Título: Duas caras
Sinopse: Sirius não sabia como Remus ainda não havia sido canonizado.
Avisos: Rated M mais pelo palavreado de baixo calão.
Se perguntassem a Sirius Black o que ele havia aprendido durante todos aqueles anos em Hogwarts, provavelmente a resposta surpreenderia. Ele não conseguia se lembrar de metade dos feitiços que Flitwick ensinava, não fazia a menor ideia de porque os duendes possuíam motivos para se revoltar no século XVII e poderia, sem dificuldade, transformar um Elixir para Induzir Euforia em uma Poção Indutora do Sono. Não, ele não sabia nenhuma dessas coisas. Muitos motivos levavam a essas lacunas de conhecimento didático, mas o principal tinha nome, sobrenome, e, em situações especiais, muitas pulgas — porque ele tinha certeza que as pulgas não eram suas. Remus John Lupin. Aquele cretino.
Mas voltando ao aprendizado de Sirius em Hogwarts. Aquele castelo era um verdadeiro centro de pesquisas antropológicas. Havia gente de todo tipo, algumas delas que decididamente mereciam uma boa azaração. Entretanto, a maior descoberta ao longo dos anos havia sido ele. Oh, sim, Remus Lupin. O melhor aluno de Hogwarts. O Monitor-Chefe responsável pela manutenção da paz nos corredores do castelo. Orgulho e modelo de aluno sacramentado pelos professores.
É. Seria uma história inspiradora, de como o garoto pobre, licantropo e humilde, havia superado todas as barreiras e se tornado um aluno exemplar, uma pessoa caridosa. Enfim, Sirius não sabia como Remus ainda não havia sido canonizado. Mas ele sabia, e era isso o que havia aprendido naqueles anos em Hogwarts, que as aparências enganam.
De certa forma ele admirava Remus. Quer dizer, ele entendia o quão árduo era a missão de ser um Maroto. Era difícil conseguir contrabandear bebidas de Hogsmead, era complicado explodir coisas nos corredores, era muito difícil conseguir desfilar por aí debaixo da capa da invisibilidade e azarar Severus Snape, tudo isso sem pegar detenções e ainda se sair bem nas provas. Pois bem. Sirius, James e Peter cumpriam tudo isso com muita dignidade e invejável eficiência. Pelo menos em partes. Provavelmente os três batiam recordes históricos em numero de detenções — e Sirius achava que eles mereciam uma medalha de Serviços Prestados à Escola por causa daquilo —, e continuavam cumprindo seu dever para com a escola. Afinal, alguém precisava fazer alguma coisa para que Hogwarts não se tornasse o lugar mais entediante do planeta Terra.
Entretanto, o mais impressionante deles todos era Remus Lupin. Aquela cara de santo que os tiravam das mais delicadas situações. Aquele jeito manso de falar e aquele sorriso de bom-menino que encantava os professores. Sua educação e cavalheirismo impecáveis, os olhos castanho-dourados que o faziam parecer um maldito santo. Certo?
Errado. Remus Lupin era a personificação de tudo o que os Marotos mais prezavam. Ele fazia tudo aquilo que os outros três faziam. Aliás, muitas vezes, as ideias mais imbecis surgiam dele, e não de Sirius ou James. Surpreendente, não? Olhando aquele rostinho inocente, ninguém nunca imaginaria que fora dele a ideia de ir até Hogsmead pela primeira vez, escondidos sob a capa de James. Ninguém jamais suspeitaria que fora ele quem descobriu metade das passagens secretas do castelo. E, definitivamente, ninguém acreditaria se tivesse visto Remus entrando no dormitório, com a expressão mais vitoriosa do mundo, balançando nas mãos um pergaminho amassado que viria a ser o precursor do Mapa do Maroto.
Claro que esses eram os grandes feitos. Havia ainda os pequenos detalhes, aqueles do dia-a-dia, que mostravam o quanto o lobisomem não estava nem perto de ser a santidade que parecia ser. A primeira coisa que Sirius havia aprendido sobre Remus era que ele era um maldito infeliz e sarcástico o tempo todo. Claro que ele e James também eram. Inclusive, ao longo dos anos, os três desenvolveram quase um dialeto próprio, composto basicamente por sarcasmo, ironia e insultos. Até mesmo Peter ficava perdido quando eles se comunicavam daquele jeito. Metade dos insultos era, pasmem, obra inventiva de Remus Lupin. Talvez aquilo se devesse ao fato de que ele tinha de fato motivos para xingar o tempo todo, porque James e Sirius lhe davam deixa para tal.
"Pelas bolas de Merlin, Sirius, é sua terceira detenção na semana! Você não aprendeu nada?"
"Pela paudurecência de Merlin, James, você é incompetente demais, deixe que eu faço!"
"Cale a boca, Peter, ou eu vou arrancar suas bolas e servir de sobremesa para o Snivellus!"
Tão carinhoso, Remus Lupin. Sirius quase tinha certeza de que Remus tinha o dom da Metamorfomagia pelo modo como seu sorriso mudava do modo satânico para o modo sumo pontífice em menos de um segundo.
Mas nem tudo em Remus era só fachada, claro que não. Não é que ele não fosse realmente um menino cortês, um aluno exemplar e que não prezava a moral e os bons costumes. Ele só tinha um jeito diferente de lidar com o caos. Um jeito muito mais inteligente do que James e Sirius, que geralmente só pensavam em explodir as coisas, e não se importavam com o que viria depois. Remus era mais esperto. Ele via adiante, pesava as consequências e, assim, sempre conseguia fugir delas. Outra lição sobre Remus Lupin. Ele usava aquela cara de anjo para escapar das enrascadas de James e Sirius.
Por isso foi uma surpresa bastante agradável quando o lobisomem, incapaz de explicar o que estava fazendo no banheiro dos monitores na companhia de seus três melhores amigos e um estoque de setenta e duas garrafas de cerveja amanteigada, pegou sua primeira detenção. Claro que naquela época ele ainda não era monitor, e Sirius até hoje não conseguia entender como foi que Dumbledore chegou à conclusão de que ele era apto a exercer tal função.
Aquela noite de detenção foi especialmente produtiva, porque houve muito tempo para que Remus bolasse um jeito de entrar na sala do Filch e revirar aquela irritante gaveta sinalizada com um "muito perigoso". Oh, sim, o plano era sempre de Remus. Quer dizer, não sempre, mas os mais sofisticados com certeza eram dele. Com o passar dos anos, James e Sirius perceberam que era mais fácil evitar uma detenção se estivessem na companhia de Lupin, e passaram a se aproveitar disso sem a menor cerimônia. Pois bem, a outra lição a respeito do lobisomem era que ele era, definitivamente, o mentor de todas as mais bem-sucedidas bromas dos Marotos. Quem mais poderia ter entrado na Sala Comunal da Sonserina e esvaziado a gaveta inteira de cuecas de Severus Snape? Foi uma ideia fantástica e bem-sucedida, pelo menos até James e Sirius acharem uma ideia sensacional pendurar cada uma delas na porta de cada sala de aula. A detenção foi fenomenal, e, para reforçar a diferença básica entre os dois e Remus, o lobisomem ficara de fora da detenção daquela noite, causada por um plano que era inicialmente seu. Ele era um maldito gênio.
Como se tudo isso já não fosse o suficiente, havia um detalhe que Sirius só passou a perceber com o passar de alguns anos. Ele sempre, sempre se fodia em algum momento por causa dos planos de Remus. Não que fosse exatamente culpa dele, porque Sirius tinha que admitir, seus planos eram praticamente livres de falhas. O maior problema era que professor algum parecia acreditar que Remus John Lupin estivesse envolvido nos problemas de James e Sirius.
"Se vocês fossem mais discretos, sairiam ilesos e sem detenção alguma", ele pontuava com a maior cara-de-pau que Sirius já havia visto na vida.
Não demorou para que aquela destreza para lidar e flertar com atividades ilícitas atraíssem Sirius Black irremediavelmente. Aquela cara de santo também ia por água abaixo, embora naquelas situações só Sirius estivesse para presenciar, quando era ele a empurrá-lo para a sala de aula vazia mais próxima. Não era nada santo quando lacrava a porta com um feitiço e parecia querer arrancar os lábios de Sirius. Deixaria metade de Hogwarts de cabelos em pé caso ouvissem metade das perversões que sussurrava ao ouvido de Sirius naquelas ocasiões. E não havia nada de inocente no modo como socou a cara do animago de repente, quando Madame Pomfrey abriu inesperadamente a porta da enfermaria, encontrando assim uma desculpa para que estivessem estranhamente atracados no leito de Remus.
Sirius quebrou o nariz naquela ocasião.
"Arranjei um motivo para você continuar na enfermaria o resto da madrugada, Padfoot. Me agradeça."
"Você não estava pensando nisso quando me socou."
"Meu caro Padfoot, eu penso em absolutamente tudo."
E também não havia um pingo de inocência quando arrastou o animago para sua cama, e ousou trepar com ele a noite inteira, mesmo alegando tantas dores pós lua-cheia, toda vez que Madame Pomfrey entrava na enfermaria.
E assim Remus galgou todos os degraus que se pode galgar em direção ao estrelato acadêmico. Terminou Monitor-Chefe, o que possibilitou mil e uma maravilhas pelos corredores de madrugada, e, uma vez em especial, a deliciosa sensação de ser ele mesmo a mandar os amigos para a detenção.
"Oh, Merlin, agora eu entendo o que os professores sentem quando vocês se ferram. É fantástico!"
Sirius Black precisava admirar todas as verdades que sabia sobre Remus, quando o via sorrir calmamente para McGonagall e explicar que aquele roxo no olho de Sirius nada tinha a ver com a briga de bêbados na qual ele se metera, fora apenas um Feitiço Estuporante que dera muito errado, enquanto eles treinavam arduamente para os exames finais. Claro que McGonagall continuava desconfiada, mas Remus Lupin estava ali, e Remus Lupin não mentia nem ludibriava.
Bom, mas Sirius tinha que admitir que o lobisomem era um bom amigo. E uma boa pessoa, afinal. Por causa dele, Sirius havia se livrado do que seriam problemas muito mais sérios do que uma detenção. Por causa dele, Sirius e James não haviam perdido a final do campeonato de Quadribol – e aquela fora a segunda vez que Lupin foi para a detenção, por assumir heroicamente a culpa de uma das cagadas dos amigos.
Era assim que era. Remus era um filho-de-um-hipogrifo-arrombado, mas sabia que só podia ser assim para que ele sobrevivesse ao lado de Sirius e James. Era um bom amigo e tinha um coração mole, porque quando mandava os amigos para a detenção, mais cedo ou mais tarde aparecia para rir da cara deles. E para ajudá-los a descascar pinhões e a bolar o que provavelmente viria a ser o próximo motivo de uma detenção. Porque arriscava sua pele deixando que James passasse algumas horinhas no banheiro dos monitores com Lily. Porque quase infartou quando soube do perigo em que Sirius colocara Snape, e deixou ali bem claro que limites existiam, e impor isso a Sirius e James era questão de utilidade pública.
Quando o fim daqueles anos chegou, nenhum deles saberia dizer exatamente porque até eles acabaram acreditando na santidade de Remus. O fato é que o licantropo era uma parte sem a qual os Marotos jamais haveriam sobrevivido até o final. Sirius reconhecia isso.
Por isso ele não se surpreendeu, quando se reencontraram na Casa dos Gritos depois de todos aqueles anos. Não se surpreendeu quando viu aquele sorriso sarcástico, a varinha apontada para seu peito, e sentiu-se pleno como há muito não se sentia quando Remus, no meio de todo aquele mal-entendido, achou que seria engraçado lhe lançar um sarcasmo completamente fora de contexto.
"Finalmente o corpo reflete a loucura interior."
"E você entende bem de loucura interior, não é, Remus?"¹
Soube que estava tudo bem quando percebeu que o tom de voz dele continuava o mesmo. Que suas ironias ainda faziam sentido juntas. E, por trás de toda aquela pose de bom moço, Remus Lupin ainda era o mais Maroto de todos eles.
NA: Eu escrevo demais sobre Remus, tipo o tempo inteiro, então foi divertido colocar um pouco de malícia nele. Até porque, se alguém me perguntar, eu não acho que ele era tão santo assim. São sempre os mais quietinhos, não é?
¹Essas frases foram tiradas do terceiro filme, Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban.
E, finalmente, obrigadíssima a quem leu!
