- E então, Hialina, no que pretende se especializar? - Uma pequena aprendiz perguntara, desviando os olhos de seu livro. Tinha longos cabelos castanhos trançados e os orbes até pareciam ser de uma cor amarelo-avermelhada graças ao reflexo que o fogo causava neles. Mas um olhar atento já notava que eram de um verde claríssimo.

- Mas é claro que uma Lady! Que nem o papai! - A outra respondeu com entusiasmo. Era tão pequena quanto a primeira. Cabelos curtos e de um verde bem escuro combinavam com os grandes olhos castanhos e espertos. Tinha o corpo esguio e nada de músculos. Nem mesmo o pouco necessário para segurar uma espada.

- Você? Uma Lady?! Tá brincando! Não vai nem passar no teste de Espadachim! - O garoto encorpado e alto riu. Descaradamente, na frente dos outros aprendizes. Hialina grunhiu em resposta, fuzilando-o com o olhar. Ele era muito bonito, até mesmo para uma criança. Cabelos rebeldes e loiros contrastavam com olhos também verdes.

- Você é um boboca, Rilian! Eu vou passar no teste e você vai ver! Eu vou me tornar uma grande guerreira! - A menor de todas explodiu em cima do rapaz, segurando a grande vontade que tinha para avançar nele. Mas ela tremia e isso era bem visível. A outra moça resolveu intervir.

- Guerreiros todos um dia nos tornaremos, Hialina. Quero ser uma grande Bruxa e estou treinando duro para isso. Você... Tens coragem, mas Rilian tem razão. Serás massacrada na Guilda dos Espadachins. Por que não pensa melhor? - A moça tornou a baixar o livro e o guardou quando percebeu que o sono ia bater. Desfez-se então da trança e Rilian não conseguiu parar de olhar para a colega.

- Pryencia tem razão, Hialina. Não valeria a pena morrer por algo que não pode ser alcançado. - O outro rapaz murmurou, de maneira taciturna. Tinha cabelos tão negros quanto a noite e olhos da mesma cor, profundos e analíticos. Percebia-se com isso que ele era muito pessimista - ou realista, dependendo do ponto de vista.

- Exatamente, Hialina. Não é sobre todos que cai a benção de Thor e Tyr. Só espero que Freya olhe por mim. Quero muito ajudar os outros. - A mais alta de todas suspirou sonhadora. Era óbvio a sua inclinação para com a Igreja. Apesar da aparência altiva, era bem magra e esguia também, não tendo qualificações para qualquer outra classe. Talvez os bruxos e alquimistas, mas nada daquelas magias e poções complicadas a agradava. Enquanto falava, foi soltando os cabelos azulados e longos da fita que sempre amarrava na ponta deles.

- Kent... Lilith... Até vocês? - Hialina soluçou, sentindo os olhos ficarem mareados com a falta de confiança dos colegas nela. Sem pensar duas vezes, a garota levantou-se tão rápida e repentinamente que até assustou os colegas. E correu, correu até encontrar uma grande árvore. Lilith e Pryencia foram atrás dela, mas nunca conseguiriam subir em uma árvore como aquelas. E, ao olharem para cima, não viram mais do que sombras causadas pelas folhas, sem localizarem a amiga. Virando-se para os dois rapazes que permaneciam sentados, soltaram de uma só vez.

- Vocês são dois insensíveis!!

~*~

Os quatro aprendizes levantaram cedo naquele dia. Era o dia da escolha, em que todos iriam separar-se e só se encontrariam Odin sabe-se lá quando. Mas é claro que não foram direto fazer o teste. Primeiro caminharam até a grande árvore, para ver se conseguiam encontrar a colega. Até mesmo a boa visão de Kent não prestou para muita coisa. Ou ela não estava lá, ou simplesmente estava tão bem escondida que não conseguiram localizá-la.

- Não temos o dia todo. Vamos logo. - Rilian resmungou. É claro, estava preocupado com a aprendiz, mas a ansiedade de tornar-se finalmente espadachim depois de tanto treino como aprendiz estava subindo-lhe pela cabeça. E, pelo visto, não era só ele que sentia-se assim, apesar das garotas estarem visivelmente mais preocupadas com Hialina do que os outros dois.

- Mas não podemos abandoná-la. Íamos todos juntos prestar o teste para ver o que seríamos de verdade. - Lilith murmurou desapontada. Não queria magoar a amiga, mas era fato que também estava ansiosa pelo seu dia.

- Foi o que dissemos e a única que não está cumprindo com sua palavra é Hialina. Não podemos nos dar ao luxo de simplesmente parar e esperar por ela. Todos sabemos o quanto isso é importante para cada um de nós. - Pryencia interveio, apesar de também preocupar-se com ela. Dando de ombros, ainda completou. - E ela pode ter ido na frente. Ou não quer ir conosco, ou já teria descido.

Os outros três concordaram com um aceno de cabeça. E logo se encaminharam para o palacete onde seria feito o teste oral para ver com que classe mais se identificavam.

~*~

Assim que os colegas saíram de perto da árvore, permitiu-se relaxar depois de permanecer tão rígida por tanto tempo. Mas ficou satisfeita, ninguém a viu e nem a incomodaram. Com um suspiro, desceu com a mesma habilidade com que tinha subido. Tirou as folhas que estavam presas em seu cabelo e roupas e ainda esperou mais um pouco. Não sabia quanto tempo iria demorar para que cada um dos colegas fizesse o teste, mas era melhor prevenir do que remediar. Ficou lá por quase meia hora, até andar decidida na direção do palacete, seguindo os passos dos amigos.

Chegando perto da porta, passou pelo instrutor em silêncio. E o homem fez o mesmo, apenas olhando para a garota de maneira curiosa. Assim que entrou, teve que piscar algumas vezes para acostumar-se com a escuridão repentina. Era um lugar pequeno que conduziria para Prontera, mas havia muitas Kafras para teleportarem os aprendizes para suas devidas cidades de treinamento. Quando chegou, um velho senhor sentado em frente à uma larga e alta mesa de pinus fazia uma série de perguntas para um aprendiz à sua frente. Ao lado, algo que parecia com um soldado ou cavaleiro conversava animadamente com uma aprendiz sobre magos ou algo relacionado à isso. Mesmo sem saber ao certo o que fazer, Hialina esperou pacientemente pela sua vez. O menino fora teleportado para algum lugar que não lhe interessava e a menina tomou seu lugar. O homem mais animado chamou-a com um olhar, e ela aproximou-se.

- Pelo jeito hoje será outro dia cheio logo cedo! Diga-me, pequena, sobre que classe quer saber mais? - O senhor deu um sorriso encorajador, enquanto esperava pela resposta.

- Ahn... Sabe... Bem... S-Sobre os Espadachins, senhor. - Hialina gaguejou, não sabendo ao certo o que dizer.

- Espadachim? Você não é um pouco pequena para isso? - O homem arqueou a sobrancelha, observando-a de cima a baixo. A aprendiz sentiu o sangue gelar.

- Eu ainda vou crescer muito, senhor. Sou nova. - A pequena respondeu, tentando segurar o choro que já estava começando a sacudir-lhe os ombros.

- O que posso fazer... Só guio os inexperientes. Bem, os espadachins... - E assim ele começou seu discurso, mostrando os pós e contras de ser um espadachim, como alta força, mas poucos pontos de magia. E por último disse quais as classes que um espadachim poderia seguir: cavaleiro ou templário. - Existe alguma outra classe que gostaria de saber mais?

Hialina balançou a cabeça, satisfeita de ouvir o que iria enfrentar quando virasse espadachim. Com sua coragem renovada, foi até a frente da mesa e encarou o senhor olhando alguns papéis. Não querendo ser rude, tentou chamar-lhe a atenção com uma tossidinha. Sem resposta, esperou um pouco antes de tossir novamente. O velho homem ergueu o olhar.

- Por acaso está doente, minha jovem?

- A-Ahn, não s-senhor. - A aprendiz desviou o olhar, ruborizando um pouco.

- Bem, então vamos começar o teste.

As perguntas eram de múltipla escolha e Hialina respondia rápido, com determinação e certeza. Seus colegas e principalmente Rilian veriam como o teste lhe daria certo. Depois da última pergunta, o senhor ficou olhando os resultados, analisando-os e fazendo algumas anotações. Enfim, ele lhe deu o resultado.

- Você tem o espírito aventureiro e gosta de ajudar os outros com seu jeito único. Tenho que admitir jovenzinha, nunca vi um teste com tamanha dualidade como esse. Por isso posso lhe dar duas opções, que, é claro, você não é obrigada a seguir. Você pode ser uma arqueira ou...

Mas o homem foi interrompido pelo instrutor que guardava a porta do palacete. Inclinando-se, o rapaz murmurou algo para o senhor, que apenas afirmava e murmurava coisas como "É mesmo?" ou "Você tem certeza disso?". Depois de terminada a conversa, o homem ajeitou-se na cadeira e fixou seu olhar em Hialina, que novamente congelou.

- Desculpe a interrupção. Mas pelo que ouvi você tem uma forte aptidão e inclinação para uma vida de arqueira. O que me diz, jovenzinha?

- M-Mas senhor... E-Eu quero ser uma L-Lady... - A pequena murmurou, sentindo o chão faltar para seus pés. Não podia acreditar no que estava ouvindo. E o que veio a seguir foi pior.

- Você é pequena demais para ser uma Lady, minha jovem. Ouça meu conselho. Eu fui um cavaleiro da velha guarda do rei e, mesmo que você passe no teste para Espadachim, nunca vai entrar na Guilda. Uma Claymore tem o seu tamanho, pelo amor de Odin! Por que não tenta isso que lhe disse? Você pode gostar.

A vontade de Hialina foi chorar ali mesmo, mas encheu o peito e ficou muda por vários segundos. Se começasse a falar, tinha certeza que iria ter um acesso de choro ali mesmo. Acalmando-se um pouco, afirmou timidamente com a cabeça, murmurando baixo.

- S-Sim senhor...

Com um pequeno bater de palmas, uma Kafra abriu-lhe um portal logo abaixo dos pés da pequena jovem à sua frente. Assim que recobrou a consciência, a primeira coisa que viu e ouviu foi um casal de passarinhos empoleirados em um galho de árvore. Olhando para os lados, nem sabia onde estava. E depois lembrou-se de algo importante: o que os arqueiros faziam? Pelo jeito sua jornada apenas começara. E não muito bem.