Cerimônia

Kanon voltava dos treinos. Era certo que fazia calor, e que muitas vezes ele se enchia daqueles pivetes... mas ao menos aquele pôr-do-sol, ou ainda a companhia de Saga à noite, já lhe compensavam...

Foi pensando nisto que repentinamente foi interrompido por Ikarus.

- Senhor Kanon!

- Hum? Ahn? Que é, Ikarus? Que susto você me deu, hein!

- Bem... desculpe.

- Tudo bem. Diga, o que quer?

- Olhe, senhor Kanon, eu... ouvi falar que o senhor finalmente assumiu o seu romance com Saga. É verdade?

Kanon sorriu.

- É, sim! Sabe, por mais que este ou aquele fale... é um peso que me saiu das costas! Sério mesmo. Ao menos beijá-lo em público agora eu posso, coisa que por vinte anos não pude fazer!

- Sei... mas, senhor Kanon, desculpe me intrometer em sua vida pessoal... mas o senhor não pensa... em se casar?

Kanon arqueou a sobrancelha, espantado.

- Casar?

- É, casar. O senhor... já "namora" o Saga há vinte anos, não é mesmo?

- Sim. Tirando os seis em que ficamos separados...

- Mesmo assim é um tempo longo. Catorze anos... é a minha idade!

- Sim, mas... por que falou de "casar"? Nós já moramos juntos!

- Eu sei. Mas já que se assumiram em público... por que não fazê-lo numa cerimônia também pública?

- Bem, é que... eu não sei se existe casamento "oficial" pra casais de homens. Existe...?

- Acho que não. Mas... veja bem, senhor Kanon... Atena aprova o seu "namoro" com o Saga. Não aprova?

- Aprova sim.

- Pois bem! Se ela é deusa, e se o Santuário é um distrito religioso... e casamentos usualmente são feitos em igrejas ou redutos religiosos... por que o senhor não pede, com todo o respeito é claro, para que ela case vocês dois?

Aquela idéia veio como um estalo na mente de Kanon. Sim... era viável!

- Rapaz, você me vem com cada idéia!

- Desculpe se lhe pareceu algo disparatado, senhor...

- Não, pelo contrário! Foi algo ótimo, nunca havia pensado por esse lado!

O discípulo de Kanon sorriu, feliz por ter boa aceitação da parte do mestre.

- Vou pra casa dar a idéia pro Saguinha! Tchau, Ikarus!

E assim ele foi, todo lépido e alegre, quase como uma criança. Ao chegar em casa, Saga estranhou toda aquela empolgação, mesmo que "empolgação" não fosse bem algo ruim... mas vinda do Kanon, tudo era possível!

- Que foi, Kanon? Por que está assim?

- Ah, Saga! Não sabe da última! Sabe o Ikarus, né?

- Ele finalmente começou a namorar...? Melhor: conseguiu convencer Demetrius a autorizar o namoro com Dânae?

- Não, coitado! Ele continua na mesma! Mas, Saga... ele me deu uma idéia genial!

-...sério? Qual?

- De nos casarmos, eu e você!

Saga permaneceu olhando o gêmeo com "cara de tacho", como se não soubesse o que ele queria dizer.

-...casar? Como assim?

- Casando, oras! Sabe, aquela cerimônia? Entra o noivo, entra a noiva, troca de alianças...

- Disso eu sei. O detalhe é que... somos dois homens, sabe? E também irmãos!

- E daí? Se Atena aprova, tá tudo beleza! Só precisamos dar uma "adaptada" em alguns detalhes e pronto! Vai ser lindo!

Saga observava, estupefato, aquele "homão" feito de quase 1 metro e 90 centímetros de altura e mais de trinta anos de idade, rodopiar pela casa num delírio de "noiva apaixonada".

- Imagine só, Saguinha! A gente entrando naquele salão enorme, bem vestidos, os cabelos esvoaçando... pra receber a bênção de Atena em nosso casamento! E as alianças...! Imagine, eu usando uma com seu nome, e você usando uma com o meu! Vamos sair na rua de mãozinha dada - com as aliancinhas no dedo! Me diz, Saga, não é formidável?

O mais velho olhava para o teto...

- Kanon, você parece um viado falando!

- Ué! E eu não sou um viado? Você também é, ora!

- Não é "desse tipo" de viado que falo...

- E agora tem "tipos de viado", é?

- Tem, né! Você tá parecendo aqueles que gostam de se vestir de mulher... falar fininho... ficar com delicadezas! Qual é, Kanon! Você sempre foi "macho" até na hora de eu comer você! Sempre com um linguajar que de tão grosso, me envergonha até! E agora vem com essas sentimentalidades?

- Ué, pensei que os brutos também pudessem amar!

- E podem! Mas, Kanon... pra quê casar? Já moramos juntos... já somos um casal estável... pra quê escancarar mais ainda o nosso relacionamento?

- Humpf! Falando assim, parece que nem quer se assumir como meu marido!

- Francamente, Kanon? Nunca tive muita necessidade de "mostrar pro povão" que amo você. Nós dois sabendo, e nos amando e respeitando, pra mim já estava ótimo!

O olhar de Kanon, depois dessa, se tornou algo de pura estupefação e decepção.

- Pois é, né, Saga! E depois o misântropo sou eu!

E sem esperar resposta, o mais moço foi até o banheiro, tomar o rotineiro banho de depois dos treinos. Saga sentou no sofá da sala, pensativo.

"Casar... que idéia! Não somos um casal comum. Somos... irmãos sexuados, é isso! Foi esse termo aliás que Kanon sempre usou desde aquele dia... aquele dia depois de nossa primeira vez".

E então, quase de forma involuntária, ele se viu pensando no Kanon menino, vinte anos antes. Naquele dia mesmo, "depois da primeira vez". E lembrou da angústia que Kanon sentia por não poder se revelar a ninguém... nem de poder ser "ele mesmo"¹.

Um garoto de apenas quinze anos... e já com um peso tão grande sobre as costas.

Saga pensou também na discussão que tiveram no dia. De ser "pra sempre" ou "não pra sempre" o que sentiam um pelo outro. Kanon, em sua costumeira exaltação, disse que sim! Que tinha de ser pra sempre! E Saga, em sua racionalidade, queria que fosse pra sempre... mas por serem na época muito jovens, cria que era cedo demais pra afirmar tal coisa com tamanha veemência...

De repente, ele se viu ali, vinte anos depois, com nada menos do que trinta e cinco anos de idade. Aqueles vinte anos haviam sido tão longos e cheios de apreensões, que pareciam ter sido duzentos. Sim... muita coisa acontecera naquele período, mas no final das contas... não estava ele ali, morando com o gêmeo? Não estava se amando com ele todas as noites? Apesar das discussões por causa da preguiça de Kanon e da racionalidade de Saga, eles não se amavam...?

Naquele momento, como num "clique" em seu cérebro, Saga percebeu que o jovem Kanon tivera razão... o sentimento não havia mudado de natureza. eles eram mais maduros, mais experientes, o amor havia ficado mais centrado... mas... existia!

O Kanon garoto, de quinze anos, sabia perfeitamente que ia ser "pra sempre". O Kanon homem, com vinte anos de "namoro"... também não acertaria no tocante a casarem como sendo o melhor?

"É claro, Saga!", pensou o gêmeo de Kanon, falando consigo mesmo. "São dois por que? Um é a razão, outro é o coração! Você sabe pensar e medir as coisas, mas o Kanon sabe pressentir! É isso! Vamos casar!"

Uma onda enorme de paixão invadiu o coração de Saga. Parecia querer afogá-lo de tão forte que era... e foi até o banheiro, doido pra dizer pro Kanon que aceitava... mas antes de adentrar o recinto, ouviu-o se lamuriar consigo próprio.

-...pois é! E eu, que não acreditava nas histórias das noivas abandonadas no altar! Sei que abandonado não fui... mas, que merda! Por que tem certos homens que protelam tanto assim o casamento? É, é isso, eles têm medo dessa palavrinha mágica: CA-SA-MEN-TO! Caralho, eu sou homem também, e como o Saga mesmo disse, macho até na hora de dar a bunda pra ele! E não tenho medo de casar, que esse negócio de medo é pra panaca, não pra homem de verdade, porra!

Saga foi, aos poucos, tirando a roupa e ensaiando pra entrar na banheira. Tudo em silêncio, claro, pro parceiro não perceber.

Kanon, ignorando a preesença do irmão, continuou resmungando:

-...vê se tenho medo de casar! Eu não! Ademais, vivemos juntos e sozinhos desde os sete anos de idade! Tirando, claro, quando fiquei no Reino de Poseidon... mas isso é outra coisa! Desde que Atena nos ressuscitou, voltamos a morar juntos e a nos comer, como fazíamos antes. E aí, ia fazer diferença...?

O mais velho entrou na banheira, devagarzinho e sem fazer barulho... e, claro, ocultando o cosmo. Kanon ainda falava sem parar:

-...e aí? E se a gente casasse? Que diferença faria? Nenhuma! A gente só ia lá, se vestia diferente, punha os anéis no dedo - e só! E esse puto não quer casar! Não quer! Se até a sociedade, o povão todo, já sabe que somos um casal! Só pra me fazer um gosto, passar umas horinhas numa cerimônia simbólica... e nem esse "pouco" ele quer fazer por mim!

Sem esperar, o gêmeo mais moço se viu abraçado por trás, os braços de Saga estreitando-o com tamanho vigor, que ele sentia não poder sair daquele enlace.

- Uhn...! Saga...

- Kanon... eu mudei de idéia... eu caso, Kanon... eu caso!

Apesar de se sentir um tanto quanto incomodado com aquele tremendo "apertão", o caçula se sentiu feliz ao ouvir aquilo.

- Casa, é...? E por que mudou de idéia de forma tão abrupta...?

O primogênito virou Kanon de frente para si, abraçando sua cintura, as mãos chegando em seus quadris, os olhos diretamente fitos nos dele.

- Porque eu pensei em nossa história, sabe... naquilo que aquele Kanon garoto me disse há vinte anos atrás... e Kanon... você tinha razão... o nosso amor era pra sempre... é pra sempre! Então... no meio dessa história tão sofrida, mas ao mesmo tempo tão bonita que tivemos... nós merecemos casar...! Você merece casar, Kanon!

Emocionado com tais palavras, Kanon enfim beijou Saga na boca, sendo plenamente correspondido.

- Un... Saga... está certo! Vamos casar então!

- Sim... mas não quero me vestir de noiva, hein!

Os dois caíram na gargalhada!

- Claro que não, Saga! Somos um casal de homens! E não é por sermos gays que seremos afeminados, ora!

- Eu sei, só estava brincando! Mas Kanon... tem um detalhe do qual você está esquecendo!

- Qual...?

- Atena tem de aprovar. Esqueceu...?

- Ah... é...! Temos de pedir a ela que nos case, Saga! Bem, eu acho que não vai negar, já que aprova nosso "namoro"...

- Sim, também creio que sim... mas quando vamos pedir isso a ela?

- Hum... amanhã, na hora do almoço? Que tal?

- Tudo bem...

Felizes, os gêmeos se beijaram novamente, e terminaram de se banhar. Afinal, tinham de descansar... pois o dia seguinte seria o primeiro dos preparativos daquele curioso casório!

To be continued

OoOoOoOoOoOoO

¹Vide a fic "Pra sempre".

Finalmente eles vão casar! Gente, nunca imaginei fazer uma fic com eles casando oficialmente... pra mim, o relacionamento deles do jeito que ia já bastava... mas sabe, quando fiz a fic onde eles enfim se assumem pra todos... pensei: por que não? E de repente a mão começou a escrever, parecia que tava "psicografando"... rssss!

É isso! A fic terá mais alguns capítulos, mas não será muito longa.

Beijos a todos e todas!