Prólogo

O garoto se levanta e vai para dentro do círculo contornado de jovens entrando na adolescência. A regra seria ir até o centro da roda, mas ele permanece próximo ao aglomerado de seus amigos, mostrando um certo ar de insegurança, apesar das aparências. Em mãos, ele tem um pequeno pacote embrulhado para presente; é a sua vez de revelar seu amigo oculto, e ele deve dar dicas que ajudem os colegas a adivinharem a pessoa secreta. Pelo menos a brincadeira subentende que assim seja, mas ele, como a maioria dos outros, já contara aos amigos quem lhe saíra no sorteio.

O alvoroço comum de uma sala de 7ª série em último dia de aula rola solto enquanto o garoto pensa no que dizer. Ele olha na direção de seu alvo, analisando suas características dominantes. É uma garota, ele pensa, mas isso não é exatamente uma dica muito útil, considerando a quantidade de pessoas do sexo feminino naquele recinto. Na verdade, ele sabe muito bem o que sobressai aos olhos quando se observa a menina, mas não tem certeza se deve exteriorizar esse pensamento. As pessoas começam a notar a direção em que está seu olhar, então rapidamente ele o desvia, tentando disfarçar e manter o mistério por mais alguns instantes.

Ela nem imagina que é "a tal" da vez, está apenas aguardando as pistas, como boa parte de seus colegas. Existem vários adjetivos que poderiam caracterizá-la e muito provavelmente revelá-la com facilidade: baixa, cabelos curtos, franja tingida de vermelho, temperamento explosivo... apaixonada pelo "galã" da classe. Mas só sabem desta ultima característica ela e as amigas mais próximas. Para o resto, são apenas bons amigos. Pelo menos durante as aulas, quando conversam paralelamente o tempo todo. No mais, é cada um em seu grupo de amizades, já que ele nunca lhe dirige a palavra quando está perto dos amigos. Ela não se importa; está tolamente apaixonada, e qualquer mísera quantidade de atenção que possa receber, já lhe é suficiente.

Toda sala de aula possui seu próprio galã, e é muito fácil identificá-lo. É sempre aquele bonitinho, popular, desejado por todas as garotas daquela faixa etária. Costumam ser também um tanto imaturos e convencidos, já que modéstia é característica em fase de extinção para essa "raça".

A turma começa a apressar o garoto no centro do círculo, que continua sem saber o que dizer. O tal "galã", seu amigo, resolve oferecer alguma ajuda, já que está ciente da pessoa a ser revelada. Não pensa duas vezes e deixa sua imaturidade fluir.

-Fala o peso da pessoa, que aí todo mundo adivinha quem é!

O sarcasmo e a diversão estão evidentes em suas palavras e em seu tom de voz. Um coro de risadas começa a ecoar pela sala. O barulho está altíssimo, mas na cabeça da garota tudo soa abafado. Parece que ela está presa em seu interior, e todo som externo se torna distante, como se algo lhe tampasse os ouvidos. Todos riem, mas ela está séria. Isso porque, se agora todos riem, é às suas custas. É óbvio que a essa altura todos já sabem que ela é a pessoa em questão. Basicamente todos os olhares do lugar se voltam para ela, zombeteiros, acusadores.

Todo mundo possui um ponto fraco, um calcanhar de Aquiles, e ela fora apontada pelo seu. Nada poderia embaraçá-la de forma mais cruel.

Sente seu sangue fervendo nas bochechas, evidenciando o tamanho de sua vergonha. Mesmo tentando parecer forte e inatingível, seus olhos a traem e tentam expulsar uma onda de lágrimas, mas ela teima e as empurra de volta para onde pertencem: escondidas dentro de si. Em seu peito uma lufada de um ar - tão gelado que chega a ser glacial - sopra e congela o que encontra pelo caminho. As pessoas continuam rindo alta e calorosamente.

Ninguém ouve, mas um som agudo e quebradiço ecoa. O som de um coração se partindo.