Olhou-se no espelho enquanto fechavam o vestido. Era um Pnina Tornai caríssimo, cheio de rendas e apliques de cristais Swarovski por todo corpete, reduzindo em cascatas até a saia. Optou por uma silhueta mais discreta, em A, apesar de toda suntuosidade do vestido. Não era mais uma mocinha pra querer um vestido de baile... Aliás, sempre usou esses benditos vestidos rodados e bufantes na adolescência. Agora queria mostrar que cresceu, e que se casava como a mulher que era. Obviamente, escolhera o branco, como mandava a tradição.

Não queria nada disso, e ele menos ainda, mas para que pudessem ficar juntos e, enfim, viver aquilo que as tantas batalhas os impediram de viver antes, foi imposto pelo Mestre que deveria ser dessa forma. "Eu tolero sua relação com o cavaleiro se for dentro dos conformes como manda a tradição! Muito embora acredite que todo esse envolvimento seja um verdadeiro sacrilégio mas... Se a própria deusa da guerra e sabedoria decidiu, eu como seu humilde servo devo aceitar. Mas sob essas condições: se casem nos conformes da lei! Nada de amassos as escondidas pelas escadarias, saídas a noite por Rodório ou encontros planejados longe das minhas vistas, na mansão Kido!" Shion podia ser mais chato que um pai ciumento, as vezes.

E dessa forma Saori se via, então, se preparando pra grande noite de seu casamento. Com toda pompa que a herdeira da Fundação Graad (e encarnação da deusa Atena dessa geração) merecia.

- Pronto senhorita. Tudo devidamente abotoado pra cerimônia. Você está linda!

Contemplou sua imagem de corpo inteiro. O grande véu com apliques a lhe cobrir desde o coque alto na cabeça, rodeado por um enfeite suntuoso de diamantes, até o chão, se arrastando atrás de si. No pescoço um colar trabalhado com filigranas de ouro branco caindo próximo ao decote em coração. O vestido tinha mangas em renda que lhe cobriam delicadamente os ombros e chegavam até depois dos punhos. Levava um buquê delicado de rosas cor de rosa claro e flores de laranjeira. Era um quadro completo, perfeito. Sentiu as borboletas em seu estômago levantarem voo, ouriçadas.

Lembrou-se então, de como tudo começou... O primeiro sinal que percebeu daquele por quem se apaixonara.

A volta ao Santuário ocorrera de forma lenta e gradual. Aos poucos, conforme suas vidas eram devolvidas, os cavaleiros retornavam para reafirmar sua dedicação á Deusa da Guerra e da Sabedoria. Isso durou alguns anos.

Cada vez que sentia, do alto de seu templo, a chegada de mais um de seus santos aos limites de sua morada, Saori era acometida com palpitações, como uma resposta a sua expectativa de reencontrá-lo. Normalmente as expectativas se mostravam infundadas, e apesar da alegria de ver seus santos retornar á vida, pouco a pouco, aquele que lhe era o mais caro entre todos ainda não tinha aparecido.

"Quando foi que ele se tornou tão importante assim para mim?" se perguntava. A explicação mais óbvia era a de que, como cavaleiro juramentado a Deusa Atena, se sacrificou tantas vezes quantas foram necessárias pra lhe salvar a pele. Mas o carinho e a estima que desprendia para com ele não provinham de sua dedicação a Deusa, mas sim da dedicação a Saori. A humana. Outra explicação é que... Ah, os olhos castanhos e o sorriso sacana sempre lhe tiraram do prumo! A princípio irritavam profundamente a dondoca neta de Mitsumasa, a ponto de lhe tirar a pose de superioridade mais de uma vez. Depois, sua disciplina para com o serviço do Santuário, a garra ao buscar a irmã perdida, a honestidade, o sorriso sincero, a determinação, a pele bronzeada, o pescoço esguio, os músculos definidos, a força e o calor de seu corpo a protegê-la somado a seus hormônios juvenis em polvorosa... Tudo isso fez com que Seiya começasse a ser algo a mais para ela. Mais do que um simples santo, portador da armadura de Pégasus e da alcunha de assassino de Deuses.

- Senhorita? Ouviu algo do que eu falei? – Pergunta Shion, já impaciente.

- Desculpe... Estou tão aflita nesses anos pós-guerra, e mais ainda com a falta de notícias que nem sei mais o que estou fazendo. Perdoe-me Mestre.

Shion desconsidera o fato de ter sido ignorado em meio a seu discurso sobre o sagrado Santuário de Atena e da importância que ele possui para a humanidade e prossegue com o relatório sobre as compras de materiais para a execução das obras de reconstrução ("que já estavam atrasadas e se mostravam complicadas em meio á crise econômica daquele país, é valido lembrar minha deusa!"). Saori apenas assente com as sugestões e tenta manter o foco na reunião.

São interrompidos por um burburinho do lado de fora da sala do Grande Mestre. As vozes exaltadas e as risadas (vindas em grande parte de Aldebaran de Touro) fizeram com que o coração da jovem deusa disparasse e fosse á beira de um ataque cardíaco fulminante. Sabia que ele estava lá. Certeza! Seu coração não lhe pregaria uma peça desse jeito. O cosmo ERA o de Seiya.

A porta se abriu e o riso do santo de Touro se tornou mais alto e chegou cristalino aos ouvidos dos ocupantes da sala.

Estava em pânico. Sabia que era só se virar para reencontrar aquele que lhe tirara o sono desde seus treze anos. Suas bochechas estavam coradas, suas mãos suavam, o coração a bater na garganta.

- Seiya de Pégasus se apresentando, Grande Mestre.

Oh céus, estava certa! Era ele, ele mesmo e estava ali, naquela sala!

Contendo a respiração a fim de normalizá-la, virou-se. Deu de cara com os olhos castanhos atrevidos, e o mesmo sorrisinho sacana. Seiya não olhava para o Patriarca enquanto se ajoelhava como a etiqueta do Santuário exigia. Olhava diretamente para si, em seus olhos. Aparentemente, sabia do efeito que causava nela e gostava disso.

A voz do Grande Mestre foi ouvida por todos ao receber o santo de bronze na morada da deusa, dando-lhe as boas vindas de maneira formal. Saori sequer ouvia o que era dito. Concentrava-se apenas no rapaz ajoelhado diante de si. Os anos lhe fizeram bem. Shion começou a questionar sobre seu trajeto, onde havia se dado sua ressurreição e tudo o mais, e Seiya respondia tranquilamente desviando os olhos vez ou outra pra sua deusa. Dadas às devidas explicações, o Patriarca dispensa o cavaleiro e se dirige á Saori, apenas para encerrar a reunião.

Se vendo livre de toda aquela burocracia chata e do peso da responsabilidade de administração do Santuário, resolve se dirigir até seu templo. A emoção do reencontro ainda estava lhe abalando os nervos e entorpecia seus sentidos de tal forma, que nem sentiu a presença do rapaz que a esperava na entrada de seus aposentos.

Seiya estava com os braços cruzados na altura do peito, um dos joelhos flexionados a fim de apoiar um de seus pés na coluna atrás de si. A caixa da armadura jazia ao lado do pé plantado ao chão.

- Mas quer dizer que eu não recebo nem uma palavra de boas vindas? – Sorriu espirituosamente pra Saori. A frase foi dita sem sarcasmo, apenas carregando o tom brincalhão que sempre acompanhou Seiya.

Embevecida pelos sentimentos que afloravam em seu coração, Saori dispara em direção ao cavaleiro e o recebe com um caloroso abraço. O rapaz fica sem jeito, afinal, a piada foi feita sem que ele esperasse essa reação da deusa. Retribui o ato de forma meio desengonçada, sem saber se colocava os braços contornando o pescoço da garota (agora nitidamente mais baixa que ele) ou se circundava-lhe a cintura. Optou por algo que envolvia as duas opções anteriores, o que tornou o ato algo bem amorfo e esquisito pra quem olhasse a cena de fora. Pra sua sorte ninguém estava por ali para vê-los e o abraço se desfez antes que qualquer outra pessoa pudesse aparecer. Seiya estava visivelmente ruborizado e o sorriso em seu rosto era envergonhado. Coçou a nuca, o que demonstrava que estava sem jeito, e se despediu da deusa com um beijo rápido em seu rosto.

Saori continuou parada, ainda fitando a coluna onde o cavaleiro estivera a alguns segundos, embasbacada com tudo o que tinha acabado de acontecer. Sempre acreditou viver um romance platônico com seu mais dedicado protetor, até porque ele sempre foi bem claro, desde seu retorno para a guerra galáctica a uns quatro anos, do quanto a desprezava por ser essa mocinha mimada que era. Depois veio a revelação de que ela era Atena e que ele deveria protegê-la. O desprezo se desfez e foi substituído por uma cálida adoração. Nunca leu nenhum sinal de ser correspondida em seus anseios amorosos por Pégasus, pelo contrário! Soube até que ele teria se envolvido em uma disputa séria com uma das suas amazonas e que ele teria visto seu rosto, levando a moça a querer mata-lo. Pensou, então, que Seiya ia preferir mulheres a garotinhas como ela, indefesas em suas redomas de vidro. E ainda tinha o lance dela ser a reencarnação de uma deusa, e toda a fama de pureza e castidade que cercavam Atena poderia muito bem afastar qualquer pretendente humano. "E não foi nada bom aquele rolo todo com Julian. Mesmo que seja com outro deus é bom que eu tome muito cuidado quando for me envolver. Foi só eu dar um fora e o cara surtou daquele jeito!"

Abanando a cabeça pra afastar seus devaneios, entrou em seus aposentos e se dirigiu a sua cama. Não tinha a intenção de dormir, mas acabou pegando no sono, acordando com uma dor de cabeça bem chata depois.

- Está preparada, senhorita? – Perguntou-lhe Tatsumi. Na ausência do avô ou de qualquer parente vivo, o mordomo fora escolhido para leva-la ao altar. A lembrança do dia em que lhe fizera este pedido ainda era nítida em sua memória, fazendo-a rir e enternecer-se tamanha a emoção demonstrada pelo homem.

- Sinceramente não, estou em pânico. Mas não quero desistir agora.

Respirou fundo enquanto tomava o braço de seu fiel mordomo. Seguiram até a porta da limousine que os aguardava á frente do hotel. Com certa dificuldade se acomodou no banco traseiro, sendo seguida por Tatsume.

Quando a porta se fechou e o carro foi seguindo o caminho até a igreja, Saori ouviu o choro alto do mordomo que a criara desde tão pequena.

- Mas... Tatsume, não chore! O que houve?

O desespero da noiva era grande. Poxa vida, já não bastava àquela pressão toda e agora o homenzarrão se desfazia em lágrimas ao seu lado, sem nem tentar reprimir os soluços.

- É que a senhorita está tão linda! Seu avô teria adorado vê-la se casar... Pena ser com aquele...zinho do Pégasus. Eu sei, seu sei senhorita Saori, já conversamos sobre isso mas... Ainda acho que alguém da estirpe do garoto dos Solo se enquadraria mais com uma moça de sua classe.

Saori apenas fez rir e reafirmar que casava por amor. Buscou por algo que pudesse entregar a Tatsume pra que ele pudesse assuar o nariz e se recompor para a cerimônia, mas não encontrou nada. Parou ao ouvir um barulho que lembrava uma buzina e constatou que o mordomo usava um lenço próprio para limpar o nariz. "Seria trágico se não fosse cômico".

O carro seguiu até a frente de uma grande catedral ortodoxa grega. Sentiu as benditas borboletas levantarem voo dentro de seu estômago e o coração voltar a bater na garganta. Saiu do carro, já trêmula e se dirigiu até a entrada principal. Esperou atrás das grandes portas trabalhadas de madeira até que o cerimonialista viesse para ajeitar seu véu e toda a comitiva que antecedia a entrada da noiva.

Estando tudo ajeitado, o sinal foi dado e as portas se abriram. Saori pode ver o caminho coberto por um imenso tapete vermelho que ia até o altar. A marcha nupcial começou a tocar ao passo que as batidas de seu coração iam falhando.

- Ainda dá pra desistir, senhorita. – Sussurrou Tatsume em seu ouvido. Ignorou o comentário e olhou para frente. Ao passo que caminhava lentamente para o altar, ia se lembrando de cada detalhe e cada acontecimento que a levara até ali. Respirou fundo e sorriu, afinal, estava indo em direção ao seu grande amor...

Continua...