Os olhos azul-claros sondaram rapidamente o homem que abrira a porta. A barba mal feita, a camiseta surrada destoante da bermuda, o olhar cansado que guardava uma terrível verdade. O par de tênis era novo marcado levemente de terra, nenhuma aliança, um relógio que parecia ter ao menos uma década. Da rápida olhadela pela porta adentro, percebeu um escritório escancarado e bagunçado que se seguida da sala de estar impecável: um cartaz bem ao centro com os dizeres: "Eu quero acreditar". Desempregado, sustentado pela companheira, não sai de casa durante o dia, realiza corridas provavelmente noturnas, viciado em ufologia, americano.

O ligeiro sorriso de Holmes pareceu ter sido o suficiente para enganar Fox, que não sorriu de volta. Tirou lentamente o distintivo do sobre tudo:

––Polícia, estamos procurando por Dana Scully.

––Posso?––perguntou Mulder, apontando o distintivo exibido.

Sherlock passou o distintivo. O olhar astuto de Mulder exibia a sua incredulidade: fazia apenas duas semanas que se mudaram para Londres. Encarou John como que esperando que ele se apresentasse.

No breve gaguejo de Watson – afinal, o único distintivo que tinha em seu bolso também era de Lestrade – veio a resposta mais óbvia:

––Este é o Dr. John Watson, consultor investigativo.

Mulder deu um riso contido: "Scotland Yard", e devolveu o distintivo pra Sherlock. Mas, antes que mais qualquer coisa fosse dita, o taxi que acabara de estacionar na calçada chamou a atenção dos três homens.

A ruiva desceu do carro e encarou a cena com estranhamento antes mesmo de fechar a porta do taxi. Aproximou-se rápido:

––Tudo bem, Mulder?

––Scully, estes são o detetive Lestrade e o consultor investigativo Dr. John Watson––disse num tom de quem não conseguia disfarçar seu divertimento: ––Scotland Yard.

Ela os encarou confusa, sem imaginar o quanto dos dois Sherlock já havia percebido.

––Em que podemos ajudá-los?––perguntou a ruiva, convidando-os para entrar no apartamento.

O falso Lestrade e John entraram e esperaram Mulder fechar a porta da sala.

Ela gesticulou para que se sentassem na sala demasiado americana para o gosto dos londrinos. Sabiam que ali não tomariam chá.

––NMDA––falou Sherlock, observando-a, atento.

––Perdão?

––NMDA, poderia me dizer o que significa para você?

Mulder cruzou os braços perguntando-se como, em tantos anos como detetive, nunca passaram pela situação inversa: de entrarem num apartamento de londrinos residentes nos EUA.

––Sim. É uma droga que lesiona tecido neural. Geralmente administrada através de uma injeção direta no local que se deseja lesionar. É usada principalmente para pesquisa. ––explicou, como se lesse uma página de enciclopédia médica guardada em seu cérebro. ––Sobre o que isso se trata?

––Lesionamento, Sra. Scully. ––e esperou que ela dissesse mais alguma coisa. ––Já teve contato com o laboratório de neurologia na universidade?

John o encarou perdido.

––Não, ainda não, comecei a lecionar nesta semana, chegamos dos Estados Unidos há menos de quinze dias.

Sherlock levantou-se de súbito:

––Obrigada pelo seu tempo, Sr. Mulder, Sra. Scully. Por favor, caso precisem ou fiquem sabendo de algo––disse estendendo um cartão com um número de telefone.

Scully e Mulder se entreolharam, a pergunta dela ficara sem resposta. Se ficarem sabendo de algo obre o que? Os dois saíram após um breve cumprimento e entraram no primeiro taxi que puderam alcançar.

––O que diabos foi aquilo, Scully? Scotland Yard batendo a sua porta para uma consultoria?

Ela observou o taxi partindo através da cortina fina e antes que pudesse expressar qualquer de seus pensamento confusos, ele continuou, menos brincalhão:

––Em menos de dois minutos pode-se encontrar na internet o que é o NMDA. E o tal do Watson é um doutor, Scully.

––Para com isso, Mulder.

––Com isso o que?

––Não aconteceu nada, não está acontecendo nada.

––Ok, e esses dois não vieram aqui para nos investigar?

––Em duas semanas, Mulder? Me dá pelo menos um mês sem teorias de conspiração, ok? Mal nos mudamos!

Ela entrou na cozinha fechando a porta atrás de si. Ele não se importou com o súbito incômodo da companheira. Sabia que ela estava tão intrigada quanto ele.

.o.

––Baker Street.

Assim que a porta do carro se fechou. John encarou Sherlock, que suspirou um pouco desanimado por ter que esclarecer ao amigo antes de entregar-se aos seus pensamentos:

––Relação estável apesar de não casados, há pelo menos quinze anos. Desnecessário falar sobre ele, já que é uma figura que explica muito por si só. Ambos se chamam pelo sobrenome mesmo sendo um casal, mostra que se conheceram no ambiente de trabalho, para continuarem com um hábito como este deviam passar muito mais tempos trabalhando juntos do que com outros, logo, foram parceiros, provavelmente policiais. Ela é uma médica, ele possui um tipo de especialidade, provavelmente, detetives: CIA ou FBI. A aposentadoria de ambos seria outra se fossem da CIA, logo, FBI.

––Ok... E nós fomos até lá porque?

––Por causa de hoje de manhã.

––Do casal que nos procurou? Da mulher loira e o homem com o olho machucado?

––Sim.

––Mas você recusou o caso!

Sherlock riu:

––Eu recusei o caso que ela me propôs. Mas, o marido dela...

––O cara era demente!

––De uma maneira muito específica.

O taxi estacionou na frente do número 221B.

––Você quer investigar porque ele é deficiente?––arriscou John, enquanto Holmes pagava a corrida.

––Sim. Quero saber por que induziram isso nele e porque a Sra. Scully administrou a dose que tiraria a sanidade do pobre homem.

Nada fora dito sobre o assunto naquela manhã. A loira e o esposo entraram no apartamento e ela reclamou do que aparentou ser um furto comum.

––Mas, como você sabe que a deficiência dele foi recente?––perguntava o Dr. Watson, quando percebeu que Holmes já havia entrado no apartamento.

Agora era tarde para perguntar, certamente, deitado no sofá e com etiquetas de nicotina coladas à pele, Sherlock já ingressara no seu Palácio da Mente. John suspirou e caminhou pelas ruas de Londres, sem sequer imaginar como e porque seu amigo acreditava que a americana havia privado aquele homem da própria sanidade.