Ciel apoiou o queixo na mão enquanto observava a paisagem que se estendia do lado de fora da janela do seu escritório. Nevara. Pela primeira vez naquele Inverno, nevara durante toda a noite, levando a que cada um dos habitantes daquela zona se deparasse com um extenso lençol branco no momento em que se levantara. As reacções haviam sido diversas: Finnan e Pluto haviam saído numa batalha de bolas de neve com a qual ainda se entretinham. Meilin correra a ir recolher a roupa que estupidamente havia deixado estendida durante a noite e que agora se encontrava completamente encharcada, tropeçando quatro vezes durante o processo e enrolando-se na neve em todas elas. Bard limitara-se a barafustar para o nada sobre os incómodos que tudo aquilo trazia, enquanto que Tanaka permanecia sentado no alpendre com o seu eterno ar satisfeito e uma chávena de chá a observar a neve que voltara a cair, soltando esporadicamente alguns dos seus "oh-oh-oh". Sebastian, esse, permanecia inabalável, prosseguindo com as suas tarefas como se nada se tivesse passado. Típico do demónio, porquê que haveria de alterar o seu comportamento com algo com o qual já se deveria ter deparado inúmeras vezes durante os seus incontáveis anos de vida? Por outro lado, sendo os demónios tradicionalmente ligados às chamas do Inferno, algo tão frio quanto a neve não deveria trazer qualquer tipo de incómodo a Sebastian? Teria de se lembrar de lhe perguntar da próxima vez que o visse…

Uma carruagem solitária chamou-lhe a atenção. Dirigia-se, num ritmo lento que lhe era imposto pelos flocos brancos que persistiam em cair, ao portão que aberto lhe daria acesso aos jardins da mansão. Quem é que seria suficientemente louco para se aventurar numa viajem com aquele tempo?

- Jovem mestre…

Ciel desviou os olhos da janela, virando-se relutantemente para o mordomo que na ombreira da porta o cumprimentava com uma vénia. Não precisava de ser um adivinho para saber quem vinha dentro da carruagem, e muito menos de ser um demónio para deduzir que o mordomo lhe viera anunciar a chegada eminente de Elizabeth.

- Julgo que em breve teremos a doce presença da menina Elizabeth nesta casa, jovem mestre. Preparo condignamente o salão para a receber?

- Óbvio – respondeu Ciel no seu característico tom frio, cruzando as pernas. – Na Casa Phantomhive nunca algum convidado será alguma vez mal recebido.

- Yes, my Lord – respondeu Sebastian, desenhando um semi-sorriso enquanto fazia uma nova vénia e abstendo-lhe de lhe fazer notar que na verdade Elizabeth não fora convidada, apenas se limitara a aparecer sem qualquer tipo de aviso como já era seu costume.

Ciel não esperou para ver se o mordomo havia regressado aos seus afazeres e voltou-se novamente para a janela, para a paisagem de imaculada brancura que lhe insistia em ferir os olhos. Era Natal, aquela época do ano em que as ruas se enchiam de risos e canções, ambos alegrados pelas pessoas que passeavam pelas cidades, comprando presentes aos entes que lhes eram queridos e lançando votos de boas festas às almas que por elas passavam. Mereceria a sua alma votos de um feliz Natal? Suspeitava de que não. Não quando se encontrava manchada por uma promessa de um acordo com um demónio. Não quando para ele aquela época pouco mais era do que o despertar de velhas e dolorosas memórias. Não, para ele não era um "feliz Natal". Para ele não havia beleza naqueles flocos que caíam, não havia pureza naquele branco, naquele níveo. Porque afinal, não era a brancura a mais cadavérica das cores?