A Festa de Esperança

Dor. Que grande dor... Parecia interminável. As luzes iam e vinham, e a escuridão se apossava novamente. A falta de forma parecia mais um tormento do que uma alegria. Nada parecia certo, nada parecia morto, menos ainda vivo.

As palavras pareciam confusas, inexistentes, ao mesmo tempo em que latejantes e sussurradas como se aquele ser tivesse realmente ouvidos. E de repente o que era só luz começou a ganhar formas, pequenos e roliços bracinhos foram surgindo, acompanhados de pequenas e frágeis pernas, e uma proporcional cabeça. O tronco foi ganhando uma forma delicada, pequena. A silhueta foi ganhando face, e o corpinho realce. Era uma criança. Uma linda menina. A cabecinha foi adornada com lindos cachos de um vermelho fogo que lhe pendiam aos ombros. As pálpebras escondiam verdes olhos, mais cristalinos do que as ondas do mais puro mar. Os pequenos dedos puseram-se a mexer em pequenas curvaturas. Foi então que em um rompante mais delicado do que as pétalas de uma rosa a beirar a primavera, que o novo pequeno ser abriu seus olhos.

Era magnífico. Era tão brilhante. Após alguns segundos, a luz inicial desfez-se e foi então que o novo pequeno rostinho, que mais parecia ter sido esculpido pelos anjos, se já não o fosse, percebeu o "teto" estrelado que o embalava, junto a uma linda e melodiosa voz. Tentou então lembrar-se de algo que retratasse essa cena e não conseguiu. Percebeu que permanecia deitada, e que tudo agora tinha forma. Inclusive ela. Sim ela, pois agora era uma menina e não apenas um apanhado de luz inconstante buscando. Seus finos lábios formularam o que seria seu primeiro sorriso. Talvez tenha sido o mais belo, ou apenas mais um dentre todos o que haveria de formar.

A voz, feminina, e cada vez mais carinhosa veio aproximando-se, e a pequena menina, que não podia fazer idéia do próprio nome foi tentada a levantar-se e descobrir de onde vinha a linda voz. Foi então que o mundo se fez para a pequena ruivinha, acima dela, várias constelações bailavam numa valsa eterna. Á sua volta, percebera um lindo quarto, todo esculpido no mais puro dos vidros com a mais hábil das mãos. Na cama em que a pequena permanecia, havia cravado dois lindos querubins de cristal. Tudo brilhava e cintilava e fazia ecoar ainda mais a belíssima voz, que cantava em harmonia perfeita, mas que a menina não conseguia compreender as palavras. Parecia apenas um som, cadenciado, bem estruturado, porém apenas sons.

Decorreram-se mais alguns minutos até que a portadora da voz pudesse ser vislumbrada pela pequena ruivinha. Era alta. Tinha loiros cabelos cor de sol, trazia uma coroa de lírios a adornar sua cabeça. Seus olhos, tão azuis como o céu diurno na mais linda cidade, refletiam palavras doces como mel. Pernas longas e corpo delgado, quase perdido dentre um corpulento vestido de mais de uma veste, onde se poderia observar dois ou três arco-íris. Foi então, que ao subir metade dos degraus que levavam ao recinto onde se encontrava a pequena menina que um grande grito tomou o lugar da bela canção.

- É Esperança! Ela nasceu! É Esperança! - Esbravejou a alta mulher loira, em tom alegre, tão alegre quanto sua canção.

Ela andou em passos rápidos e longos até a pequena cama, e enlaçou a pequena menina no mais apertado dos abraços. Não parava de resmungar algumas palavras no ouvido da ruivinha. Foi então, quando o abraço se desfez, que a pequena menina, que até então só havia vislumbrado aquela mulher, viu o recinto no qual acordara repleto de faces desconhecidas. Todos traziam um certo sorriso na face. Todos estavam contentes. Não paravam os comentários:

- É a pequena esperança. Ela nasceu novamente.

Foi então, que a mulher magra e loira afastou-se da pequena menina, e deu lugar a um Homem. Ele era franzino, trazia em seu rosto grandes marcas negras abaixo dos olhos, o rosto magro e uma coloração mais pálida que a neve. Tinha uma expressão triste, mesmo quando parecia armar um sorriso. Ele levou as mãos ao rosto da menina, e explicou-lhe:

- Pequena Esperança! Pois este é seu nome e seu fardo, todos nós, as alegrias e tristezas do mundo, estávamos esperando por ti. Aquela que de tempos em tempos nasce, para ajudar-nos a dobrar nossos destinos!

As palavras e o sorriso cada vez mais forçado deu um pouco de felicidade a pobre Esperança, porém, a pequena nada havia entendido. Quem eram eles? Onde ela estava? O que ela era de verdade? Se era uma criança, como sabia tantas coisas?

Foi então, que percebendo as perguntas nos verdes olhos de Esperança, que uma outra mulher, de compridos cabelos castanhos a cair-lhe pela cintura, finas feições harmoniosas, estatura mediana, e uma beleza intrigante contrastando com os pequenos óculos a cair-lhe sobre o nariz exclamou:

- Deixe que cuido eu de explicar-lhe quem somos e quem é, e vocês, meus queridos irmãos, devem apressar-se para organizar a festa para comemorarmos a tão esperada chegada de Esperança. Pois quando Vênus se puser na posição de renovação, ela deve ter inicio. Deve ser a mais linda festa, dotada dos mais lindos e clamados de nossos parentes, porém nem mesmo o mais temeroso deles deve ser esquecido, todos devem conhecer Esperança, e ela deve conhecer a todos.

Da maneira como Sabedoria anunciou todos se propuseram a fazer. Seria a mais bela das festas. Todos estariam presentes, do amor à morte. No Elíseos dos sentimentos todos seriam convidados. E as estrelas, que jaziam calmas no céu que adornava o teto do Elíseos seriam as testemunhas da festa dada para Esperança, no dia em que ela voltou ao mundo.

E Foi assim que esperança compreendeu que seu nome trazia tamanho fardo e responsabilidade que nunca poderia ser passado para ninguém. Cabia a ela o futuro de todos que estiveram presentes naquele quarto. Pois Cada um deles tinha um pouco dela. Cada um deles precisava de esperança para continuar com suas responsabilidades sobre o Mundo. E a dela nada mais era do que a soma de todos eles. Sabedoria a Havia encantado com sua suavidade. Ela falava de coisas complexas como responsabilidade, mas mantinha um carinho tão envolvente que a mais covarde das criaturas assumiria a mais dura das batalhas depois de suas palavras.

Foi então quando Vênus havia se posto quase na posição indicada por Sabedoria, que a mesma mulher loira e delgada irrompeu o recinto onde Sabedoria embalava Esperança em suas palavras carinhosas.

- Tudo está pronto, em alguns instantes a música se fará. Muitos dos convidados já chegaram e estão ansiosos conhecê-la.

Pois que assim seja, exclamou Sabedoria, alertando Alegria que esperança deveria conhecer os convidados por si mesma, e a todos seria apenas apresentada, a fim de evitar problemas posteriores. Caberia a ela conhecer um por um.

Sabedoria deixou o recinto enquanto a animada Alegria pôs-se a vestir e adornar a jovem Esperança. Seus cachos ganharam lindas fitas de azul cetim, que esbanjavam um lindo laço, cuidadosamente feito por Alegria. As vestes deveriam realçar seus lindos olhos, mas Alegria sabia que não havia jeito de realçá-los ainda mais.

Foi então que correu a uma das portas de vidro, e abrindo-a encontrou o que precisava. Um lindo vestidinho branco, com minuciosos decoros em azul. Ele era enlaçado na cintura por uma linda fita de uma azul brilhante que se encontrava em sua fronte formando um singelo laço. Era tão suave quanto as vestes de um anjo. Alegria soltou mais uma de suas gargalhadas ao encontrá-lo. Serviria perfeitamente para a ocasião. Do armário também tirou lindos sapatinhos de cristal, que pareciam adornados com um punhado de estrelas. Tudo parecia perfeito para Esperança. Quando a menina já se via vestida, alegria quase chorou com a mais bela visão que já havia tido. Era um anjo, e dos mais belos. O das asas mais brancas e da luz mais radiante. As vermelhas sardas reluziam no rostinho cor de neve, e contrastavam com as duas esmeraldas que pareciam não querer parar de brilhar. Com certeza Inveja iria quase morrer quando a visse e Beleza não iria soltá-la por nada. Alegria riu novamente ao imaginar a cena. Seria uma noite interessante, por assim dizer.