O Tributo aos esquecidos

Morrer pode ser uma desgraça para aqueles que foram inúteis, mas pode ser uma dádiva para aqueles que tiveram honra enquanto vivos.

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O demônio e seu anjo da guarda

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"Why do you weep? What are these tears upon your face? Soon you will see all of your fears will pass away, safe in my arms you're only sleeping"

(Por que choras? O que são essas lágrimas sobre sua face? Logo você verá todos os seus temores irem embora, seguro em meus braços você está apenas dormindo.)

(Into the West - Annie Lenox)

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A névoa encobria os campos esverdeados e os olhos do demônio cultuavam a escuridão do céu. Mais um amanhecer cinza se desenhava diante dele e mais um fato mundano que deveria ser esquecido se esboçava.

Haku estava ao seu lado com seu tão lindo e suave sorriso.

- Zabuza-san... você nunca observou o sol nascer? – indagou o jovem garoto.

- Sol? – por baixo da escumilha que lhe cobria o rosto, uma careta desdenhava da pergunta. – Assim não é mais bonito?

- Como pode saber, Zabuza-san? Você nunca viu o amanhecer de outra forma.

O demônio da névoa arqueou as sobrancelhas numa reflexão e, puxando o ar, fez um jutsu simples para dispersar a neblina que tapava o nascer do sol. Cerrou os olhos ao sentir a claridade se erguer no horizonte e pôs o antebraço sobre a fronte para se proteger da luz. Ao se acostumar com ela, examinou cada detalhe do mar de raios solares a inundar todo o ambiente.

Haku estava perplexo, perdido diante de tão belo amanhecer. Desde que se juntara a Zabuza, não tinha assim como ele visto o nascer do sol. Era sempre névoa e cinzas. Sorriu para si mesmo, pois sabia que se sorrisse para o outro seria em vão. Cruzou as pernas e suspirou, feliz.

- É tão lindo, não é?

Zabuza arqueou as sobrancelhas, pigarreou, fingiu não ouvir e virou o rosto. No canto dos olhos, sua retina brilhava e se esforçava para suportar tamanha quantidade de luz que ainda lhe ofuscava a visão. Era realmente linda toda aquela paisagem amarela e azul, verde e vermelha mesmo que ele não gostasse de cores berrantes.

- Lindo não, - argumentou. – eu diria que é... suportável. Mas arde nos olhos.

- Zabuza-san, você é engraçado – Haku tapou a boca com uma das mãos para esconder o riso, mesmo sabendo que não precisava, pois ele nunca reclamara das suas risadas fora de hora. – Logo você se acostumará.

- Não quero me acostumar com isso... nem sequer consigo olhar diretamente para ele – referia-se ao sol.

- Mostrarei então um entardecer. É encantador também – o silêncio tomou conta dos dois.

No céu ainda contemplado pela dupla, gaivotas dançavam amistosas entre as nuvens, arrancando sustos e sorrisos de quem as observava em total silêncio. O mundo parecia girar tão rápido quando as nuvens começavam a se mover.

"O que você consegue ver no horizonte? Por que a gaivota branca canta?"

Haku baixou a cabeça e, ao balançar as pernas, lembrou-se de que Zabuza não gostava de passar tanto tempo naquele ócio. Naquela manhã em especial, ele parecia tão empolgado com a nova descoberta no horizonte que sequer o tinha convidado para treinar. Mas se o próprio Haku não fizesse isso, o demônio da névoa poderia se irritar.

- Qual a nossa próxima tarefa? – indagou com a voz baixa.

- Gatou...

- Aquele velho capitalista? – esquecendo da expressão feliz de antes, Haku prendeu-se em pensamentos longínquos. – O que ele quer?

- Tazuna, – o ninja da névoa fitou o garoto e, num toque singelo, acarinhou seu cabelo longo. – devemos matar Tazuna.

- Mesmo? Isso te fará feliz, Zabuza-san?

- Feliz? – observou no horizonte a imagem imponente do astro rei a iluminar o dia. – Veremos depois de concluir a missão.

Inconscientemente, Zabuza sabia que era aquela sua última missão e, ao fim dela, a única certeza que tinha era de que a lembrança do sorriso gentil de Haku naquele amanhecer seria a sua companheira quando fechasse os olhos.

"A esperança se apaga em um mundo escuro, através das sombras caindo, fora da memória e do tempo."

Ao fim da missão, concluiu que, mesmo tendo acompanhado apenas um nascer do sol em toda sua vida Shinobi, não tinha do que reclamar, pois mesmo sob a névoa cinzenta o sorriso daquele garoto que lhe seguia estava ali do seu lado e, ao ver o sol, o demônio da névoa notou que o brilho nos seus orbes negros era bem mais belo e intenso que aquele astro amarelo no céu.

Haku queria, antes de morrer, acompanhar também um pôr-do-sol ao lado de Zabuza... um que fosse colorido e que não judiasse tanto dos olhos apertados daquele ninja resmungão que outrora xingara os raios solares matutinos.

Quando, num último esforço, seu oponente Kakashi atacou-lhe com um Raikiri, aquela luz ofuscou-lhe os orbes. Zabuza sequer conseguiria movimentar-se devido à dor que o acometia, mas num piscar de olhos a luminosidade se extinguiu.

Haku pôs-se diante dele e salvou-lhe a vida, entregando a sua própria.

"Você chegou ao fim da jornada."

Antes da tristeza de ter perdido o garoto, foi apenas satisfação que o demônio sentiu, pois ele estava vivo e Haku cumprira a sua obrigação. Haku o salvara. O salvara e morrera.

Tazuna jamais foi morto por um deles, pelo contrário, foi defendido. Ao fim, foi o velho Gatou quem sofreu a ira de Zabuza.

Demorou tanto para que o homem sentisse a dor da perda que sequer notou a névoa se dissipar e o pôr-do-sol se desenhar perante os seus olhos quase chorosos.

Sua última atitude não foi a de um demônio: com uma delicadeza jamais pertencida a ele, deitou-se ao lado de seu pupilo, que jazia desfalecido no chão, e agarrou-lhe a mão com suavidade e gentileza.

Haku derramou uma lágrima e Zabuza sabia que não era de tristeza. Ele estava feliz com a sua vida e a conclusão dela.

"Por que você chora? O que são essas lágrimas no rosto?"

- Quero ir para o mesmo lugar que você for, Haku.

O Shinobi sorriu para o rapaz e, já sem forças, contemplou, mesmo de olhos fechados, seu primeiro pôr-do-sol sem nuvens. Não viu as cores, nem ouviu o riso delicado de Haku, mas sentiu a maresia tocar seu rosto e a mão fria dele a pesar sobre a sua.

"As praias brancas estão chamando... eu e você nos encontraremos novamente e você estará nos meus braços... Dormindo."

Disseram um adeus silencioso e ficaram juntos até o seu último suspiro.

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N/A: Se morrer faz parte do jogo, eu desisto de jogar. Quero só lançar as cartas e ver os oponentes se matando aos poucos.

XD Filosofando assim o povo pensa que eu sou culta. Ah, nada mais justo do que uma nota triste para o fim de uma história triste. Até hoje me pergunto por que RAIOS o Haku e o Zabuza tiveram de morrer. Eram de longe a dupla mais complexa e perfeita de Naruto. Mas eu supero isso com essas fics...

Obrigado a Motoko Li pela betagem! Bjinho!

A idéia é simples, criar um conjunto de oneshots centradas nos mortos mais interessantes e amados do anime.

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