Essa fanfic é dedicada a Katherine Klein, por me ter dito que eu era louco e não conseguiria produzí-la.

Para você, Kath, com amor.

LADRÕES DE BAGDÁ

Caos. Essa seria a palavra mais correta para descrever não só o que ela presenciava, mas talvez o que sentia também.

Durante aquele dia, com a cidade em chamas em alguns pontos, e sem qualquer agitação em outros, por vezes sentia-se impelida a agredir qualquer um que passasse armado perto dela. Isso era pior que TPM.

Soldados cercavam Bagdá lentamente, gradativamente até aquele dia, quando descobriram que a resistência de cinco milhões de pessoas conclamada por Saddam Hussein mostrara-se tão numerosa quanto os ocupantes de uma Kombi.

Guerra maldita! Porque as pessoas civis tinham que continuar sofrendo ano após ano, década após década essa vida de mendicância política e subserviência forçada? Como se não bastassem as seqüelas da Guerra do Golfo, novamente os bravos rapazes americanos chegavam ao território iraquiano, com ajuda britânica.

O déspota local, por sua vez, governando com mão de ferro através do medo, impunha até então uma verdadeira dinastia, desagradando a comunidade internacional.

Será que isso era tão diferente, tão mais grave do que controle monetário que nações mais ricas impunham às mais pobres? Quando o petróleo acabar, haverá motivo para tanta briga?

Fome, miséria, desespero... Tudo o que ninguém gosta de ver ou acompanhar, o povo de Bagdá vivenciava mais uma vez.

Ninguém pensava nos inocentes. Ninguém nunca pensa neles.

Mas ela pensava. Isso sempre foi e será indiscutível. Pela necessidade de manter-se em segredo, guardou seu uniforme negro usado para missões submarinas para mais tarde. Ela e sua aeronave aguardariam a oportunidade certa.

Com os longos cabelos negros escondidos dentro de um boné e os olhos azuis ocultos atrás de óculos de lente espelhada, infiltrou-se no meio das tropas americanas trajando uniforme militar quando estas se preparavam para deixar o já dominado Aeroporto Internacional. Sumiu no meio das vielas da cidade, trocando rapidamente de roupas assim que se viu num local isolado.

O cheiro fétido de morte e tristeza rapidamente misturou-se com a sensação de abandono, expressa nas ruas desertas. Fácil para que ela ficasse longe das vistas humanas que teimavam em ficar no caminho dos soldados ocidentais.

Estava decretado: não podia se mostrar, nem ser notada. Como uma ninja, praticaria a justiça sem ser vista, não permitiria que pessoas inocentes sofressem as agruras das loucuras imperialistas em choque. Pelo menos isso. Afinal, invisibilidade para ela não era exatamente uma novidade.

O caminho que seguia constituiu-se numa linha reta até o monumento mais importante da cidade no aspecto político. Dali seguiria para um outro local que só ela sabia, onde estava o real motivo de sua vinda.

Seu dia seria assim, andando entre o desespero e o dever, mesmo que sua missão mais importante estivesse reservada para a noite...

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Época de frio em Tomoeda. Perfeitamente normal que Sakura se resfriasse. Já estava meio caidinha a três dias, mas neste amanhecera muito pior. Não foi à escola, mal se mantinha em pé. Fraca, recebeu a visita do médico em casa e lhe foi prescrito um tratamento mais forte, com exames marcados para o dia seguinte.

Do jeito que estava, sentia de vez em quando o amanhã cada vez mais longe...

Seus amigos vieram após o término do horário das aulas. Tomoyo foi ao quarto dela, encontrou Touya afagando a irmã, que dormia um sono não muito leve. Ele se retirou para preparar uma sopa para sua monstrenga, deixando as amigas não exatamente sós...

— Pensei que ele não saísse mais! — finalmente Kero pôde sair da gaveta, voando para junto de sua mestra. Pousou perto de sua testa e assustou-se com o calor emitido pelo seu corpo. — Pobre Sakura... Está muito febril...

— Ela vai melhorar, tenho certeza... — ao pegar na mão da prima, Tomoyo começou a duvidar do que acabara de afirmar. Ela parecia tão sem energia...

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Ele chegara muito cedo. Cedo demais. Não dispunha de muito tempo. Afinal, sua presença ali causava sofrimento a uma pessoa muito querida. Ela era o motivo principal de sua estada ali, então tinha que ser rápido e preciso. Por isso mesmo, dirigiu-se a seu destino, no coração da cidade sitiada.

Esperto como sempre, vestia-se como os habitantes de Bagdá. Uma túnica cinzenta, alparcas e um pequeno turbante escondendo o cabelo longo... Barba malfeita, e um bronzeado artificial compunham seu visual, para que andasse por ali sem que chamasse a atenção. Mais eficiente que encantamentos de invisibilidade.

Não era a primeira vez que andava por aquelas ruas. Mas não neste tempo, muito menos em meio a um conflito armado. Aliás, as armas deste tempo eram terríveis, pelo menos na sua época havia um certo cavalheirismo, um heroísmo até nas espadas, lanças, escudos, shurikens, kunais, adagas... O que fazer diante de balas e bombas? Onde estavam as chances iguais, a honra disso? Por isso mesmo, preferia confiar em seus poderes mágicos para se proteger e defender. Atacar eventualmente, quando necessário.

Como era bela aquela cidade nos tempos antigos, com seus habitantes, cheia de mistério e magia... Como chegara a esse ponto, numa época em que a liberdade avançara tanto?

Será que avançara mesmo? Caminhando por uma parte da cidade sem conflitos, não percebia nada de moderno ou livre, só medo e desespero... Chegara por um portal nas Ruínas da Muralha Antiga, ao norte do rio Tigre. Seu objetivo era o palácio de Al Sajoud, construído em ouro e mármore e ocupado como símbolo de poder e opulência pelo governante atual e sua família. Quando fosse ocupado, a guerra terminaria.

Lá estava o que procurava. O nível de poder mágico era tão forte que não pudera materializar-se nem dentro e nem perto dele. Mas era crucial que se apoderasse deste elemento, sem o qual não poderia concretizar seus planos.

Dirigiu-se para o seu alvo, seguindo para o Sul acompanhando a margem do rio.

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Shoran preocupava-se cada vez mais. Sakura não parava de suar enquanto dormia. Sua febre não cedia, mantinha-se alta e estável. Entrara sorrateiramente no quarto dela, causando a maior confusão com Touya. Fujitaka chegou e ralhou com o filho, permitindo que o rapaz ficasse por um pouco ali. Após se encontrar só no quarto com sua amada, chegou-se instintivamente a ela e, vencendo toda sua timidez, recostou a cabeça dela em seu peito, beijando-a. Não pode evitar a batida mais forte de seu coração, o que pareceu acalmá-la um pouco. Ela parou de balbuciar palavras desconexas e relaxou, o que fez o garoto abrir um sorriso discreto, mas significativo.

— Nem pense em me assustar desse jeito. Temos muita coisa para nós dois ainda, Card Captor... — sussurrou em seu ouvido, colocando um ar de menina feliz na garotinha adoentada.

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Cai a noite em Bagdá. Na cidade das mil e uma noites, essa seria uma das mais significativas. Depois dessa noite, Bagdá seria tomada por completo. O último local a ser conquistado era exatamente aquele que ele precisava invadir.

O palácio tem o formato de um grande "U" e segue a arquitetura antiga no estilo arábico. Com uma enorme cúpula na parte superior frontal, parecida com a de uma mesquita islâmica. Altos portais de entrada e dois segmentos a leste caracterizavam sua semelhança com a vogal latina.

Ele mudara de roupa. Usava agora seu traje habitual, calça e camisa de manga comprida negros e a capa que lhe conferia um ar sofisticado, mas não para esta época. Muito mais preocupado com o que precisava extraviar do monumento do que com moda, invadiu-o passando pelas paredes do lado sul, junto à porta principal. Percebeu de imediato que não havia ninguém ali, o local estava deserto. Seria mais fácil do que pensara.

Caminhou em direção ao segmento norte. O ouro incrustado nas paredes brilhava tristemente, parecia refletir a dor do povo daquela cidade. Entretanto, era lindíssima a combinação de pedras preciosas e do metal dourado contra a clareza ornamental do mármore oriental. Impossível de deixar de observar a beleza do interior do palácio, mesmo com pouca luz.

E não era só isso que chamava a atenção. Ele sentia a magia, o poder que emanava daquela cidade e principalmente do que procurava ali. Ouvia também os rumores da guerra na cidade, com explosões eventuais não tão próximas. Decididamente era questão de tempo até que tudo acabasse. Tinha que agir o mais rápido possível.

Apertou o passo. Poderia voar se quisesse, mas não queria usar seus poderes, deixando-os para se concentrar melhor na busca do elemento mágico que o trouxera ali. Tão concentrado estava que não percebeu imediatamente que estava sendo seguido.

Ao entrar num corredor que dava acesso ao setor norte, virou-se e encarou uma figura vestida de negro dos pés à cabeça, com óculos espelhados e um estranho cinto amarelo. Havia algo familiar nessa figura, apesar de não saber ao certo o que era exatamente...

Hmmm... Isso sim... Uma mulher, com certeza. Disso ele entedia afinal...

A figura se aproximou. Usava salto alto, seus passos firmes denunciavam-na... Elegância, altivez no andar...

Não, não era uma feiticeira. Existia nobreza naquele andar, detalhe que o confundia. Não se envolvera com esse tipo de gente, pelo que se lembrasse...

Ela estava perigosamente próxima. E ele não queria usar magia ali. Portanto teria que se virar de outra forma... Bem, uma coisa ele não poderia deixar de fazer, até mesmo para se proteger.

— Chave que guarda o poder das trevas. Mostre seus verdadeiros poderes sobre nós e apresente-se a Reed Clow que criou e controla esta magia. LIBERTE-SE!

A oponente parou e assistiu àquela cena nostalgicamente... Já a presenciara algumas vezes, mas nunca se acostumara... Bela, fascinante e perigosa, sabia-o bem...

Não tanto quanto ela. O báculo fora invocado para proteção física, um obstáculo ineficiente. Não esperava encontrá-lo ali, mas nem mesmo ele poderia impedi-la de conseguir o que viera buscar em Bagdá.

Correu e desferiu um chute, aparado pelo báculo. Mesmo sem magia, Clow tinha qualidades no combate corpo a corpo. Só que ela já conhecia esse estilo. Como previra, recebeu um ataque de revés, depois complementado com um ataque na cabeça. Nada que não pudesse aparar. Prendeu o báculo dele, para provocá-lo, e como já esperava recebeu uma rasteira como contra ataque. Deixou-se cair, para derruba-lo com a mesma rasteira que ele usou.

Clow caiu de maduro no chão, e começou a enervar-se. Ela se divertia com ele, parece até que previa o que iria fazer. Para certificar-se, correu em direção dela para um ataque frontal, com o báculo preso pelas duas mãos à frente do seu corpo, e posição horizontal. No último segundo, deslizou pelo chão segurando o báculo por sobre a cabeça e atacou-a por baixo e por cima ao mesmo tempo. Recebeu como resposta uma esquiva e um salto mortal. Quando se levantava, recebeu um soco que o fez recuar e cair, pois estava desequilibrado. Que mão pesada tinha aquela mulher!

Não desistiria tão fácil. Começou a atacá-la em seqüência, sempre recebendo como resposta uma esquiva ou a defesa com as mãos. O báculo nem a tocara. Parou para analisar melhor a situação e reparou num detalhe: uma posição de guarda em cruz. Só conhecia duas pessoas que usavam esse tipo de defesa. Uma delas era um boxeador famoso. A outra... Era uma mulher!

Testou sua teoria. Atacou com um chute frontal, mas ela se defendeu lateralmente. Queria forçá-la a usar os pulsos. Portanto, continuou chutando lateralmente por uma, duas, três vezes, obrigando-a a recuar e encostar-se à parede. Finalizou com uma estocada do seu báculo diretamente no peito e teve a confirmação que queria: sem opção, ela aparou o golpe com os pulsos unidos em cruz, o que provocou um forte barulho metálico.

Clow confirmara o que queria. Recuou e abaixou seu instrumento, guardando-o em sua forma original de chave.

— Está muito longe de casa, Diana.

— Você também, Reed.

Aquela voz austera e sexy... Voz de princesa calejada pelas batalhas. Uma voz maravilhosa para quem soubesse ouvir. A visão dela era muito mais impactante. Liberando-se de sua roupa negra de mergulhadora, que lhe conferia a camuflagem perfeita para a noite, surge seu uniforme vermelho, branco, azul e dourado, que realçava a beleza do seu corpo de guerreira. As pernas nuas, os braços à mostra, os cabelos negros e longos, levemente ondulados, absolutamente sedutores. Olhos azuis, dominadores... Com certeza, alguns inimigos deviam até gostar de ser subjugados por ela...

— Para estar fora do seu tempo, algo muito importante o trouxe aqui, não é?

— Decerto. O mesmo digo sobre você, por estar aqui enquanto a ação está lá fora.

Diana balançou a cabeça, olhando para Clow. Não mudara nada, nem a entonação da voz. Controladíssimo e frio, irritante por vezes com seu ar de superioridade... Mas com um forte sex appeal, isso era inegável. Ele sempre fizera o tipo enigmático, impenetrável... Um desafio para qualquer mulher conquistadora. Fora esse exatamente o ponto de sua primeira derrota, um erro que não cometeria do novo. Sentia que estava em vantagem, de alguma forma.

— Sabe porque vim aqui, Reed?

— Infelizmente, receio que seja pelo mesmo motivo que eu...

— Será possível que você quer me roubar de novo? — uma austera irritação soou neste comentário.

— Diana, acho que devemos esclarecer aqui e agora algumas coisas... — Clow começou, mas foi interrompido bruscamente.

— Basta! Não me enganará mais com suas bravatas! — enquanto determinava sua sentença, atacava. Não deu tempo para que ele usasse seu báculo, e num violento soco no plexo atirou-o contra a parede. Reed quase desmaiou, ajoelhando-se de cabeça baixa, puxando ar.

— Espere! Diana! — mal terminou de falar, ela o jogou novamente para o outro lado. Não atingiu a parede desta vez, mas deslizou vários metros no chão. Força total, sem contenção.

— Quieto! Receba a justa paga por seus atos, larápio! — novamente, dominou o mago e o levantou acima de sua cabeça. Isto deu tempo para que ele a encarasse e confirmasse algo nela que estava em dúvida.

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Começara a chover. Sem anúncio prévio. Shoran sentia-se estranhamente afetado por aquela precipitação inesperada... Havia algo de mágico naquilo... Sakura começou a agarrar-se de verdade nele, cravando as unhas nos braços do pequeno guerreiro, que começava a se assustar...

— Shoran... Não me deixe agora... Preciso de você...

— Nunca, minha querida... Nunca.

Sakura aninhou-se mais ainda no colo dele. Sem saber, preparava-se para o pior.

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Reed Clow®, Sakura Kinomoto®, Touya Kinomoto®, Fujitaka Kinomoto®, Shoran Li®, Tomoyo Daidouji® e Kero® são personagens da CLAMP™.

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