Fic escrita para o Amigo Secreto de Desaniversário da seção Nasty & Filthy do 6v. Essa é pra você, Arya !


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Seus olhos. Eles estão... diferentes.


O primeiro sinal veio no início do ano letivo, quando eles foram apresentados formalmente aos alunos e tiveram que conviver civilizadamente pela primeira vez. Quando, entre uma garfada e outra do jantar de boas-vindas, ele a chamou num sussurro.

"Granger..."

E ela olhou. Mas ele encarava sua mão.

"Parabéns pelo casamento."

Tocou a aliança involuntariamente, rodando-a em seu anelar. Por algum motivo que decidiu ignorar, aquele pequeno arco de metal queimou sua pele naquele instante. E isso a fez querer gritar.

"Obrigada."

Porque doía. Muito.


Você já não é mais a mesma pessoa.


Durante um sábado ensolarado, ainda em meados de setembro, chegou o segundo sinal. Ela continuava com seus antigos hábitos, e entre eles estava incluída a leitura. Mas já não ficava somente na biblioteca, descendo para os jardins e aproveitando o ar fresco da paz local.

Depois de despistar alguns alunos inconvenientes sentou-se à sombra de uma grande pedra, abriu seu livro e começou a ler. Mas sua aliança voltou a queimar. Em sua pele, nenhuma marca, embora a ardência persistisse.

Quando olhou para cima, sem nem mesmo saber o porquê de tal gesto, avistou, em meio a uma pequena janela na torre Sul, os cabelos loiros tão conhecidos.

"Malfoy..."

E o fogo extinguiu-se no momento em que ele desapareceu entre as sombras do castelo.


Tudo o que quero é uma razão.


Na terceira vez, tudo fora um pouco mais direto. Em cima de sua mesa, solitário, havia um pequeno ramo de menta. O cheiro característico da planta já havia impregnado todo o cômodo, mas isso não a incomodava. O único incômodo era o calor que parecia consumir sua mão.

Então ela soube: aquele era um presente dele.

Inusitado, com certeza, mas que era explicado por um episódio de algumas noites anteriores, quando ela havia recebido flores de seu noivo e, no ápice de seu cansaço e estresse, queimara uma a uma. O cheiro doce a dava náuseas.

E Ron cheirava doce.


Algo que substitua a fé que já perdi.


O quarto acontecimento nessa linha do tempo pede uma maior e mais detalhada explicação. Ocorreu durante o café-da-manhã, em uma quarta-feira, quando o inverno já anunciava sua chegada nos ventos frios do final de novembro. Ela acordou cedo naquele dia, não conseguiu voltar a dormir, decidiu-se por ir ao Salão Principal fazer seu desjejum.

Encontrou o lugar, sempre tão barulhento e cheio de vida, imerso nas sombras da noite e num silêncio que fazia seus pensamentos parecerem altos demais. E as ondas produzidas pela sua mente ecoaram pelas paredes de pedra livremente, até encontrarem um único e solitário obstáculo. Foi quando viu, sentado à mesa destinada ao corpo docente, seu velho inimigo.

E percebeu, assustada por ter demorado tanto, que esse título já não mais lhes cabia. Mesmo sendo poucos os meses de convivência, e poucas as vezes em que o viu, ele não lhe dirigira uma ofensa sequer.

Fez, também, uma segunda descoberta naquele momento: os olhos. Pela primeira vez desde o início do ano letivo, com um olhar mais profundo que alguma vez ela sequer imaginou que ele poderia lhe oferecer, ele a encarou. E ela viu, refletindo o suave brilho da lua que já se escondia, duas íris azuis a encarando.

"Ron..."

O nome escapou-lhe dos lábios sem poder detê-lo, mas Draco pareceu não ligar. Apenas levantou-se e, a passos lentos, aproximou-se de Hermione, que permanecia estática entre duas das quatro grandes mesas. Com pouco menos de um metro de distância ele parou, sem deixar os olhares se perderem por um segundo sequer, e sustentou o olhar por mais incontáveis minutos.

Foi o suficiente para ela perceber que, não, seus olhos não eram azuis. Mas também não apresentavam o tom cinzento característico da época em que desempenhavam a função de alunos naquele castelo. E isso a confundiu.

Ignorada até então, ela foi obrigada a quebrar o contato visual para certificar-se de que ainda havia pele por debaixo de sua aliança. A sensação era de que o local já estava em carne viva, mesmo tendo a certeza de que o metal permanecia gelado sob seu toque.

Quando olhou novamente para cima, ele já não estava mais lá. E a ardência parou.

O que, por Merlin, estava acontecendo?


Já montei esse quebra-cabeça milhares de vezes.


A próxima vez em que sentiu o fogo consumir sua mão — a quinta vez, para quem estiver contando — é a data popularmente conhecida como "Natal". O breve feriado em que as pessoas trocam presentes e celebram a felicidade junto de suas famílias e de pessoas que lhe são importantes.

O período em que Hermione deveria estar na Toca, junto de todos os Weasleys, e talvez Harry também estivesse lá, mas que acabou por permanecer na sua velha escola. Sua relação com Ron estava delicada, brigavam mais do que o normal, quase não se viam, e nos raros momentos que compartilhavam acabavam por discutir. De certo modo sabia que isso viria a acontecer no dia em que aceitou o emprego oferecido pela ex-professora de Transfiguração e atual diretora de Hogwarts. Quando, sabendo de algum modo que aquela era a decisão certa a ser tomada, decidiu passar o resto de sua vida naquele misterioso castelo.

Onde tudo começou. Ela devia isso ao mundo mágico.

Enfim, era noite de Natal e os poucos alunos restantes degustavam de uma ceia mais do que farta. Mas Hermione não estava no Salão Principal.

O ar frio juntava-se aos flocos de neve e pareciam competir para ver quem conseguiria congelar seu rosto primeiro. Seus cabelos e suas roupas, ambos molhados pela neve que derretia ao contato com o calor de seu corpo, não a incomodavam. Tudo o que queria era anestesiar-se de toda a dor e todos os seus problemas, ao menos por uma noite, escolhendo o caminho mais fácil para tal. Ela queria, aos poucos, tirar todo o calor de seu ser.

Porque o calor lembrava Ron.

Infelizmente não atingiu seu propósito, e segurou-se para não xingar aquele que fazia sua mão queimar naquele instante. Virou o corpo, certa de que o encontraria ali, mas tudo o que conseguiu enxergar foi o breu instalado na antiga Torre de Astronomia, agora nada mais que uma torre abandonada.

Sua mão ainda ardia quando finalmente ouviu sua voz.

"Querendo congelar, Granger?"

Voltou-se novamente para o céu nublado, que encarava há poucos segundos, e em meio aos pontos brancos que dançavam até o chão avistou um Draco Malfoy planando no ar.

"Você não está melhor, Malfoy."

Ele deslizou até seu lado, descendo da vassoura e encostando-a na parede. Apoiou-se, assim como Hermione, no gradil enferrujado, e permaneceu em silêncio.

"O que você quer, Malfoy?"

O olhar que ele lhe dirigiu a seguir foi hipnotizante, e teria ficado nisso se Draco não houvesse decidido se aproximar. Se ele não a tivesse tocado a face, retirando os fios bagunçados de seu rosto. Se não tivesse dispensado-lhe aquele sorriso quase despercebível, voltando a ficar sério e respirando fundo o ar que agora compartilhavam. Se ele não estivesse próximo demais, e se seu coração não tivesse insistido em acelerar da maneira como fez.

Teria sido apenas um olhar, entre nuances de azul e cinza, se ele não tivesse proferido aquela única palavra. Quatro letras. Um segundo.

"Você."


Mas as peças parecem encaixar pela primeira vez.


O último sinal veio também numa noite de Natal, embora um ano já houvesse se passado. Mas aqui não temos o metal fundindo sua mão, porque afinal já não havia mais metal algum para fazê-lo. O que queimava sua mão, e acabava por aquecer todo o seu corpo, era o suave toque entre a ponta de seus dedos e o peito nu daquele que dormia ao seu lado.

As mãos esguias a segurando possessivamente pela cintura, fechando o ciclo daquela troca incessante de energia térmica, já não lhe eram estranhas. Os olhos, agora fechados, ainda permaneciam num tom desconhecido, mas que ela não fazia a mínima questão de conhecer. Tudo estava bem, ele estava ali e era isso o que importava.

Eles agora pertenciam ao mesmo mundo, e qualquer coisa fora daquele universo perfeito em que se encontravam era simplesmente ignorado. Porque ele ainda tinha o cheiro do ramo de menta impregnado em sua pele, e ela ainda sentia sua pele queimar toda vez que ele estava por perto.

E se tudo em que pode pensar ao ouvir aquelas duas pequenas palavras foi em como havia, inconscientemente, esperado ouvi-las, bem, então era para ser.

"Casa comigo?"

Seus olhos ainda estavam fechados quando ela selou seus lábios. Em sua mão, queimando-lhe a pele, havia agora outro anel.


Tudo o que nos resta agora é rir do destino. E aceitar o que ele escolher.


Foi quando calor passou a ser sinônimo de Draco Malfoy.