Por quê?

Primeira parte - Declaração

Kai abriu lentamente seus olhos. Consultou o relógio do criado-mudo e viu que já era tarde. Seus companheiros de equipe já deveriam ter ido tomar o café-da-manhã. Ele não costumava despertar àquelas horas, mas estava muito cansado e... triste. Afinal, havia traído seus amigos para possuir o poder da Black Dranzer e unir-se aos Demolition Boys. Depois de encarar a morte nas gélidas águas do lago Baikal, percebeu que o que fizera era um grande erro. Felizmente, estava tudo acabado: ele teve as pessoas de que mais gostava novamente. Agora, teria de tentar consertar seu ar orgulhoso e distante.

O som de uma respiração agitada o fez emergir dos seus pensamentos. Lá estava Tyson, esparramado na cama ao lado, entregue ao seu sono inquieto. Kai assustou-se, mas logo passou a olhar para o outro com muito carinho, afeto que ele julgou nunca ser capaz de sentir. Foi aquele garoto que o salvara do mal e que lhe mostrara um novo caminho a seguir. Sim, aquele mesmo garoto que dormia falando coisas sem nexo e que deixava a saliva escorrer pelo canto dos lábios.

Kai achava aquilo gracioso e sentiu-se feliz observando a cena. Em um impulso, sem pensar, levantou-se e deu um beijo suave e terno na bochecha do amigo. Tyson acordou e sobressaltou-se, porém, não percebeu o carinho que o amigo lhe fizera. Ainda embriagado pelo sono, disse, entre bocejos:

— Uah... Bom dia Kai.

— Bom dia. — o outro respondeu seriamente, querendo disfarçar o constrangimento, pois só agora percebeu o que fazia.

— Onde estão Ray, Max e Quief?

— Já devem ter descido.

Tyson sentou-se na cama. Kai começou a despir o pijama para pôr sua roupa. Arrancou a camisa em um movimento rápido, deixando à vista o tórax e o abdome musculosos, contornados pela pele excessivamente clara. O moreno notou o quanto o outro era bonito. Até poderia, se quisesse, ter mais namoradas e fãs que Ray.

— Você não está preocupado? — Tyson em sua tentativa de quebrar o silêncio.

— Por que eu estaria?

— Amanhã você vai lutar com o Spencer.

— Eu vou vencer. Tenho vocês ao meu lado.

— É verdade. Vamos arrasar! Let it rip!

A porta do quarto se abre. Max aparece ainda mais sorridente que o de costume.

— Bom dia, pessoal!

Tyson retribuiu alegremente o cumprimento; Kai permaneceu calado e, já vestido, retirou-se do aposento, sem sequer olhar para o recém-chegado. O loiro já se acostumara com aquele comportamento; por isso, manteve seu sorriso, deixando seu rosto iluminar-se por algo que parecia ser uma mescla de alívio, coragem e felicidade. Caminhou até chegar bem perto do companheiro e, olhando bem no fundo de seus olhos, principiou a falar:

— Tyson, preciso falar algo importante para você. Depois do campeonato, nós vamos nos separar e talvez eu não consiga dizer até lá — mesmo estando enrubescido, assumiu uma postura séria. — É que eu... e-eu gosto de você!

— Claro, camarada, nós somos amigos!

— Não é desse tipo de gostar que eu estou falando. — baixou a cabeça. — Eu estou dizendo que eu te amo.

O silêncio inundou o cômodo. O moreno atônito, perplexo; o loiro envergonhado e receoso. Os dois completamente imóveis, como se as últimas sete palavras proferidas tivessem paralisado e neutralizado todos os seus músculos. Apenas Max tremia levemente. O outro mantinha-se estático e boquiaberto. Certo tempo depois, eles por vezes, pareciam querer falar, mas logo recuavam. Até que Max, finalmente vencido pelo constrangimento, saiu correndo numa velocidade incrível em direção à porta, deixando Tyson sozinho e desnorteado. Ele se vestiu e se retirou do aposento, sem sequer ter idéia do que dizer ou fazer quando visse novamente o companheiro. Eles dois não tinham previsão do que iria acontecer dali em diante, assim como ambos nem imaginavam que toda aquela cena foi observada pela fúria de um olhar escarlate...