Para Dani e Marcella, que me obrigaram a terminar a história mesmo quando eu não parava de reclamar.
Inferno. Era lá que eu estava.
O barulho dos tiros era tão alto, tão próximo, que a cada disparo eu esperava sentir uma dor lancinante, ver minha pele rasgada, tingindo minha farda de vermelho.
Meu rosto estava coberto de suor, terra, pólvora e sangue, em parte meu, em parte daqueles que lutavam, fosse ao meu lado, ou contra mim.
Arrastei o corpo pelo chão, me impulsionando praticamente só com os braços, sem soltar minha arma, me esforçando para chegar à trincheira mais próxima, se as dores não fossem o bastante, o barro complicava tudo, fazia o corpo afundar, grudava.
O napalm havia destruído toda a vegetação e a chuva insistente transformou a região em um enorme lamaçal. O caminho ainda estava obstruído por corpos caídos, seus rostos contorcidos e congelados em um último suspiro de dor invadiam meus pesadelos à noite, mas eram raras as noites que eu realmente conseguia dormir.
Rolei o corpo para dentro do barranco fundo, onde encontrei alguns companheiros.
Algumas cabeças se viraram na minha direção, mas ninguém disse nada, eles mal se moviam ou pensavam já que a exaustão os dominava e não saber quando voltaríamos, ou até mesmo se voltaríamos para casa era a única coisa que dominava suas mentes. O front já se arrastava por 7 longos dias e parecia longe de acabar.
Um cadete beijava uma foto e sussurrava palavras de amor, ao seu lado um sargento parecia em choque, seu olhar vidrado, sem enxergar nada a sua volta, sem parar de tremer.
Demorei pra notar o jovem ao meu lado, meus ouvidos zumbiam constantemente, deixando os gemidos dele abafados.
Sua perna havia sido amputada na altura do joelho e seus olhos estavam febris, com um brilho doentio, enquanto ele ofegava, aquela infelizmente era uma cena comum demais para que eu me comovesse por mais que alguns instantes.
Gritos me fizeram esquecer da cena a minha frente, não os gritos de dor, eles já não nos chamavam mais a atenção assim como o rapaz ferido ao meu lado, dessa vez os gritos realmente formavam palavras.
"Abaixe-se!"
"Ele está louco! Deixem-no ir!"
"Pelo amor de Deus, volte!"
Estiquei o corpo o bastante para enxergar o que acontecia, o soldado Newton caminhava mancando em direção aos inimigos.
"O que diabos aquele estúpido está fazendo?" gritei enraivecido pra ninguém em particular.
"Ele está cego! O gás! Ficou louco, senhor!" o cabo Yorkie relatou, um tom de histeria por trás de suas palavras.
"Merda!" cuspi a palavra. Esse com toda a certeza era o pelotão mais inexperiente e ninguém se importava de mandar todos esses garotos, por que era isso que eles eram, ou melhor, nós éramos, para a morte.
Ergui o corpo mais uma vez, avistando o soldado desvairado.
"Soldado Newton!" gritei, esperando que minha voz fosse carregada até ele "Dê meia volta agora! Isso é uma ordem!" ele parou.
"Continue, senhor!" o cabo incentivou, claramente os dois eram amigos, pela primeira vez em meses senti uma pontada de preocupação, o cabo ainda tinha uma certa histeria na voz, ele estava prestes a ter um colapso e ver seu amigo enlouquecido ser baleado e morto com certeza seria a última gota.
"Soldado! Obedeça a ordem agora!" gritei novamente e Newton começou a se movimentar na nossa direção.
Nem tive tempo de soltar um suspiro de alívio, pensando que o soldado conseguiria retornar, outro homem do pelotão se movia na direção dele.
"Não acredito" sibilei entre dentes "Quem é aquele?" as palavras ríspidas serviram para Yorkie responder rapidamente.
"Crowley, senhor! Tyler Crowley!"
"Crowley! Retroceder imediatamente! Não se atreva a dar mais nenhum passo!" isso estava passando dos limites, cada vez mais homens na linha de fogo.
"Mas senhor..." ele começou a responder parando no meio do caminho!
"Granada!" gritaram de algum ponto do campo.
Não segui meus instintos, muito menos tive a calma que minha patente exigia, eu deveria proteger os outros, eu estava no comando, mas quando dei por mim, já estava correndo na direção dos dois.
Enquanto minhas pernas se moviam sem minha permissão, eu já sabia que era uma atitude idiota.
Tentava absorver todos os detalhes ao mesmo tempo, mas era impossível, tudo acontecia rápido demais!
De repente uma explosão, terra, fogo, mais sangue, meu corpo voou para trás, eu estava entorpecido.
Honestamente esperei ver minha vida passando diante de meus olhos, uma luz vinda dos céus, mas tudo simplesmente ficou escuro.
xo0ox
Eu não estava morto, disso eu tinha consciência, cada centímetro do meu corpo latejava e queimava, a morte não deveria ser tão dolorosa.
"Doutor! Ele está acordando!" uma voz de mulher, doce, intensa ressoou ao meu lado.
Meus olhos se abriram devagar, tudo era branco, teto paredes, até a luz parecia branca. Comecei a reconsiderar a possibilidade de estar morto.
Então um par de olhos castanhos se colocou a minha frente, eles pareciam analisar a minha alma.
"Olá..." a mesma voz de antes disse, num tom descontraído, leve, me fazendo reparar nos lábios além dos olhos.
Lábios cheios, avermelhados que se esticavam num sorriso reconfortante. Abri a boca para tentar responder, mas minha garganta estava completamente seca.
"Vamos com calma, Coração Púrpura" ela continuou, ainda sorrindo calmamente, seu rosto era claro, quase tão branco quanto às paredes, deixando seus lábios ainda mais vermelhos e seus olhos ainda maiores, mais profundos, ela parecia um anjo "Esteve muito tempo desacordado... Foi muito ferido!"
"Newton... Crowley..." consegui articular, minha voz estava rouca, baixa, não a reconheci.
O anjo, que estava anotando informações numa prancheta, levantou a cabeça num estalo na minha direção, fazendo seu cabelo castanho se espalhar por seus ombros em belas ondas.
Ela me encarou por alguns instantes, parecendo surpresa, seus lábios em forma de coração estavam entreabertos num "o".
"Seus companheiros, não é?" ela nem esperou que eu respondesse e continuou "Estão bem... Você foi o pior ferido."
Só então percebi que nem sabia meu estado, eu sentia minhas pernas, oh sim, elas doíam demais para não estarem lá.
Ia continuar listando os possíveis estragos quando outra voz me chamou a atenção, dessa vez uma masculina.
"Tenente Whitlock!" o homem entrou no meu campo de visão, loiro com os cabelos impecavelmente arrumados e um jaleco branco "Sou o Doutor Cullen, é um enorme prazer ver que o senhor se recupera bem!" ele comentou pegando a prancheta das mãos do anjo.
"Ele já conseguiu falar, doutor!" ela disse, me dando um sorriso e piscando um olho de um jeito encorajador.
"Muito bom... Excelente na verdade!" o médico nem tirou os olhos da prancheta "Tenente, te deixarei aos cuidados da adorável enfermeira Swan!" o rosto do anjo mudou de branco para cor de rosa em questão de segundos, e ela olhou para o chão, constrangida "Se precisar de qualquer coisa, não hesite em chamá-la! Voltarei mais tarde para ver seu estado."
Doutor Cullen devolveu a prancheta nas mãos pequenas da morena, que já não parecia mais tão envergonhada.
"Quer um pouco d'água?" ela perguntou de um jeito conspiratório, como se a água fosse algum tipo de segredo só nosso.
"Por favor..." minha voz ainda soava assustadora.
Recebi mais um sorriso antes que ela se virasse nos calcanhares e se afastasse.
Não tê-la em meu campo de visão foi realmente ruim, só enxergar branco em toda a minha volta era intimidante, mas em apenas alguns segundos sua pequena silhueta voltava.
Antes de me dar o copo ela se abaixou e começou a girar uma manivela na base da cama, fazendo com que o encosto se levantasse e eu ficasse sentado.
Só então reparei nos meus braços engessados.
Tive de tomar a água por um canudo.
"Obrigada, enfermeira Swan" já começava a lembrar como era o som da minha voz.
"Me chame de Bella, Tenente..."
"Jasper...Whitlock." Bella sorriu para mim.
"Tudo bem, Coração Púrpura... Jasper... Você tem que descansar..." a cama foi voltando ao seu estado horizontal "Eu volto quando você acordar."
Sua voz foi ficando cada vez mais distante até que mais uma vez eu mergulhasse na inconsciência.
As semanas, ou meses, seguintes correram estranhamente, a começar pelo fato que eu não conseguia controlar o tempo. Eram tantos remédios, para a dor, para dormir, para conter possíveis infecções...
Na maior parte do tempo em que estava acordado, me sentia grogue.
"Bom dia, Coração Púrpura!" Bella cantou adentrando o quarto, depois se dirigiu aos outros ocupantes despertos.
"Olá, Bella..." só a visão daquela mulher me fazia abrir um sorriso "Quanto tempo até que eu possa sair daqui?" antes essa pergunta me aterrorizava.
Sair do hospital era o mesmo que voltar a guerra e agora que eu tive uma visão da vida sem morte, não queria mais voltar, e me sentia um covarde por isso.
Mas algumas semanas depois que acordei, descobri que uma ruptura do menisco do meu joelho direito me impediria de combater, eu ainda poderia andar normalmente, mas ainda sentiria dores em algumas situações.
"Está ansioso para me deixar, Jasper?" seu tom era magoado, mas ela sorria calidamente.
"Bella... Sabe muito bem que o que mais quero é poder levantar dessa cama, te tomar nos braços e fugir." comentei com a voz baixa, era a mais pura verdade.
O anjo corou e riu, enquanto o som perdurou, a sala ficou mais clara.
"E o senhor sabe muito bem que eu já estou compromissada!" Bella checava os remédios de um homem adormecido há algumas camas de distância.
"Sou muito mais bonito que ele" brinquei "Uma chance... É só o que peço!"
Na verdade eu não estava mais bonito que ninguém no momento, meu rosto ainda estava inchado e roxo, meus braços e pernas engessados...
Eu parecia mais um monstro que qualquer outra coisa, mas ela nunca pareceu se importar.
"Qual o nome dele?" perguntei, querendo saber quem foi o maldito sortudo que a encontrou antes de mim.
"Edward..."
Edward. Eu odiava um homem que nem conhecia.
Os meses foram longos, árduos, eu não tinha família, ninguém que me ajudasse além de Bella, mas ela era mais que o suficiente.
Seu período como voluntária terminou antes que eu tivesse alta, mas ela ainda aparecia ocasionalmente no hospital alegando que gostava de ajudar, mas eu sabia a verdade.
Bella se sentia tão sozinha quanto eu. Seu Edward estava longe, lutando na guerra e ela também não tinha ninguém, pelo menos não alguém que entendesse o que ela sentia.
Finalmente chegou o dia em que eu estaria livre.
Devidamente fardado, medalhas que eu não merecia penduradas em meu peito, agradeci o doutor Cullen por ter conseguido não só me manter vivo como inteiro, e saí pelas portas pela primeira vez andando com minhas próprias pernas, sentindo o sol esquentar minha pele.
Coloquei o quepe, considerando o que faria a seguir.
Se eu não podia ter Isabella Swan, queria pelo menos olhar naqueles olhos de chocolate derretido mais uma vez.
Não a via há semanas e sentia sua falta.
N/A:: Essa fic é antiga e eu pretendia mexer em mil e uma coisas antes de posta-la aqui, mas isso acabou nunca acontecendo. Igonerem o drama de Televisa e o jeito de escrever meio antiquado, na época eu achei que dava certo.
Engraçado que apesar de tudo, gosto de pensar em como essa história teria ficado se fosse escrita hoje...
Estou doida de curiosidade pra saber o que vocês vão achar!
