — Você me mostraria?
Haru girou o rosto para o lado, pois estava envergonhado demais para continuar encarando-o, e fez que sim.
— Ótimo! — Makoto sorriu animado. — Na próxima vez que eu vier aqui, vou cobrar isso de você.
O garoto refletiu aquela frase.
Na próxima vez que eu vier aqui.
Isso significava que ele veria Makoto novamente, certo? Haru sorriu minimamente para o rapaz e assentiu.
Pela primeira vez na vida, mostrar suas aquarelas para um estranho não seria um incômodo.
OoOoO
Mas, Makoto não veio no dia seguinte. Nem no outro. E assim, duas semanas se passaram.
Haru esperou pelo retorno dele e, como isso não aconteceu, acabou ficando irritado. Teve dificuldades para se concentrar nos estudos e o professor particular que o ensinava (Haru não frequentava escola convencional, pois preferia estudar em casa) comunicou isso ao seu pai que certamente chegou à conclusão de que esse comportamento do filho era por conta de Makoto. Haru detestava mostrar suas aquarelas para estranhos e quando concordou em fazer isso de boa vontade pela primeira vez na vida era normal que ficasse ansioso.
Então, numa tarde qualquer, duas semanas depois, Makoto retornou à residência dos Nanases. Haru estava no quintal da casa pintando o jardim quando ele chegou. O garoto estava muito concentrado na tarefa. Vestia roupas leves. Especificamente uma bermuda e uma camisa branca de tecido fino e fresco. Ambas as peças estavam sujas de tinta e, devido ao calor excessivo do verão, os dois primeiros botões da camisa estavam abertos. Os pés de Haru estavam descalços no gramado do quintal, pois por alguma razão ele gostava de sentir o chão enquanto estava pintando. A tela equilibrada num cavalete exibia um jardim de tirar o fôlego. Haru não poupou detalhes e até acrescentou alguns.
Para fazer aquela pintura, ele havia se inspirado no trabalho de Koukei Kojima, um famoso pintor de aquarelas. O garoto sabia que estava longe de se igualar ao artista japonês, mas continuava tentando, visto que aquela tarde estava um tanto tediosa. Era evidente que naquele momento ele estava imerso em seu próprio mundo e tinha pouca consciência do que acontecia ao seu redor. Por isso, não percebeu quando Makoto aproximou-se por trás de si e ficou parado, observando-o pintar.
Minutos depois, quando Haru finalizou o trabalho, Makoto se aproximou dizendo:
— Então seu pai estava mesmo certo quando disse que você tinha talento para a pintura.
Ao ouvir aquele timbre gentil, Haru empertigou-se e girou o corpo para trás mecanicamente.
Era Makoto.
Era ele.
Lindo sob aquele sol dourado de verão.
Haru ficou boquiaberto ao vê-lo.
— Há quanto tempo está aí? — quis saber.
— Alguns minutos — respondeu Makoto. — Não quis interrompê-lo. — Ele aproximou-se do cavalete e examinou a pintura.
— Não era para você ver essa. Está horrível — disse Haru, lembrando que tinha separado suas melhores aquarelas para impressioná-lo.
Makoto encarou-o.
— Não tem nada horrível aqui. Você soube escolher bem as cores — o elogio deixou o garoto feliz. Porém, a sua felicidade logo se esvaiu quando Makoto completou a frase: — Para alguém da sua idade, isso é impressionante.
Lá estava ele falando como se Haru fosse uma criança burra e imatura.
— O que quer dizer com "para alguém da sua idade"? — indagou Haru fazendo um biquinho de irritação.
Makoto, ao perceber aquela indignação e entender o motivo dela, riu.
— Ah, por favor, não pense que eu estou subestimando você — negou o rapaz entre risos, o que fez a carranca de Haru aumentar. — O que eu quis dizer foi que, para captar as cores de uma determinada paisagem de forma tão sábia, é preciso ter alguma experiência. Um olhar artístico mais apurado, digamos assim. E experiência só se adquire com o tempo.
Haru olhou para a sua aquarela, avaliando-a, e depois para Makoto.
— Acha mesmo que está bom? — questionou o garoto baixinho e inseguro.
— Juro que está. E também juro que não estou dizendo isso só para ser gentil. Você precisa parar de ser tão duro consigo mesmo, Haru-chan.
Para a surpresa de Haru, Makoto avançou e afagou os seus cabelos negros. Haru surpreendeu-se com a ação e por instinto encolheu-se. Ele nunca gostara de contato físico. Porém, gostou daquilo. Gostou daquela demonstração de afeto de Makoto. Do toque quente e afetuoso dele.
Contudo... Só uma coisa arruinou o momento: o maldito "Haru-chan" que fazia Haru sentir-se absurdamente infantil perante o jovem mais velho.
— Não me chame assim. Não sou criança. — Falou Haru, afastando-se de Tachibana.
— Nesse caso, as minhas mais sinceras desculpas. — Makoto não se chateou com o tom de ordem de Haru. Pelo contrário, achou divertido. — O seu pai está chamando para o lanche da tarde. Depois, que tal me mostrar as suas outras aquarelas?
OoOoO
Makoto e Haru acabaram se tornando amigos. O pai de Haru ficou muito feliz com isso, pois sempre desejou que o filho aprendesse a socializar. Haru nunca se interessou por conhecer pessoas novas ou por fazer amigos. Talvez, essa amizade com Makoto resolvesse o problema, embora houvesse uma diferença de idade gritante entre eles, pensou o homem.
Só que na verdade não resolveu. Haru, mesmo amigo de Makoto, continuou antissocial e continuou relutando em ir para uma escola convencional, alegando que estava satisfeito vivendo daquela forma, isolado do mundo exterior. A única pessoa com quem Haru gostava de interagir era Makoto que passou a ir à residência dos Nanases com mais frequência.
Tachibana tornou-se a luz daquela casa que mais parecia um museu de obras expressionistas que certamente teriam agradado lorde Byron, caso esse ainda estivesse vivo. A presença de Makoto anulava o ar sombrio e melancólico que aqueles quadros expressionistas proporcionavam ao ambiente. Ele estava sempre sorrindo. Era carismático e atencioso. Não existia melancolia quando Makoto estava por perto.
Até mesmo Miho Amakata, a governanta da família, sucumbiu aos encantos do jovem. Haru, ao longo da semana, esperava ansioso pela visita de Makoto. Adorava estar na presença do jovem universitário embora fosse incapaz de demonstrar. Secretamente, Haru idolatrava os olhos dele. O garoto tinha certeza de que poderia passar horas a fio admirando aquele verde intenso e brilhante. Certa vez, chegou a pintá-los.
Ao longo daquele ano, Haru se deu conta de que era completamente devoto a Makoto. Certa vez, o rapaz de olhos verdes lhe encomendou um quadro para dar de presente à mãe. Haru aceitou fazer a pintura quase que de imediato e esforçou-se ao máximo para deixá-la perfeita.
Makoto ficou deslumbrado quando viu o resultado e tentou pagar pelo serviço. No entanto, Haru dispensou qualquer forma de pagamento. Não queria dinheiro. Não queria nada. Faria qualquer coisa que ele pedisse.
Makoto, alguns dias depois do aniversário de quinze anos de Haru (que aconteceu pouco tempo depois de eles terem se conhecido), convidou o garoto para acompanhá-lo em uma exposição de arte no Museu de Arte Contemporânea de Tóquio. Haru aceitou ir, por mais que detestasse multidões. Enquanto caminhavam pelos corredores extensos e lotados do museu, Makoto pediu para que Haru segurasse em seu braço para não se perder. Haru acatou o pedido e ficou muito feliz com o contato ao longo da noite. O passeio teria sido perfeito se uma mulher não tivesse perguntado se Haru era o irmãozinho mais novo de Makoto.
Durante o restante daquele ano, Haru não soube nomear o que sentia por Tachibana. Amizade passou a ser um conceito pequeno demais e não abrangia a profusão de sentimentos que Haru sentia por seu único amigo. Após longas reflexões a respeito disso, ocorreu a Haru que talvez estivesse apaixonado por Makoto. Porém, a princípio, tal possibilidade o assustou. Era estranho pensar que estava apaixonado por alguém. Ainda mais, um homem. Mas e se tivesse? Haru ficou na dúvida e então decidiu conversar com o seu pai para tentar clarear suas ideias.
O garoto bateu na porta do escritório do professor e abriu-a contidamente.
— Otou-san? — chamou.
O pai estava sentado em sua extensa mesa de mogno. Estava corrigindo provas de seus alunos e parecia concentrado na tarefa.
— Hum? — murmurou o homem sem tirar os olhos dos papéis.
— Posso perguntar uma coisa ao senhor? — questionou Haru colado à porta.
Ele retirou os óculos e ergueu os olhos para o filho de quinze anos.
— É claro que pode. Sente aqui — e apontou para a cadeira em frente à mesa.
Haru obedeceu ao pai e sentou-se na cadeira. Ao fazer isso, fitou o rosto do homem. Havia sombras escuras em baixo dos olhos azuis dele. Elas eram resultado de noites mal dormidas, por causa de pilhas de trabalhos e avaliações para corrigir. Seu pai dedicava-se inteiramente a profissão e amava lecionar na Universidade de Tóquio, embora não precisasse do emprego, pois herdara uma pomposa fortuna dos falecidos pais.
Após a morte da esposa, o Nanase mais velho precisou encontrar uma atividade que o fizesse escapar da dor da perda e essa atividade foi lecionar. Ele era apaixonado pelo mundo artístico e falar de arte o deixava feliz. Nos últimos anos, Haru vinha notando que o seu pai sorria cada vez mais. Porém, a casa deles ainda continuava sombria e lúgubre.
Haru afastou aqueles devaneios e indagou ao pai:
— Como o senhor soube que estava apaixonado pela okaa-san?
O homem estranhou a pergunta e franziu o cenho.
— Posso saber de onde veio isso?
— Eu só queria saber. É para um quadro — mentiu Haru.
Ele ergueu uma sobrancelha, desconfiado.
— Um quadro?
— É. Quero retratar esse sentimento, mas como nunca o senti quero entender como ele é para poder retratá-lo da forma correta — explicou o garoto, tentando soar verdadeiro.
O pai aparentemente engoliu a desculpa.
— Está bem. Deixe-me pensar... — Haru esperou o tempo dele. — Eu percebi que estava apaixonado por sua okaa-san quando me dei conta de que eu a achava a mulher mais bonita do mundo e que todas as outras não importavam. Só ela. E que era com ela que eu queria estar todos os dias da minha vida.
Haru absorveu aquelas palavras.
— Por isso... — hesitou. — Por isso o senhor nunca superou a morte dela?
O homem expressou um sorriso triste.
— Por isso eu nunca superei.
Ao sair do escritório do pai, Haru pensou sobre o que havia escutado. Ele achava Makoto o homem mais bonito do mundo? Queria estar com ele todos os dias de sua vida?
Haru admitia com certa timidez que achava Makoto lindo. Principalmente quando a luminosidade solar incidia sobre ele. Nessas ocasiões, Makoto parecia um anjo de olhos verdes. Haru nunca reparou em outro homem desse jeito e nunca se importou com a beleza dos outros. Então sim ele achava que Makoto era o homem mais bonito do mundo.
As visitas de Makoto (geralmente ele vinha uma vez na semana) eram realmente importantes. Haru esperava pelo amigo a tarde inteira e entristecia-se quando ele não aparecia. O garoto achava que Makoto o visitava poucas vezes. Se dependesse dele, as visitas seriam diárias e infindáveis. Então sim Haru queria estar com Makoto todos os dias de sua vida.
Era isso. Estava apaixonado por Makoto Tachibana, seu único amigo. Não houve angústia. Não houve desespero. Haru estava apaixonado por Makoto, que era um homem.
Haru lera uma porção de livros ao longo da vida sobre os mais variados assuntos e não via a homossexualidade com um tabu. Por isso, não entrou em pânico. Todavia, isso não significava que estava tudo bem. Makoto nunca corresponderia os seus sentimentos e, caso os descobrisse, certamente acabaria se afastando. Era melhor que ninguém soubesse.
Sobretudo, Makoto.
OoOoO
Meses se passaram e então, a maldita puberdade resolveu mostrar as suas garras.
No decorrer daquele tempo, a atenção de Makoto e a companhia do rapaz passou a não ser mais o suficiente para Haru. Agora ele queria mais que isso. Queria que Makoto o tocasse. Queria beijos. Abraços. E muitas vezes imaginava como seria tudo isso. Haru também passou a reparar no corpo impecável de Tachibana. Especialmente nos momentos em que o rapaz — usando apenas um calção de banho — lavava-se no chuveiro para entrar na piscina. Haru passou a desejar esse corpo.
O seu único medo era que Makoto percebesse seus olhares e, pior ainda, seus sentimentos. Por conta disso, Haru esforçava-se ao máximo para manter uma máscara de frieza quando estava na companhia do rapaz.
Num determinado momento, essa frieza chamou a atenção de Makoto que não conseguiu compreender o porquê de Haru estar sendo tão frio.
Os dois costumavam conversar sobre uma porção de coisas quando estavam juntos. Não existia um assunto específico. Eles se entendiam muito bem e Haru sentia que podia conversar sobre qualquer coisa com Makoto, exceto seus sentimentos. Isso era bom e doloroso ao mesmo tempo. Quando eles não tinham assunto, simplesmente jogavam videogame ou nadavam na piscina da casa de Haru.
Certo dia, a puberdade provou que até mesmo um banhozinho de piscina podia ser perigoso. Era um desses dias que Makoto e Haru não tinham nada o que conversar então eles decidiram tomar um banho de piscina.
Enquanto nadavam, ambos decidiram fazer uma competição boba de quem chegaria primeiro até a outra extremidade. Haru ganhou, visto que era um exímio nadador. Makoto, ao tocar na borda da piscina segundos depois de Haru, deu uma risada e falou algo sobre aquilo ser esperado.
Nanase sentou na borda da piscina e ficou lá descansando. Estava ofegante e o peito subia e descia. Nesse momento, ficou observando Makoto que também estava com a respiração descompassada.
Haru notou que gotículas de água escorriam pelos músculos do braço do rapaz. Ele observou o mais velho com mais atenção e chegou à conclusão de que a imagem de Tachibana ofegante era realmente sexy.
Makoto tinha uma personalidade emotiva e amável. Ás vezes poderia até parecer inocente. No entanto Haru sabia que ele não era de todo assim. Existia malícia por trás do sorriso meigo de Makoto. A maioria das pessoas não percebia, mas Haru sim. Naquele instante, o garoto perguntou-se como deveria ser estar com ele. Na cama. Como deveria ser?
Haru o encarou com mais intensidade e atentou-se para cada detalhe do corpo de Makoto, enquanto se perguntava qual seria a sensação de ser beijado por ele. De ter a língua dele adentrando em sua boca, explorando-a e fazendo-o arfar.
Haru queria vê-lo perder o controle e então finalmente conhecer o outro lado de Makoto. Um lado primitivo e voluptuoso que mais ninguém conhecia. Isso não era algo tão difícil assim de tornar realidade. Aquela casa era enorme. Ninguém perceberia se eles fossem para um dos quartos e transassem.
Haru ficou devaneando sobre isso até que percebeu que se encontrava excitado. Bem ali. Na beira da piscina. Na cara de Makoto. Céus. Se ele soubesse...
Haru temeu que Makoto notasse a sua excitação que fazia um nítido volume no calção de banho e pulou na piscina novamente. Malditos hormônios.
— Haru, que tal uma revanche? — sugeriu Makoto.
Que tal você dar um jeito nisso? Foi tudo culpa sua.
— Não quero agora — respondeu Haru, tentando disfarçar o tom rouco de sua voz.
— Por que não?
— Estou cansado.
Makoto sorriu suspeitoso.
— Você? Cansado? Não acredito. Você poderia ser um nadador profissional se quisesse.
Makoto aproximou-se de Haru que logo entrou em desespero. Se Makoto percebesse aquela excitação e se de alguma forma chegasse à conclusão de que ele próprio era a causa dela, nunca mais pisaria naquela casa. Acharia que a amizade deles deixou de ser algo saudável e que estava na hora de acabar com ela. Ou será que riria de Haru sem levá-lo a sério? Qualquer uma das possibilidades era terrível e Haru, à medida que Makoto se aproximava, encolheu-se no canto da piscina desesperado.
— Haru, qual o problema? — questionou Makoto, preocupado. — Você está vermelho. Parece com febre.
— Eu realmente estou bem — dizia o garoto, sentindo a gelidez dos azulejos da piscina contra suas costas.
Por favor, fique onde está!
— Não parece. Você está muito vermelho — rebateu Makoto avançando até ele.
Não! Por favor!
Makoto atingiu uma ínfima distância de Haru e estendeu a mão para conferir se o garoto estava com febre. Haru fechou os olhos pensando que estava tudo acabado. Ele tinha certeza de que estava da cor de um pimentão.
— A temperatura está normal — falou Makoto, estranhando o comportamento do outro. — Não entendo. Vamos Haru saia daí. Você com certeza não está bem.
Makoto deu um passo à frente e segurou o pulso de Haru para tirá-lo dali. Ao fazer isso, os corpos dos dois se chocaram dentro da água. Makoto então sentiu a ereção de Haru em sua coxa e encarou-o por um instante.
Àquela altura, o garoto tremia de puro pavor e achava que seu coração estava prestes a sair pela boca. Estava tudo acabado. Makoto diria que ele era um nojento. Um pirralho pervertido que merecia a solidão e aquela casa triste. Makoto soltou o pulso de Haru, provavelmente por compreender a situação.
— Acho melhor você dar um jeito nisso — disse e se afastou, optando por nadar sozinho.
E pela primeira vez desde que o conheceu, Haru não conseguiu decifrar a expressão dele.
OoOoO
Mais um ano veio.
Dessa vez, Haru estava com dezesseis anos.
Naquele dia, o garoto estava irritado porque Makoto havia mentindo. Ele dissera que viria no dia anterior, porém não apareceu e sequer avisou que não viria. Foi cruel porque Haru ficou o esperando a tarde inteira.
Agora Nanase não conseguia pintar nada. Tentou fazer uma aquarela, mas irritou-se e acabou rabiscando a tela. Haru estava no quarto que havia adotado como ateliê. Ninguém entrava ali além dele. Nem seu pai. Amakata nunca pôs os pés ali, pois Haru encarregara-se da limpeza. O cômodo era extenso e possuía uma janela com sobrado. As cortinas diáfanas filtravam a luz pálida daquela tarde nublada. O quarto não tinha mobília, mas sim diversos cavaletes espalhados, uma eclética coleção de pinturas e telas em branco que logo seriam preenchidas.
Aquele era o lugar que Haru mais gostava no mundo. Todos os seus segredos estavam ali.
Naquela tarde, Haru sentia-se frustrado e irritado por conta da falta de inspiração. A sua mente estava improdutiva e, por mais que tentasse pintar, nada saía. Então uma sequência de batidas na porta do quarto atraiu sua atenção.
— Haru? — era Amakata. — O Tachibana está lá na sala te esperando.
— Já estou indo! — avisou Haru.
Ótimo. Makoto resolveu aparecer justo quando ele estava todo sujo de tinta.
Haru estava irritado demais com Makoto para se dá o trabalho de se limpar e colocar outra roupa para recebê-lo. O garoto deixou o ateliê e desceu as escadas de madeira, seguindo para a sala. Quando chegou lá, deparou-se com o rapaz de cabelos verde oliva que já havia terminado a faculdade de Artes Visuais (ele adiantara algumas disciplinas para terminar mais rápido o curso). Makoto surpreendeu-se com o estado do garoto, mas pareceu gostar, pois sorriu. Haru estava furioso demais para corar.
— Estava pintando? — perguntou Makoto. — Espero não ter atrapalhado.
— Não — respondeu Haru, frio. — Estava sem inspiração hoje.
Makoto avançou na direção do garoto e limpou o nariz dele.
— Estava sujo de tinta — explicou.
Tá. Dessa vez, Haru corou. Porém logo se recompôs.
— Vamos lá para cima. Eu vou trocar de roupa — ele deu as costas e se dirigiu as escadas.
Makoto assentiu e o acompanhou. Haru abriu a porta de seu quarto e adentrou no cômodo seguido por Makoto. O garoto estava mordendo-se para não mencionar algo sobre ele não ter vindo no dia anterior e não ter avisado. Porém, controlou-se. Andou até o armário e procurou por uma roupa decente. Enquanto isso Makoto ficou mexendo num carrinho de miniatura que decorava o quarto de Haru. O garoto livrou-se da camisa suja ficando apenas de bermuda. Estava aborrecido demais para se envergonhar de trocar de roupa na frente de Makoto.
O rapaz de olhos verdes tirou a atenção do que estava fazendo e virou-se para encará-lo.
— Desculpe não ter vindo ontem.
— Você devia ter ao menos avisado. A Amakata fez mochi pra você — comentou Haru sem demonstrar afetação, enquanto livrava-se da bermuda, ficando apenas de cueca boxer.
O garoto não estava nem aí se os olhos de Makoto estavam sobre ele naquele momento. Talvez até estivesse gostando da sensação de tê-los focados em seu corpo.
— Desculpe — pediu Makoto novamente. — Realmente sinto muito. Eu comecei a trabalhar. Não tive tempo.
Haru deu de ombros.
— Tanto faz.
Ele vestiu uma bermuda limpa e percebeu pelo canto dos olhos que Makoto ainda o encarava.
— Está bravo?
— Não — respondeu Haru, agora vestindo uma camisa.
— Sei que está, mas tive contratempos inadiáveis... — de repente, o celular de Makoto tocou e o jovem foi obrigado a atender.
Haru aproveitou para ir até o banheiro para jogar a roupa suja no cesto. Ao retornar Makoto finalizou a ligação explicando que estava com um amigo e que logo voltaria para casa. Haru estranhou isso e perguntou:
— Era do trabalho?
Makoto guardou o celular no bolso da calça jeans.
— Não. Era minha namorada.
Ouvir aquela informação foi o mesmo que receber uma facada no peito. Haru ficou olhando para Makoto com os lábios entreabertos e os olhos arregalados. Estava incrédulo. Então a irritação que sentia triplicou e Haru não conseguiu mais disfarçá-la. Ele avançou até Makoto com uma expressão colérica.
— Então, esse era seu compromisso inadiável?! Uma namorada?! — Haru pronunciou a última palavra com desprezo. — Engraçado que eu não sabia que você estava namorando.
Makoto surpreendeu-se com aquela reação, no entanto tentou manter a calma.
— Achei que tivesse te contado. Devo ter esquecido.
Haru sentia-se traído. Insignificante.
— Pensei que fôssemos amigos.
Makoto sorriu tentando tranquilizá-lo.
— E somos.
Haru meneou a cabeça, cheio de raiva e rancor.
— Você teria contado uma coisa dessas para um amigo — agora, os dois estavam a poucos metros de distância. — O que eu sou para você, Makoto?! Alguém que você visita por pena, porque acha que é um coitadinho solitário?!
Makoto arregalou os olhos, estupefaço.
— Não é nada disso, Haru...
Porém, Haru não o ouviu e continuou gritando a plenos pulmões:
—... Eu nunca te obriguei a me visitar! Eu nunca precisei das migalhas da sua atenção! Eu não me importo se você vem aqui ou não!
Makoto abalou-se com as palavras de Haru e perdeu a compostura, irritando-se também.
— Então, quer dizer que se eu for embora agora e nunca mais voltar aqui você não vai se importar, porque eu não significo nada para você?! — vociferou de volta.
Haru hesitou por um segundo, porém mesmo assim gritou:
— Faça o que quiser! Eu não me importo!
O garoto saiu do quarto a passos largos e bateu a porta ao sair. Quando pôs os pés no corredor extenso do segundo andar, Haru correu em direção ao seu ateliê, passando por uma porção de quadros pendurados nas paredes. As pessoas pintadas nas telas pareciam zombar dele naquele exato momento e Haru quis destruir aqueles objetos.
Haru trancou-se no quarto onde pintava, pois sabia que ninguém iria incomodá-lo ali. Assim que girou a chave na fechadura e teve certeza de que estava sozinho, Haru chorou. Chorou de forma patética e infantil.
Ele sentou-se no chão salpicado de tinta, com as costas escoradas na porta, e descarregou suas emoções. Quis voltar no passado e nunca ter conhecido Makoto. Quis arrancar do peito aquele amor não correspondido que nutria secretamente pelo rapaz. Makoto estava namorando. Era ridículo pensar que ele estava o traindo, quando na verdade eles sequer tinham alguma coisa. Makoto nem fazia ideia dos sentimentos que Haru escondia por trás de sua máscara de indiferença.
Haru agora pensava que Makoto o visitava não porque o considerava um amigo (um jovem de 21 anos não iria querer ter amizade com um pirralho de dezesseis), mas por pena. Tinha pena do garoto rico que vivia trancado dentro do seu palácio sem ter contato com o mundo exterior porque detestava a realidade. Achava-o problemático. Sinistro. Uma coisinha estranha que vivia mais dentro de si mesma do que em qualquer outro lugar. Makoto o visitava por piedade. Haru chegou à conclusão de que não valia mais a pena forçá-lo a vê-lo.
Começou a chover. Haru sentiu em sua face os respingos da chuva trazidos pelas rajadas de vento. Ele não se levantou para fechar a janela. Ficou onde estava. Algum tempo depois, talvez horas, alguém bateu na porta. Já estava nos últimos minutos do dia e o ateliê do garoto estava mergulhado na penumbra. Haru pensou que fosse Amakata e estava prestes a mandá-la embora, até que a pessoa do outro lado da porta falou:
— Haru? Sei que está aí — era a voz de Makoto.
Ele ainda estava ali? Haru ficou surpreso.
— Você não foi embora ainda? — perguntou o garoto, magoado.
— Vou ficar aqui hoje, por causa da chuva. Tentei ir embora, mas Amakata não me deixou sair — comentou Makoto e Haru sentiu que ele estava sorrindo. — Sei que está com raiva de mim, mas vai ter que me aturar por essa noite. Posso entrar? Quero conversar com você.
— Não.
— Então, fique escutando — pediu Makoto. E Haru realmente ficou. — Desculpe por não ter contado que eu estou namorando. Não devia ter te privado dessa informação. Prometo que a partir de hoje não vou te esconder nada. Isto é, se você ainda quiser a minha amizade. Quanto ao que você disse sobre eu vir visitá-lo porque tenho pena de você, isso não é verdade. Nunca tive pena de você, Haru. Venho visitá-lo, porque gosto da sua companhia.
Haru escutou com atenção cada palavra dita por Makoto e logo toda a raiva e mágoa que sentia por ele dissipou-se. Como havia sido infantil. Eles haviam construído um vínculo durante aqueles anos. Isso era incontestável.
Haru se pôs de pé e decidiu abrir a porta para Makoto. Estava envergonhado por ter brigado com ele. Certamente Makoto achou-o imaturo e mimado. Ao abrir a porta, Haru não conseguiu fitá-lo. Estava envergonhado demais.
— Eu menti quando disse que não me importava com as suas vindas aqui — confessou Haru, cabisbaixo e um tanto corado. — Gosto das suas visitas. Por favor, não pare de vir.
Makoto sorriu e lhe afagou os cabelos.
— Acho que estamos resolvidos então.
Haru assentiu ainda sem jeito.
Makoto passou por ele e entrou no cômodo. Praticamente entrou na alma de Haru, pois era ali que o garoto pintava. Makoto avaliou o ambiente com absoluto fascínio, pois nunca tinha pisado ali. Haru sentiu uma sensação boa espalhar-se por seu corpo cada vez que ouvia Makoto elogiar suas pinturas. O garoto nunca gostava do que pintava, mas quando ouvia aqueles elogios pensava que talvez fosse bom nisso. Então, o desastre aconteceu.
Makoto, ao trafegar pelo cômodo, acabou descobrindo a pintura secreta de Haru (o garoto se esqueceu dela, por isso permitiu que Makoto explorasse o lugar).
Makoto ficou olhando para um quadro que era o próprio rosto dele, só que pintado do nariz para cima, pois o destaque daquela obra eram os olhos verdes vívidos. Haru, ao lado do rapaz, torcia para ele não reconhecesse o próprio rosto, mas reconheceu. Makoto direcionou a face para Haru e perguntou:
— Esses são meus olhos?
Haru estava tenso e torcia para que o seu rubor não o denunciasse.
"Agora ele sabe. Agora ele sabe que eu gosto dele", pensava o garoto em desespero.
— São.
A face de Makoto não revelava nada.
— Você não me disse que os pintou. Quando fez isso?
— Já faz um tempo — respondeu Haru num fio de voz.
Para o seu alívio, Makoto deixou aquela pintura de lado e passou para as outras.
Então uma delas chamou a atenção dele. O que havia pintado no quadro era realmente curioso. Tratava-se de um jovem de pele pálida, cabelos negros, tais como os de Haru, de olhos opacos largado na beirada de um lago. Lembrava muito o quadro Ofélia de John Everett Millais, exceto pelo fato de que o semblante do garoto da pintura era languido e angustiado. Makoto notou isso. A pintura em si possuía um ar lúgubre. Sem dúvidas, era algo muito íntimo. Haru ficou desconfortável quando os olhos avaliadores de Makoto recaíram sobre a obra. O garoto sentiu como se ele estivesse o desvendando naquele exato momento.
— É um belo quadro — comentou Makoto sem tirar os olhos da pintura. — Você conseguiu retratar muito bem os sentimentos desse jovem. Quem o analisa, consegue senti-los. Ele tem um nome?
Haru ficou confuso por um momento.
— Quem?
— O quadro — explicou Makoto gentilmente. — Você deu um nome para ele?
Haru não nomeava seus quadros simplesmente pintava-os.
— Não.
— Consegue pensar em um?
Haru negou.
— Pelo que esse jovem está sofrendo? — indagou Makoto, tentando ajudá-lo.
Haru reuniu toda a coragem que tinha e falou mesmo que um pouco baixo:
— Não foi correspondido pela pessoa amada.
Makoto assentiu, compreendendo.
— Então, ele está com o coração partido — o rapaz mais velho ficou pensativo. Haru o observou enquanto isso. — O Garoto do Coração Partido, talvez? É, definitivamente não sou bom em nomear coisas. — E deu uma risada.
Quando Makoto terminou de ver as pinturas de Haru, o garoto indagou para ele:
— Você vai dormir aqui?
— Posso ir embora se não quiser a minha presença. Provavelmente, vou pegar um resfriado, por causa dessa chuva, mas... — Brincou ele, deixando a frase no ar.
Haru sorriu discretamente.
— Você invadiu meu ateliê e ainda quer se hospedar na minha casa? Isso é um abuso — falou entrando na brincadeira. Aqueles que o desconheciam, pensariam que ele estava falando sério, em razão da ausência de expressão. Felizmente, Makoto o conhecia e sabia que não era esse o caso.
Tachibana deu de ombros.
— O que posso fazer? — questionou, como se não tivesse escolha. — Sou um amante da arte. Ela chama por mim e eu tenho que atender ao seu chamado.
— Pode escolher o quarto que quiser — disse Haru, por fim.
Aquela foi uma noite perfeita. Haru desfrutou da companhia de Makoto por mais tempo que o habitual. Estava frio então Amakata preparou para eles uma bebida quente. Eles discutiram sobre livros e assistiram os maiores sucessos de Charlie Chaplin (Makoto era um grande fã do ator).
O pai de Haru não estava em casa, pois tivera que viajar para dar uma palestra em Osaka sobre a importância da educação artística para os jovens. Mas, sem dúvidas, se estivesse ali aprovaria a programação e até se juntaria a eles.
Os quadros e as estátuas pálidas que haviam naquela casa decerto se horrorizaram com o riso feliz de Makoto ao assistir as presepadas de Chaplin em Tempos Modernos. Aqueles objetos não estavam acostumados com a alegria, apenas com o silêncio e a tristeza. Amakata também se sentou com eles na sala para assistir ao filme, aumentando a algazarra.
Ás onze da noite, eles decidiram dormir. Makoto dirigiu-se para o quarto ao lado do de Haru. O garoto demorou a dormir. Ficou deitado na cama com a luz do abajur ligada, pensando que aquele dia tinha sido realmente bom, apesar da briga com Makoto. Então inesperadamente Haru escutou uma série de batidas na porta de seu quarto. Ele se sentou na cama no mesmo instante.
— Quem é? — indagou atônito.
E se fosse Makoto? O coração de Haru acelerou-se ao pensar nessa possibilidade.
A porta abriu-se devagar e timidamente, revelando Makoto que segurava um travesseiro contra o peito. Parecia uma criança vindo se refugiar no quarto dos pais após ter tido um pesadelo no meio da noite. Era uma visão adorável. Ele parecia constrangido por estar ali e Haru estava boquiaberto. Parecia um sonho se tornando realidade. Makoto no seu quarto à noite.
— Makoto? — ecoou Haru, encarando o jovem que ainda não havia entrado totalmente no cômodo. — O que está fazendo aqui?
"Diga que veio ficar comigo essa noite como um amante.", torceu o garoto intimamente.
A indagação de Haru pareceu encorajá-lo a adentrar no quarto. Ele fechou a porta e aproximou-se da cama de Haru, trazendo um sorriso tímido nos lábios.
— É que... A poeira daquele quarto estava me incomodando — respondeu Makoto ao pé da cama, sorrindo sem jeito.
Haru franziu o cenho.
— Mas Amakata fez faxina ontem — rebateu aquela desculpa ridícula.
Makoto coçou a nuca e soltou uma risadinha sem graça.
— Uma poeirinha passou despercebida então.
Haru quase revirou os olhos.
— Você está mentindo. Por que não diz a verdade?
O rapaz ficou pensativo por alguns segundos, como se pensasse se deveria revelar os seus motivos ou não. Por fim, ele sentou-se na borda da cama de Haru.
— Muito bem — disse Makoto quebrando o silêncio. — Não ria, tá legal?
Haru meneou a cabeça.
— Não vou rir.
— Não gosto de lugares escuros — revelou Makoto como se isso fosse a coisa mais vergonhosa do mundo. — É uma fobia que carrego comigo desde quando eu era criança. Sei que estou velho demais para essas coisas, mas não consigo evitar. Sinto-me sufocado em lugares escuros. É ridículo, eu sei.
Ele esperou que o garoto risse ou que fizesse algum comentário debochado, porém Haru não fez nada disso. Escutou cada palavra com seriedade e continuou dessa forma quando ele terminou de falar. Haru achava que todo ser humano possuía os seus próprios medos, por mais ridículos que fossem. Makoto não era diferente de ninguém e não merecia ser julgado por isso.
— É normal sentir medo de alguma coisa. Você não devia se envergonhar disso. — Haru então deitou e cobriu-se com o lençol, pois sabia muito bem que iria enrubescer fortemente com o que iria dizer a seguir: — Você pode dormir aqui.
— Obrigado, Haru — Ouviu Makoto dizer.
Haru sentiu quando Makoto se levantou da cama e esperou que ele fosse afastar os lençóis para se deitar. No entanto, isso não aconteceu. Após alguns segundos esperando o rapaz se deitar, Haru decidiu ver o que ele estava fazendo e acabou encontrando Makoto deitado no tapete próximo a cama.
— Você vai dormir no chão?! — praticamente gritou aquelas palavras, devido à surpresa.
— Não quero te incomodar — respondeu ele. — Vou ficar bem aqui. O tapete é macio.
— Lógico que não vai incomodar! — explodiu Haru. — Você não vai dormir no chão!
— Tem certeza? Eu posso me mexer muito durante a noite.
Haru desviou o olhar, murmurando baixinho:
— Eu não ligo.
Makoto assentiu e então se deitou na cama de Haru. O garoto se manteve de costas para ele no colchão, a fim de tentar tornar aquilo menos constrangedor, embora quisesse que Makoto o virasse e o beijasse. Cada célula de Haru tinha consciência da presença do rapaz a pouquíssimos centímetros de distância. Podia até mesmo sentir o calor que irradiava do corpo dele. Após alguns minutos de tensão e silêncio embaraçoso, Haru falou:
— Makoto.
— Hum?
— Por que tinha medo do escuro quando era criança? — questionou Nanase, sem virar-se para olhá-lo.
Haru queria sanar aquela curiosidade e esse era o momento perfeito para isso.
— Inicialmente era porque eu achava que existiam monstros escondidos na escuridão — contou Makoto. — Mas, depois isso apenas foi parte do motivo. Os meus pais, antes do nascimento dos gêmeos, trabalhavam muito. Então, eles me deixavam na casa dos meus avós. — Nesse instante, Haru virou-se e fitou-o com seus olhos azuis. — Meus avós... Bem, eles eram pessoas ranzinzas e cruéis. Não toleravam desobediência de criança. Quando eu os desobedecia ou os aborrecia, eles me deixavam de castigo no porão. Lá era escuro. Eu detestava esse lugar e temia-o. Desde então, eu não gosto de lugares escuros. Prefiro evitá-los ao máximo.
Haru, enquanto ouvia o rapaz falar, percebeu que isso ainda era um trauma para ele. Haru tentou imaginar Makoto criança e logo lhe veio à mente a imagem de um garotinho meigo e angelical. Como alguém teve coragem de fazê-lo sofrer? Haru quis curar aquelas feridas da alma de Makoto, embora não soubesse como fazer isso.
— Sinto muito — disse Haru, encarando-o.
Makoto apertou os lábios e sorriu.
— Está tudo bem.
O silêncio se instalou. Porém, dessa vez não houve embaraço. Era como se eles estivessem confortáveis na presença um do outro e não houvesse necessidade de palavras. Os dois ficaram se olhando. Haru pensou que os olhos de Makoto ficavam mais brilhantes naquela luz fosca do abajur.
Naquele momento, o garoto sentiu vontade de beijá-lo, por mais que soubesse que não devesse. Mas quando teria uma oportunidade como essa de novo? Talvez nunca.
Movido por uma coragem repentina e quase hipnotizado pelos olhos verdes de Makoto, Haru fez aquilo que tanto queria: apoiou-se no próprio braço, pousou a mão livre na bochecha de Makoto e, antes que ele reagisse, beijou-o.
Não houve preâmbulos. Não houve sedução. Foi algo abrupto e inesperado. Haru pressionou os lábios contra os de Makoto (sem usar a língua) totalmente inexperiente e torceu para que o mais velho o retribuísse.
Makoto surpreendeu-se com aquela atitude repentina. Haru sentiu isso e achou que ele fosse afastá-lo. Então para a estupefação e felicidade de Nanase, o rapaz mais velho entreabriu os lábios e afundou a própria língua dentro da boca de Haru que permitiu a invasão prontamente.
A princípio Haru achou estranho o ato de beijar, pois nunca tinha feito isso antes, porém logo foi encontrando algum prazer naquilo e aproximou-se mais ainda de Makoto, buscando por mais contato físico. O mais velho explorou e saboreou a boca de Haru, enquanto esse tentava acompanhá-lo. Haru não sabia muito bem o que fazer com a língua e por isso tentava copiar Makoto que o estimulava a mexê-la tal como estava fazendo.
As batidas do coração de Haru estavam descompassadas. Ele nem conseguia acreditar que isso estava mesmo acontecendo. Parecia um sonho. Ainda o beijando, Makoto deslizou a mão pelos cabelos de Haru e agarrou os fios negros próximos a nuca. Isso arrancou do mais novo um gemido de satisfação. Haru estava enganado. Aquilo era muito mais do que um sonho. Era a realização de suas fantasias mais íntimas.
Num segundo Haru estava praticamente deitado em cima de Makoto, no outro Makoto estava por cima dele. No momento em que a posição foi invertida, o beijo tornou-se mais repleto de desejo e urgência. As mãos ágeis e experientes de Makoto passearam pelo corpo magro de Haru descobrindo pelo caminho os pontos sensíveis do garoto. Haru sentia cada vez mais o prazer invadindo suas veias, despertando instintos irrefreáveis e impulsos profanos.
Aquela altura, o único som que imperava naquele quarto era o de suspiros, estralar de beijos e respirações desreguladas. Essa orquestra erótica misturava-se ao som da chuva que caia lá fora. Quando Makoto agarrou um glúteo de Haru e em seguida apertou-o, o garoto arregalou os olhos e soltou uma exclamação de surpresa entre o beijo. O aperto naquela região tão íntima de seu corpo o surpreendeu. Porém, Haru gostou daquilo e logo sentiu uma espécie de desejo primitivo queimar dentro de si.
Haru fechou os olhos novamente e soltou um gemido. Era um fato: ele estava completamente subjugado em baixo de Tachibana. Makoto poderia fazer o que quisesse com ele que Haru não reclamaria. Seu corpo inteiro o desejava e a prova mais evidente disso era o seu membro que se encontrava rijo por de baixo do pijama de listras azuis. Então, os dois tiveram que cessar aquele beijo, uma vez que precisavam respirar.
Makoto finalizou o ósculo dando uma mordida obscena no lábio inferior de Haru. Quando os rostos dos dois se afastaram, eles se observaram. Haru fitou o rosto de Makoto, enquanto tentava normalizar a respiração. A face do rapaz de cabelos verde oliva estava ruborizada. E para a surpresa do garoto, os olhos de Tachibana não estavam verdes como de costume. Estavam escurecidos de desejo. Era uma visão sublime e erótica. Makoto parecia um anjo rendido aos prazeres da carne. Haru também se encontrava da mesma forma. As suas bochechas estavam coradas e as pupilas, dilatadas. Após esses míseros segundos de pausa, Makoto direcionou os lábios até o pescoço lívido e macio de Haru, chupando, mordiscando e beijando aquela pele intocada.
Haru jogou a cabeça para trás dando a Makoto maior liberdade e buscou por ar à medida que sentia a própria pele ser violada pela boca dele. Estava em chamas. Aquilo era muito mais que um contato físico para Haru. Muito mais que luxúria. Agora tinha certeza de que, além de desejar Makoto, amava-o verdadeiramente. Tinha certeza disso agora.
Haru queria dar a Makoto prazer também, pois até o seguinte momento era apenas o mais velho quem estava fazendo alguma coisa ali. Haru deixou a timidez de lado e tentou buscar com as mãos a ereção de Makoto. Quando sua mão pousou no membro rígido sob a roupa, Makoto soltou um gemido rouco. Haru tentou enfiar uma das mãos dentro da calça que ele vestia. Contudo, o rapaz mais velho segurou sua mão, impedindo-o de completar a ação.
— Makoto? — chamou Haru, sem entender porque ele o deteve.
"Por favor, não pare agora", pensava o garoto.
— Não — disse Tachibana e se pôs de joelho na cama rapidamente. Ele encarou horrorizado Haru deitado, enrubescido e deliciosamente irresistível em baixo de si e passou a mão pelos cabelos, nervoso. — Não! O que diabos eu estou fazendo?!
Haru apoiou-se nos cotovelos.
— Makoto — chamou mais uma vez, pois o rapaz parecia atormentado.
— Eu... Acho que fiquei louco — ele falou como se estivesse fazendo um pedido de desculpas. — Isso não devia ter acontecido. Realmente não devia.
Haru ergueu a mão para tocá-lo, porém Makoto se afastou.
— Não! Não faça isso! — e saiu da cama num pulo.
Haru sentou-se na cama e ficou olhando para ele que parecia assustado.
— O que foi? Você não quer?
Makoto fechou os olhos por um instante. Estava angustiado e arrependido.
— Eu não posso. Apenas não posso.
Haru sentiu o seu coração se partir.
— Por causa da sua namorada?
— Também — confirmou Tachibana. — Mas, não é só isso. Você é muito novo ainda. Eu estaria me aproveitando de você e isso é errado.
— Você não estaria se aproveitando de mim se eu quisesse também.
— Não é tão simples assim — rebateu Makoto. — O ideal seria você fazer isso com alguém da sua idade.
— Você fala como se fosse um velho.
— Você precisa se envolver com pessoas da sua idade e viver as experiências de acordo com o seu próprio tempo — reforçou Makoto. — Além do mais, você não tem certeza de que é realmente isso o que quer.
— O que quer dizer?
— Você ainda não sabe se quer estar com um homem... Desse jeito.
Haru quase riu. Makoto não fazia ideia do que ele sentia, nem da intensidade. Haru ansiou por esse momento. Sabia muito bem o que queria.
— É claro que eu sei.
Makoto meneou a cabeça.
— Você já esteve com alguma mulher antes? Não. Então, não tem como saber.
— Então, por que eu te beijei? — perguntou Haru, não aguentando mais aquela conversa. — Se eu não sei se quero estar com um homem, então por que eu fiz isso?
— Você está com os hormônios à flor da pele por causa da idade e eu sou a única pessoa com quem você tem contato, além do seu pai e Amakata. É normal que se sinta assim, por isso o ideal seria que você conhecesse outras pessoas. De preferência, da sua idade — Makoto ficou calado por alguns segundos e em seguida falou: — Talvez seja melhor eu voltar para o outro quarto.
O rapaz começou a andar até a porta, entretanto Haru foi mais rápido e segurou o punho dele, impedindo-o de dar mais um passo. Makoto encarou-o.
— Por favor, não faça isso — pediu Haru, segurando-o. Uma parte sua estava consciente do quanto àquela cena era patética, porém não se importou. — Fique aqui. Eu juro que não vou fazer mais nada.
Makoto avaliou o garoto que estava com uma mão e os joelhos apoiados no colchão. Então, refletiu aquele pedido por um instante e por fim decretou:
— Está bem — Makoto se sentou na cama, de costas para Haru, e acrescentou sem olhá-lo: — Talvez seja melhor para nós dois esquecer o que aconteceu aqui. Peço perdão pelo que fiz.
Makoto deitou-se no colchão de costas para o moreno. Haru não precisava de desculpas. Não queria desculpas. Queria dizer que o amava, mas não teve coragem.
Sem falar nada e contendo as lágrimas, o garoto deitou-se também e de costas para Makoto.
Aquela noite perfeita transformou-se na pior da vida de Haru.
OoOoO
Na terceira semana de julho daquele mesmo ano, aconteceu o Dia Marinho.
Nesse dia (que era um feriado) os japoneses costumavam ir à praia com o intuito de observar o mar. Muitos aquários e parques disponibilizavam eventos para celebrar esse dia que tinha como função enaltecer a importância do oceano. Após o que houve entre eles naquela noite, Makoto não mencionou o ocorrido nenhuma vez e passou a agir como se nada tivesse acontecido. Haru, no entanto, não conseguiu fazer o mesmo.
Era impossível para o garoto agir como se não tivesse o tido em seus braços — mesmo que por um curto espaço de tempo. A tristeza de Haru refletiu-se em sua arte. Os seus novos quadros eram melancólicos e fúnebres. Ele passou meses atormentado com o fato de que Makoto estava namorando. Foi terrível. Contudo, Haru conseguia disfarçar a sua infelicidade quando Makoto ia visitá-lo. Nos dias em que era impossível fingir que estava tudo bem, ele alegava estar indisposto e que não podia receber o jovem.
Era doloroso demais encará-lo e saber que ele o rejeitou naquela noite. Então, em julho, Makoto o convidou para acompanhá-lo no festival de lanternas disponibilizado pelo parque Marinho de Odaiba. Foi bastante insistente, inclusive. Haru aceitou ir e agora eles estavam lá. Makoto, ao menos, teve a consideração de não levar sua namorada. Haru o agradeceu intimamente por isso.
Foi um evento magnífico. Haru teve que admitir. Ele e Makoto se voluntariaram para ascender às lanternas. Eles provaram as ostras grelhadas vendidas por vendedores de rua. Apreciaram a banda ao vivo que tocava no café da praia. O vocalista cantava músicas da atualidade e até antigos sucessos de X-Japan. Haru divertiu-se naquele final de tarde e eles acabaram optando por ficar a noite também. Quando o garoto cansou-se da multidão, os dois decidiram caminhar pela parte mais deserta da praia e apreciar a vista da grandiosa Rainbow Bridge (uma ponte que cruzava o norte da Baía de Tóquio até Odaiba) e dos arranha-céus que a contornavam. Eles estavam de pés descalços e sentiam as ondas gélidas lamberem seus pés. Haru planejava revelar seus sentimentos a Makoto naquela noite. Cansado do silêncio, Haru resolveu dar início a um assunto (e sanar uma curiosidade) enquanto caminhavam:
— Por que não trouxe sua namorada?
Makoto continuou olhando para frente.
— Nós terminamos.
O coração de Haru deu uma cambalhota e ele encarou o jovem, sobressalto.
— Vocês... Terminaram?
Makoto sorriu.
— Que foi? — questionou, divertido. Ele não parecia nem um pouco abalado com o término. — Isso ás vezes acontece. Nem sempre relacionamentos dão certo.
"É agora. Esse é o momento perfeito. Preciso falar agora.", pensou Haru.
Ele respirou fundo antes de se pronunciar, reunindo coragem.
— Eu amo você — falou Haru um tanto baixo e no exato instante em que aquelas palavras saíram de sua boca, fogos de artifício foram lançados ao céu, explodindo em cores.
Os dois pararam de caminhar e apreciaram aquele espetáculo colorido. Quando os fogos sumiram, Makoto voltou-se para ele.
— Desculpe. Não entendi o que você disse — o barulho abafou voz de Haru. — Poderia repetir?
"Talvez, seja um sinal para que eu não diga nada.", cogitou Haru sem saber se devesse repetir.
O garoto então prestou atenção na música que a banda ao vivo tocava, a qual soava distante:
Tudo ficaria bem se eu odiasse você
(Kimi no koto kirai ni naretara ii no ni)
Mas, em um dia como hoje, tenho certeza
(kyou mitai na hi ni wa kitto)
Que eu vou lembrar de você de novo
(Mata omoidashiteshimau yo)
Se ao menos eu não tivesse descoberto esses sentimentos
(konna kimochi shiranakya yokatta)
No entanto, mesmo que não possamos nos encontrar novamente
(Mou nido to aeru koto mo nai no ni)
Eu quero, quero ver você
(Aitai aitai nda)
Mesmo agora, penso naquele dia de verão em que você estava aqui
(Ima demo omou kimi ga ita ano natsu no hi o)
Haru pensou que não deveria deixar aquela canção o abalar e que estava na hora de parar de covardia. Tinha que revelar seus sentimentos a Makoto ou morreria com aquilo guardado dentro de si. Haru ficou quieto por alguns segundos então olhou diretamente nos olhos verdes de Makoto e falou com firmeza:
— Eu amo você.
Makoto arregalou levemente os olhos e entreabriu os lábios.
— Haru... — ele tentou falar alguma coisa, mas logo foi interrompido.
— Amo você de verdade — reforçou Haru, interrompendo-o e confrontando-o com os olhos. — Não como um amigo, mas como homem. Tenho certeza de que é isso o que eu quero, então não venha me dizer que eu não sei do que estou falando.
Makoto soltou um suspiro exausto.
Naquele instante, Haru percebeu que ele sabia sobre seus sentimentos.
— Haru, como pode saber que me ama se nem conhece outras pessoas? — Makoto proferiu o questionamento de forma suave, porém as suas palavras eram firmes e duras. — Você diz isso porque nunca se atreveu a sair daquela casa e conheceu o mundo.
Aquele papo de novo. Uma ruga se formou entre as sobrancelhas de Haru.
— Não! — falou com o timbre alto. As raras pessoas que trafegavam naquela região da praia se afastaram, incomodadas. — Isso é ridículo! Eu não amaria outra pessoa desse jeito! Não fale como se soubesse tudo sobre mim!
Makoto continuou controlado e parecia não se importar com a reação das pessoas.
— Você nunca vai saber se não sair da sua zona de conforto.
— Como você pode dizer que os meus sentimentos não são verdadeiros, quando não é você quem os sente?! — Haru esbravejou, encarando severamente o jovem a sua frente. — Não tente minimizar o que eu sinto, Makoto!
— Não estou minimizando nada, Haru — retrucou Makoto paciente, como se falasse com uma criança. — Entenda, você diz que me ama, mas nunca foi verdadeiramente próximo de outra pessoa além do seu pai e Amakata. Se você conhecesse outras pessoas, talvez nunca fosse se sentir dessa forma em relação a mim. E não estou me referindo à sexualidade. Mas, sim sobre ter outras experiências na vida para ter certeza de que é realmente isso que quer.
Haru sentiu seus olhos marejarem. Porém, foi forte o suficiente para engolir as lágrimas.
— E se eu não quiser ter outras experiências ou conhecer pessoas novas? — indagou para Makoto, baixinho e com a voz trêmula pela emoção. — E se eu decidir gostar apenas de você? Não seria algo verdadeiro do mesmo jeito?
— Seria — concordou Makoto. — Mas, eu não quero ter isso na minha consciência. Não quero pensar que você só quer estar comigo, porque eu sou a única pessoa, além do seu pai e Amakata, que você criou um vínculo. Ficaria satisfeito em saber que você conheceu o mundo, outras pessoas e que mesmo assim quer ficar comigo. Entende o que quero dizer?
Ao ouvir aquilo, Haru teve certeza de que não conseguiria mais lutar contra a vontade de chorar. Seus lábios tremeram. A vista embaçou. Para esconder que estava prestes a chorar feito um tolo, tombou a cabeça para baixo.
— Haru, por favor. Não chore — pediu Makoto, perturbado por vê-lo naquele estado. Ele segurou o punho do garoto e puxou-o para perto. — Venha aqui.
Haru se permitiu ser puxado e então Makoto embalou-o com seus braços. Os corpos dos dois se encaixaram como se fossem um encaixe perfeito. Haru foi envolvido pelo calor de Makoto e abraçou-o de volta, afundando o rosto na roupa dele. O garoto inalou o aroma de lavanda de Makoto que lhe era tão familiar e querido.
Então, Haru permitiu-se chorar feito uma criancinha. Makoto não desfez o abraço e o apertou mais forte contra si quando sentiu o corpo do garoto sacudir-se. Mesmo quando Haru acalmou-se, ele não o soltou.
Os dois apenas ficaram ali, descalços sob a areia da praia, sentindo as ondas molharem seus pés e ouvindo o rufar do mar. Haru queria que esse momento durasse para sempre, porém não durou e logo veio o baque:
— Tenho uma coisa para te contar — anunciou Makoto.
Ele afrouxou o abraço para olhar nos olhos de Haru que o encarou de forma questionadora.
— O quê?
Makoto hesitou um pouco, mas mesmo assim falou:
— Eu vou para a Itália amanhã.
Itália? Haru sentiu-se confuso.
— Você... Vai viajar?
— Não — disse Makoto, sério. — Vou fazer mestrado lá.
Então, a ficha caiu.
Haru arregalou os olhos.
— Você vai embora? — era mais uma acusação do que uma pergunta.
O garoto espalmou a mãos no peito dele e o empurrou para longe.
— Haru! — exclamou Makoto.
Haru estava transtornado. Destruído.
— Foi por isso que terminou com sua namorada?! — vociferou para Makoto.
— Foi um dos motivos.
— Você é cruel, é isso que é! — gritou Haru, sentindo-se profundamente magoado. — Eu te odeio, Makoto! Odeio o dia que te conheci! Odeio o que sinto por você!
— Passarei dois, três anos lá — informou Makoto, sem se afetar com as palavras dele. — Nesse meio tempo, tente viver. Conhecer o mundo. Se envolver com outras pessoas. Quando eu voltar e se você ainda me quiser, eu prometo que serei seu.
— Acha que vou passar mais tempo da minha vida esperando por você?! — as lágrimas escorriam livremente pela face bonita de Haru que nem as sentia cair. — Está enganado! Vá para onde você quiser! Faça o que quiser! Eu não me importo!
Haru então correu em disparada em direção ao festival decidido a entrar no primeiro táxi que encontrasse. Makoto tentou segurá-lo, mas não foi rápido o bastante. Enquanto Haru corria pela areia clara da praia, fogos de artifício explodiam no céu, magníficos. Apesar do barulho, o garoto ouviu Makoto chamá-lo:
— Haru!
No entanto, não parou de correr.
"Faça o que quiser! Eu não me importo!".
Haru já tinha dito isso antes e era mentira. Dessa vez, não era diferente.
Ele se importava até demais.
Três anos se passaram desde esse dia. Durante três anos, Haru tentou viver como se nunca tivesse conhecido Makoto ou o amado. Até que o viu novamente.
Três anos depois.
No lugar mais improvável de todos: na sua sala de aula.
Notas: Oi, só queria avisar que eu fiz algumas alterações no capítulo. Infelizmente elas foram necessárias. Se você já leu o capítulo não tem problema. Elas não irão alterar a história. Obrigada por ler! :)
