A caixa que ninguém quer abrir
- Você já está saindo?
O jovem atendente virou-se pra olhar a mulher que o chamava. Havia sido contratado pelo gerente da joalheria há uma semana e já se mostrava muito dedicado. Era um belo gato de cabelos negros e escorridos que iam até o ombro. Possuía uma pelagem negra e brilhante, e olhos grandes e atentos. Era relativamente baixo para sua idade.
- Ah, eu vou só organizar algumas coisas no meu armário e já saio.
A moça suspirou. Por mais confiáveis que os novos empregados parecessem, era norma da empresa: eles não podiam ser deixados sozinhos no fim do expediente. Ela teria de ficar ali com ele até terminar. Sentou-se num banquinho baixo e olhou o relógio em seu pulso, impaciente.
- Tem algum compromisso em especial? - Perguntou o gato, olhando de esguelha para a jovem moça.
- É, meu filho está sozinho em casa, estou preocupada...
- Você tem filhos? Não sabia!
- É, só um, Fillipe...Sou divorciada, então por enquanto somos só eu e ele.
- Ah, é uma pena... - Ele levantou a cabeça e olhou bem fundo nos olhos da moça. Ela não se moveu, surpresa e ligeiramente hipnotizada por aqueles brilhantes olhos dourados de gato. - Olha, eu queria mesmo ajudar, mas eu tenho que organizar isso agora, não terei tempo amanhã...Eu sei que é norma de vocês ficarem de olho nos novos empregados, mas... Se quiser ir embora, fique tranqüila. Ninguém ficará sabendo de nada, e seu filho precisa de você.
A moça desviou os olhos para o relógio, hesitante. Não morava num bairro tranqüilo, temia deixar o pequeno sozinho a essa hora da noite...
- Promete que vai fechar tudo antes de sair? Que vai verificar o alarme direitinho?
O garoto deu um sorriso calmante, e assentiu.
- Não se preocupe.
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Não muito longe dali, em cima de uma árvore oculta pelas sombras dos prédios, uma figura misteriosa observava a rua vazia. Em especial um prédio. Acompanhou com os olhos uma jovem sair da construção e chamar um táxi. As luzes de dentro ainda estavam acesas. Observou a mulher entrar no táxi e após algum tempo, o mesmo partir, sumindo na escuridão. Deu um sorriso enviesado e puxou um walkie-talkie do bolso do macacão negro colado ao corpo.
- Espero que tenha preparado uma recepção calorosa pra mim.
Na delegacia, uma cadela da raça daushaund estava sentada em seu escritório, lendo preguiçosamente alguns relatórios que lhe haviam mandado, quando um gato tricolor de pêlo rajado abriu a porta com força, gritando:
- Nina, ela atacou de novo!
- Quem? - perguntou, distraída, ainda folheando uma papelada.
- Ora, quem você acha? PANDORA!
- Ela... O QUÊ? - Ao ouvir esse nome, Nina levantou-se da cadeira imediatamente. Não podia ser, tinham prendido a gata na semana passada, como ela podia estar solta novamente?
- Onde foi? ONDE FOI, JIMINY? - Ela agarrou-o pela farda em um acesso de loucura, pendurando-se nele, devido à sua baixa estatura.
- Rua Aristocrat, nº 312... - Ele respondeu, surpreso com a reação dela. Ela soltou-o e pulou para o chão. Foi até o seu armário e pegou seu revólver, um pouco de munição. Enquanto se dirigia rapidamente à porta, resmungava:
- Essa filha da... Ahh, agora ela passou dos limites... Algum cúmplice? - Ela perguntava enquanto os dois andavam pelos corredores da delegacia, dirigindo-se ao estacionamento para pegar a viatura.
- Imaginamos que o mesmo de sempre, mas até agora não o viram... Mas quem está dirigindo o carro não é ela, então deduzimos que tem sim um cúmplice.
Entraram ambos no carro, Jiminy no lado do motorista, pois Nina não alcançava o pedal.
- Quer tentar acompanhar a perseguição ou vamos ao local do crime investigar? - Perguntou o gato, mas deu um risinho baixo. Já sabia a resposta.
- Seguir a perseguição, claro. Ela não vai escapar entre meus dedos de novo.
Rindo, Jiminy deu partida e saiu do estacionamento, contatando uma das viaturas que seguiam o carro da ladra. Enquanto ele se informava sobre as localizações, Nina abriu o porta-luvas e tirou uma foto da suspeita. Era uma gata branca, de cabelos exageradamente grandes e ondulados, de cor azul, mantidos sempre soltos. Possuía uma única mancha bege na ponta da cauda comprida, e olhos muito azuis. Mesmo na foto de registro da polícia, ela mantinha uma expressão de desdém própria de ladrões do nível dela. Ladrões espertos, que planejavam grandes roubos. Como o da joalheria que havia acabado de soar o alarme. A mesma joalheria que havia empregado um gato preto há uma semana... E dizem que esses animais não dão azar. Era o que pensava o dono da joalheria, quando foi notificado de que uma de suas lojas havia sido saqueada.
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- Hum, entendo. Claro que não foi o senhor. Estarei aí num instante.
Após esses breves dizeres, o homem pôs o fone no gancho e olhou para a rua iluminada, de sua enorme janela no vigésimo andar. Com certeza aquela ladra estava dando-lhe uma grande dor de cabeça. Desde que apareceu na cidade no mês retrasado, só tem atacado suas empresas terceirizadas, driblando qualquer sistema de segurança de maneira muito inteligente. Ninguém conseguia vê-la roubando, mesmo os seguranças presentes. Ela parecia um ser invisível. E a polícia, incompetente. Por mais que a capturassem, ela sempre fugia. Imaginava essa mente brilhante rindo da sua cara, sentada em montes de dinheiro lucrado às custas dele. Admitia, ela era esperta. Esperta e habilidosa.
Passou a mão pela barba ruiva distraidamente, pensando. Então, como se tivesse tomado uma decisão, pousou firmemente a mão rugosa e manchada pelo tempo no tampo da mesa de ébano, correu até seu casaco pendurado no cabideiro e saiu do grande e elegante escritório, sem olhar pra trás.
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- Strike, por acaso você quer MATAR a gente?
O pequeno e discreto carro negro do gato corria desabalado pelas ruas, desviando de automóveis e pedestres desavisados. Strike parecia extremamente empolgado, com uma expressão de concentração conservada no rosto, enquanto girava o volante loucamente.
- Minha fuga teria sido mais sutil se eu tivesse ido a pé!
- E como é que você pretendia levar esse monte de jóias sozinha, amor?
- Não me chame assim – Repreendeu Pandora, olhando-o com cara feia. - Já se passou muito tempo desde que nós...
- Okay, okay – Ele a interrompeu, como se quisesse impedi-la de falar. - Me desculpe, certo?
Ela assentiu, dando-se por satisfeita mas, internamente, Strike sabia que ela ainda sentia algo por...
- STRIKE, CUIDADO! - Ela gritou, enterrando suas unhas afiadas no banco, de medo, ao quase atingirem um caminhão.. - Qual é o seu problema?
- Me desculpe! Eu me distraí!
- Se distraiu! - Ela repetiu, ridicularizando-o. - Você podia ter nos matado!
Foi durante aquela discussão que os dois não viram a viatura da polícia aparecendo bem na frente deles. Quando o motorista do carrinho preto notou que iam bater, era tarde demais.
A velocidade era muito grande. O gato tentou desviar, mas a única coisa que conseguiu foi capotar o carro. Eles giraram por alguns poucos metros, até baterem com força em um posto de gasolina. Pandora, sem cinto de segurança, voou retrovisor afora e caiu no chão, dando um gemido de dor.
- Argh... Acho que quebrei alguma coisa... Strike? - Ela tentou reconhecer o espaço, seus olhos lacrimejavam de dor. Quando conseguiu se dirigir vagarosamente para o carro acidentado, ouviu um estrondo e uma explosão de fogo, calor e destroços jogou-a longe mais uma vez, atingindo-a em cheio. Mas ela não sentia dor. Só pensava em uma coisa no momento, ao ver as chamas consumirem o carro.
Seu colega estava lá dentro.
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Nina saiu da viatura batida, fungando e apertando o braço que não parava de sangrar. Do outro lado, Jiminy levantou-se do banco do motorista, ágil, correndo até sua parceira.
- Você está bem?
- É claro que eu estou bem! Vá lá checar o que ocorreu, eu vou pedir reforços. E tome cuidado! - Acrescentou, ao ver seu amigo correr até o pequeno inferno flamejante. Em seguida, enfiou a cabeça no carro e puxou o comunicador, gritando por mais viaturas e uma ambulância. Olhou para seu braço. Talvez duas ambulâncias. Solicitou também um bombeiro, o mais urgente possível.
Por mais nervosa que estivesse com Pandora e seu cúmplice misterioso que nunca era capturado, Nina não deixava de ser uma policial que cumpre com a lei e que se importa com a vida de outras pessoas. E naquele momento, a vida de um motorista desgovernado estava em perigo.
