Uma pequena, aconchegante e humilde pastelaria jazia no centro de Tóquio. O seu aspeto tão caloroso devido à ausência dos tão típicos e vulgares tons frios metálicos atraia todo o tipo de pessoas e a sua tão bizarra tranquilidade não deixava ninguém indiferente, tornando-o o sítio indicado para quem quisesse por momentos ter a ilusão de que o tempo resolvera parar e descansar, nem que fosse por instantes.

Para receber os clientes, na porta de vidro, uma coroa onde o pai natal rechonchudo de barbas longas e brancas e, ainda, a rena Rodolfo lutavam por espaço. Por cima das suas cabeças lia-se um "Welcome". Já dentro do estabelecimento, saltava à vista a enorme árvore de natal que repousava sossegada num canto apetrechada de bolas douradas, vermelhas, brancas, azuis; encharcada de fitas vermelhas e brancas; e luzes, ora intermitentes, ora contínuas, ora vermelhas, ora amarelas dançavam pelo tronco acima.

- Ei, senhor, vou ter que fechar a loja.

O homem não se mexeu. Continuava com a cabeça sobre a mesa e olhar em direção às portas automáticas envidraçadas da qual podia muito bem ver-se refletido. Nem sequer pestanejou, o homem, reparava agora, rapaz. Devia ser surdo, pensou, isso ou seriamente mal-educado. Incomodada mas longe de perder a calma, resolveu tratar do caso, desta vez, seguindo uma nova abordagem. Deu meia volta e foi em direção à cozinha onde encontrou justamente o que queria. Quando regressou, constatou sem surpresa nenhuma que este aparentava não se ter mexido nem uma única vez. Suspirou e temendo alguma reação abrupta por parte do estranho e ao que tudo indicava depressivo também, com todo o cuidado e muito lentamente tocou-o no braço.

Nenhuma resposta.

Arrastou a cadeira mais próxima e muito gentilmente colocou o pequeno prato na mesa, em frente ao loiro que parecia completamente ausente. Voltou a tocá-lo no ombro e quando foi para o fazer uma terceira vez ouviu-o:

- Ela deixou-me... – o seu tom de voz era um de desalento total, parecido com o de alguém que contempla o suicídio. – Eu amei-a tanto... – levantou pela primeira vez a cara pálida e o olhar abrumado fazendo-a perder, subitamente, o fôlego. Se não fosse pelos contornos jovens do rosto e a ausência de três familiares marcas em cada bochecha, tê-lo-ia tomado por outra pessoa. – Eu não chego? – continuava.

Observou o início do convulsionar dos seus ombros e o colocar repentino dos seus braços à volta da cabeça envergonhado com certeza por estar a chorar à frente de uma desconhecida.

- Coma. – cortou-o de rompante.

O loiro levantou de imediato a cabeça, como se tivesse sido esbofeteado, insultado com a frieza daquelas palavras. Porém, assim que o fez, viu naqueles olhos de brilho nacarado apenas generosidade e compreensão. Não havia sinal de reprovação ou indiferença para surpresa sua.

- Não me leve a mal, demo tenho a certeza que não deve ter comido nada o dia inteiro, portanto... – dizia colocando um garfo na palma da mão do loiro – coma.

Este, apesar de tudo, apenas a fuzilava, ainda de mãos abertas com o garfo na mão, indeciso, provavelmente desconfiado.

- Não gosta de chocolate? – não respondeu. – É alérgico? Eu sempre posso ir buscar outro.

Estendeu o braço pronta para retirar o pedaço de bolo, porém ele impediu-a puxando o prato para si.

- Eu gosto de chocolate. – dizia limpando o rosto com as mangas da camisa.

Sorridente observou-o dar garfadas do que pareciam ser raiva e frustração.

- Está bom? – perguntou timidamente.

- Estou a comer não estou?

- Gomennasai.

Mirou-a surpreso com o pedido de desculpas que não esperava ouvir. Afinal aquela era a sua loja e já passara e muito da hora do expediente, para não falar na forma rude e grosseira com que a tratara. Chegou a contemplar pedir desculpas por tamanha agressividade da sua parte, mas calculou que o podia fazer doutra forma, isto é, sem chegar a pronunciar a palavra "gomen".

- Faz isto com toda a gente?

- Oh... não. – sorriu. – O natal está perto, só por isso.

Sorriu também, não o pôde evitar. Não perante tão contagiante sorriso e, apercebia-se agora, tão encantadora mulher.

Entre duas, três garfadas contou praticamente todo o drama que era a sua vida: o facto de ser filho de pais separados, ter tido uma infância marcada pelas discussões constantes dos pais, o pai que tinha dificuldades em assentar, a mãe que já o fizera, a sua vida amorosa e culminando nas desilusões do presente.

A simpática mulher que atentamente estivera a ouvir os seus problemas pessoais parecia estar a tentar processar toda a informação que acabara de descarregar de uma assentada. Ciente de que nos últimos minutos fora o único a falar e decidido a ouvi-la, perguntou:

- Então o que acha?

- Bem, eu não sou psicóloga, demo, parece-me que tens uma vida muito normal.

Levantou o sobrolho, com claras dúvidas sobre como podia ela achar "normal" a sua vida.

- Normal? A maioria das pessoas não passa nem metade do que eu passo. – argumentava, certo de que não havia caso que se comparasse ao seu.

Ela sorriu apenas e afirmou o que nunca lhe passara pela cabeça:

- Há quem passe por muito mais e se queixe menos.

A sua atitude intempestiva recolheu-se perante aquelas precisas palavras e aquele olhar abrumado da morena de quem sofreu com a morte de alguém próximo. Seguiu-se apenas o som metálico e ocasional do garfo a beijar o prato de porcelana.

Fingindo-se momentaneamente interessado em acabar o pedaço de bolo, não deixou de reparar pelo canto do olho que pela segunda vez esta mirava o seu relógio. A sua mente delineou de imediato o motivo.

- Ansiosa por chegar a casa ou preocupada que o seu marido esteja a pensar coisas? – disse num tom jocoso. – Se quiser...

- Eu não sou casada. – cortou-o com um sorriso amargo.

- Sé-sério? – disse incapaz de conter a surpresa. – Então namorado?

Reparou como subitamente a mulher parecia desconfortável em responder à sua pergunta, ao ponto de desviar o olhar e morder o lábio.

- Iie.

Abriu a boca para continuar a espécie de interrogatório, que longe de se achar no direito de fazer, era apenas fruto da sua imensa e inata curiosidade, mas esta cortou-o perguntando se queria mais bolo. Olhou para baixo e constatou, de facto, que o prato estava vazio. Ciente de que esta tentava fugir às suas perguntas, não se importou, até porque não havia melhor oportunidade de tirar a limpo o que o vinha a incomodar desde que a vira.

- Sim, quer ajuda a...

- Eu sei que pode parecer mas eu não sou cega. Anomalia genética. – explicou. – Toda a minha família tem.

- Oh... gomen. – sorriu, afinal não era cega.

A passos apressados caminhou em direção à porta dos fundos, desceu os dois lances de escada que surgiram e conhecendo todos os cantos e recantos da cozinha, não se incomodou em acender as luzes, abriu o frigorífico, tirou umas quantas fatias de bolo enquanto lamentava não ter posto o rapaz no olho da rua. Suspirou, em apenas vinte minutos conseguira fazê-la sentir, velha, decadente e solitária. E pior, fê-la lembrar-se de alguém que julgava esquecido.

- É o que dá ser boazinha e compreensiva... – lamentava-se a passo que fechava o frigorífico com mais força do que o pretendido. Obviamente incomodada com o teor das perguntas a que fora submetida. Ela já sabia que era uma vergonha: a aproximar-se dos 30 e sem um marido ou algo que se assemelhasse a isso.

Enquanto a morena não regressava, o loiro esperava-a de braços cruzados observando melhor o espaço em que se encontrava e aproveitando para decalcar na sua memória as lojas ao lado e em frente à pastelaria, pois tinha a sensação que passaria a ser cliente assíduo. A meio da sua minuciosa observação o seu telemóvel começou a vibrar inadvertidamente e intempestivamente. Levou as mãos ao bolso e nem precisou ver quem lhe ligava. Afinal só podia ser uma pessoa:

- Diz.

- Diz? – ouviu-o gritar do outro lado, completamente indignado. – Tens noção das horas que são?

- Eu... – calou-se. O seu pai do outro lado da linha estava em completo parafuso pelo que afastou o aparelho dos ouvidos enquanto pacientemente esperava que terminasse.

- Estás a ouvir-me? – ouviu-o perguntar, já sem fôlego. – KEIICHI...

Desligou assim que ouviu os passos tímidos da morena. Regressava com um sorriso e com quatro fatias do mesmo bolo de chocolate e com um copo contendo um líquido que já não via há muito tempo.

- Leite? Eu tenho cara de quem bebe leite?

- Iie. Apenas uma de quem precisa, portanto faz-me o favor de o beber.

- Não há outra coisa qualquer? – perguntava olhando enojado para o copo.

- Não.

- Tens filhos? – perguntou olhando para o copo de leite de modo a evitar que os seus olhares se cruzassem.

- Iie.

- Tiveste?

- Iie.

- Queres ter?

- Bebe o leite.

Fez como pedido, não controlando, no entanto, um sorriso maroto que repentinamente se viu esboçando. A mulher à sua frente reposicionou-se na cadeira, incomodada com aquele olhar a que subitamente se via sujeita.

- Porque é que não tens um?

- Um quê?

- Um filho. Quer dizer não deve ser muito difícil para ti, eu não sei se tu sabes, demo tu és atraente. – impulsionou todo o seu corpo para a frente e a uns bons centímetros do rosto desta acrescentou – No mínimo...

Reparou nas faces levemente vermelhas e com a sensação de que tinha ganho uma batalha, retirou-se com a confiança de um rei enquanto a observava atenciosamente. Não tornou a falar, apenas mantinha-se cabisbaixa com os cabelos longos a tapar toda e qualquer parte da sua face. Arrependeu-se quase de imediato de ter sido tão invasivo.

- Com te chamas? – sobressaltou-se assim que a ouviu perguntar.

- Keiichi. – respondeu.

- Pois bem Keiichi-san, afogar as mágoas com qualquer uma que se cruze no teu caminho não ajuda em nada.

- Piores, as coisas não ficam... – argumentava.

Sorriu, era impressionante como parecia tão criança o loiro à sua frente.

- Ela provavelmente não era a pessoa certa para ti. Com o tempo... – tentava explicar.

- E tu? – interrompeu-a. – Com o tempo encontraste a pessoa certa?

- Hai. – dizia levantando-se, uma vez que sabia as incómodas perguntas que se iriam seguir, e retirando o prato outra vez sem o mínimo vestígio do bolo de chocolate.

- O que é feito dele? – já em frente à porta dos fundos ouviu-o perguntar. Continuou a andar fingindo não ter ouvido.

- Ele morreu? – perguntou o loiro levantando-se quase que repentinamente.

- Iie. – ouviu-a responder enquanto descia as escadas.

- Era casado? – quase gritou de modo que esta o pudesse ouvir.

- Iie. – ouviu-a responder já na cozinha.

-Porque é que não ficaram juntos?

Não obteve resposta e assim que se decidiu aventurar e espreitar por trás da porta em que a vira desaparecer, ela surgiu vestindo um casaco pronta para fechar o estabelecimento e enfrentar a gélida temperatura no exterior.

- Vamos? – ouviu-a.

Incomodado por não ter obtido a sua resposta, agarrou no casaco e sairam lado a lado. Esperou que ela fechasse as portas do estabelecimento, e a sua espera acabou por compensar. Lá fora, no meio do frio o loiro obteve a sua resposta:

- Ele, ele não me amava.


Digitou o código de cinco algarismos e assistiu ao abrir automático da sumptuosa porta. Acendeu a luz e viu seu pai caído no sofá, com o braço direito a lambuzar o frio chão de mármore. Em cima da mesa baixa e retângular o esperado: um copo vazio ao lado de uma garrafa de whisky.

Raros eram os dias em que não bebia.

Foi em direção ao seu quarto, não se importou em acordá-lo, afinal a última coisa de que necessitava era ouvi-lo a azucrinar-lhe a mente e a paciência com problemas que não eram os seus.

Deixou-se cair na convidativa cama e nem se deu ao trabalho de se colocar debaixo dos lençóis. Assim, de braços abertos mirava o teto do seu quarto, recordando vezes e vezes sem conta o momento em que vira a morena de olhos verdes nos braços de outro. Porém e sem se aperceber, o sono envolveu-o como se de um cobertor se tratasse e pôs em descanso o seu coração magoado e cessou a tortura a que a sua mente o submeteu.

O loiro, que há horas babava em cima do sofá, acordou ao som familiar e nem por isso menos irritante do toque do seu telemóvel. Ainda meio sonolento levou as mãos aos bolsos e com um olho perfeitamente fechado visualizou quem o chamava a tão indecente altura.

- Merda... – murmurou antes sequer de atender a chamada, ao reparar nas horas que brilhavam no visor do seu telemóvel: 9:08.

Atendeu de imediato e a voz preocupada da sua secretária fez-se ouvir:

- Uzumaki-san, onde está? Os Hyugas já cá estão!

- Eu estou a chegar, tenta empatá-los... não sei, faz qualquer coisa, dança, canta, o que tu quiseres, mas não os deixes ir a lado algum. Eu estou já a caminho!

Desligou ainda ao som de vários "mas" e correu para a casa-de-banho passando de rompante por seu filho que com uma caneca de café na mão, imóvel, o ficou observando.

Keiichi retornou à cozinha e ouviu água a correr, abriu o armário, retirou uma outra caneca e encheu-a de café. Ouviu a porta do banheiro abrir-se enquanto colocava umas quantas pedras de açúcar no líquido castanho e fumegante.

Sorriu quando reparou na inscrição que figurava na caneca: "World's Greatest Dad". Atordoado por memórias de uma infância feliz não o ouviu sequer entrar na cozinha:

- A sonhar acordado?

Virou-se de imediato e assistiu ao típico desenrolar de um cena que já assistia desde criança: seu pai atarefado apertando as calças, abotoando a camisa, colocando e apertando a gravata e calçando-se. O mais intrigante era que seu pai não tinha quatro mãos e no entanto, fazia tudo ao mesmo tempo.

- Iie. Já agora... – informava-o entregando-lhe a caneca de café. – saltaste um botão.

- Porra... – ouviu-o murmurar enquanto observava que, de facto, com tanta pressa nem sequer se dera conta. – Onde estiveste ontem?

- Eu? Andando por aí... – dizia enquanto levava a caneca à boca.

Sentiu seu pai fuzilar-lhe as costas e não se atreveu a encará-lo. Se o tivesse feito teria notado o grande cansaço e mágoa que habitavam nos olhos azulados deste.

- Era o aniversário da tua irmã, Keiichi. Podias ao menos ter ligado.

- Tu foste.

- Hai. – ouviu o seu pai responder, tomando a sua frase como uma pergunta. – Bem, eu vou andando antes que Megumi torne a... – cortado pelo próprio telemóvel apenas suspirou e tomando um último gole de café atendeu o telemóvel sem antes murmurar um "depois continuamos esta conversa" ao seu filho.

Assistiu à forma como praticamente correu da cozinha para fora, gritando entretanto um "Cola-os às cadeiras!". Bebeu o pouco que restava do café na sua caneca e perguntou-se o quanto teria sofrido seu pai ontem. Não o compreendia. Porquê torturar-se tanto?

- É, Jiraya ojii-san tem razão, és um baka otou-san... baaaka.

O mais velho Uzumaki, alheio ao facto de seu próprio filho o estar a insultar naquele preciso momento, entrou de imediato no BMW preto que o esperava à porta de sua casa, cessando a sua acesa conversa com a sua secretária momentaneamente para acenar ao seu vizinho da frente que corria do outro lado da rua com o seu labrador.

- Megumi, estou aí dentro de quatro minutos. – desligou abruptamente o telemóvel.

Ligou o veículo ansioso por se fazer à estrada. Sabia que nunca chegaria lá em quatro minutos, mas surpreendentemente a sua maior preocupação não era essa, a sua preocupação tinha um outro nome: Hyuuga. Porquê? Bem, não eram propriamente conhecidos pela sua paciência e muito menos por serem pessoas compreensivas. Acrescentava-se ainda o facto de serem das famílias mais abastadas de toda a Tókio, e consequentemente de todo o Japão. A despeito de todos esses factores, o motivo da sua ansiedade e nervosisimo jazia apenas numa pessoa: Hyuuga Hinata. Sabia, informado recentemente pela Megumi, que Neji se fizera acompanhar de sua prima, não perguntou qual delas era, se Hinata ou Hanabi simplesmente porque preferia pensar que era Hanabi de modo a acalmar o turbilhão de sentimentos que o abalroavam de momento.

Mas e se fosse ela? E se não se lembrasse mais dele? Aí o que faria? Mais importante, aguentaria sequer saber que o esquecera? Suspirou, a atarefada e congestionada Tóquio, como era hábito,em pouco o ajudava em conseguir alguma clareza de espírito para poder lidar com o que se avizinhava.

Perguntava-se se esta tinha casado, se refizera a sua vida ao lado de alguém, se sempre tivera os filhos com que sonhara, ao seu lado, ter, se o seu marido a fazia feliz… se a faria feliz como ele um dia a fizera ou se haveria ainda um pedaço só dela apenas seu?

Acelerou. Hyuuga Hinata esperava-o. Sentia-o.


Sentada há mais de uma hora, desconfiava que o seu traseiro tivesse enventualmente mudado de forma para uma semelhante a um quadrado. Assegurada quase de dez em dez minutos pela secretária de que o arquitecto da qual fazia questão de ser o responsável pelo seu novo projecto não tardaria a chegar, começava a pensar se Naruto estaria propositadamente a evitá-la.

Fitou de novo a secretária Yoshida Megumi, segundo o que figurava no pequeno cartão preso à sua blusa, lendo pela enésima vez o nome da firma que se encontrava em tudo quanto era sítio: "Uarc" seguida de uma pequena inscrição por baixo na qual se podia ler Uzumaki Architecture. O loiro órfão e pobre tinha subido e muito na vida. Calculava que tudo nele tivesse diferente, afinal quando se enriquece a um ritmo alucinante, manter a atitude humilde com que se iniciou a vida tornava-se impossível.

Virou-se para seu primo e reparou que pela segunda vez consecutiva este olhava para o relógio enquanto a sua perna direita convulsionava de impaciência e frustração. Fitou-o, à espera que cruzasse os braços, pois conhecendo o primo tão bem como o conhecia sabia que se Uzumaki Naruto chegasse depois de cruzar os membros superiores iria haver problemas. Seu primo, porém, contrariando todas as suas expectativas levantou-se e sacudiu os ombros de um pó invisível claramente enojado, talvez nem com a demora do arquiteto, mas com as pessoas que o rodeavam. Essa atitude de superioridade fê-la por momentos envergonhar-se.

As portas do elevador abriram-se para revelar o que nunca pensou vir a testemunhar na vida: Uzumaki Naruto de terno e colete preto com risca de giz, camisa de um branco capaz de cegar, e para rematar uma gravata escura onde sobressaía um listrado diagonal preto.

Não tirava os olhos de cima dele, não conseguia desviar o olhar e muito menos sair daquela espécie de transe. Aquele não podia ser Uzumaki Naruto! O que acontecera ao seu mau gosto e obsessão por um laranja gritante e escandaloso? Sabia que o dinheiro fazia milagres, mas eliminar a adoração diabólica do loiro pelo laranja parecia tarefa impossível, mais impossível do que ressuscitar.

- Neji-san, prazer em vê-lo. – viu-o cumprimentá-lo através de uma reverência relâmpago.

A Hyuga, antecipando o que iria acontecer levantou-se e rapidamente baixou a cabeça descrevendo um arco a nível da cintura.

- Naruto-san, prazer em revê-lo. Julguei que não fosse aparecer. – sorria.

Surpreendido com a amabilidade de Hanabi, tratou de se recompor de tamanho choque que se revelou ver a Hyuuga demonstrando qualquer tipo de emoção:

- Gomennasai, demo o tráfico estava impossível. – suspirava alheio ao olhar de dúvida com que a sua secretária o fulminava. – Seja como for acompanhem-me.

Neji, hirto, sem uma vez se ter curvado, olhou para o relógio de pulso novamente e ignorando a presença do loiro por completo, informou-a austero:

- Eu não fico nem mais um minuto.

- Neji... – murmurou observando-o dirigir-se ao elevador sem sequer despedir-se do loiro. – Realmente, mais valia ter vindo sozinha.

" ...ou com a Hinata!", acrescentava em pensamento, desiludido, quase frustrado por não ser a Hyuuga que esperava. Mesmo assim, e longe de demonstrar esse seu descontentamento, encaminhou Hanabi ao seu escritório.

Uma primeira observação quanto ao local de trabalho de Uzumaki Naruto: a ausência da coloração laranja. Hanabi via-se perdida, nada naquela sala ampla com vista desimpedida para a Torre de Tóquio e o Monte Fuji ao fundo apresentava uma gota da cor que este tanto venerava, ou pelo menos, um dia venerara, pelo contrário, os tons sérios e neutros que predominavam naquelas quatro paredes davam a entender que Uzumaki Naruto era o oposto do que um dia fora.

- Não se vai sentar?

- Oh... – foi o único som que Hanabi conseguiu projectar, pasmada ainda com a seriedade do local.

- Então, e a que devo a sua ilustre presença? – ouviu-o perguntar.

- Preciso de um arquiteto, melhor um paisagista, mas desconfio que quem faz uma coisa faz outra. – sorria.

- É impressionante como toda a gente acha o mesmo...

Admirado por ver a Hyuga sorrir uma terceira vez em dez minutos, a sua mente acelerava frenética à procura de um motivo para o aquecimento emocional de Hanabi. Opção A: Kami-sama fizera das suas; Opção B: tinha sofrido um acidente de carro e perdido a memória; Opção C: sofrera uma trombose e os seus músculos relaxavam agora involuntariamente e inexplicavelmente.

- Então, pode ajudar-me. – ouviu-a novamente e já não fazia a mínima ideia a que se referia.

- Tenho uns quantos paisagistas à minha disposição, é apenas questão de...

- Eu acho que não me ouviu.

Sim, de facto não prestara a mínima atenção ao que dizia, ela que parasse de sorrir para que se pudesse concentrar novamente.

- Então, o que pretende?

- Eu quero-o.

Naruto acomodou-se na sua cadeira reclinável e giratória e teve que controlar o momentâneo impulso de rodar sobre ela. Ajustou a gravata, no entanto, e disse:

- Perdeu o seu tempo.

- Como?

- Reformei-me.

Hanabi bufou. Incapaz de aceitar o que ouvia:

- Quanto quer?

Naruto revolveu os cabelos. Aí estava uma pergunta porque esperava. Afinal, e agradava-o constatar isso, Hanabi ainda não perdera o mau hábito de tentar comprar as pessoas.

- Hanabi-san, não se canse, de certeza que encontra outro arquiteto disposto a concretizar os seus projetos, porque eu simplesmente não estou disposto. – levantava-se.

Hanabi agarrou na sua bolsa aparentemente serena e com um ligeiro curvar da coluna, fez algo que Naruto nunca pensou vir a testemunhar, humilhou-se:

- Onegai Naruto-san, o quanto quiser, diga que eu pago! Por favor...

O loiro num ato de frieza incalculável, simplesmente massajou as têmporas, minimamente comovido e muito menos movido a mexer uma palha para a ajudar. Tendo a certeza de que levaria tempo para a fazer perceber que um "Não" era um advérbio de negação que significava recusa, tratou de ser o mais direto e rude possível.

Entretanto, certa Hyuuga, motivo do seu desalento, encontrava-se a poucos quilómetros de si, rodeada de gente e, sobretudo, de fornos. Esta, longe de supor que a sua ausência causava inquietação em alguém, decorava a imensidão de bolos dispostos em fila, metade aguardando que as suas mãos mágicas as transformassem em verdadeiras obras de arte. Abstraída e habituada à movimentação frenética dos colegas de trabalho, preparava-se para forrar o bolo com glacé quando ouviu ser chamada:

- Yumi-chaan! Chega aqui!

- Ha-hai... – virou-se o mais rápido possível

Suspirou, repousou os utensílios, retirou a bata e apressou-se escada acima. Surgiu nas portas do fundo e, Aiko, a mulher que a chamara, tratou de apontar para uma mesa em frente onde um homem se auxiliava de um cardápio para esconder a sua identidade. "Quem é?" perguntou receosa sem emitir qualquer tipo de som. Aiko, do outro lado da loja, limitou-se apenas a encolher os ombros e a atender o momentaneamente negligenciado cliente.

Sem outra alternativa aproximou-se rezando a cada passo que dava para que não estivesse reservado para esse dia, enfrentar o passado.

- Solicitou a minha presença?

- Sente-se. – foi a única resposta que obteve.

Disposta de imediato a acatar as instruções, a cabeleira loira que por momentos se revelou por detrás do cardápio fê-la recuar nas suas intenções. Num impulso, colocou o indicador sobre o pequeno livro onde se encontravam listados os produtos alimentares à disposição dos clientes e lentamente o puxou para baixo. Sorriu de alívio quando reparou quem era:

- O que fazes aqui?

- Hum... agradecer a...?

-Pois bem, não tens de quê. Adeus. – dizia dando meia volta e partindo em direção à cozinha.

- Espera, eu não paguei pelo bolo e... Yu-Yumi!

Impotente observou-a desaparecer pela porta dos fundos juntamente com toda a esperança que depositara numa conversa. Sentia vontade em apontar os olhos invulgares e misteriosos da morena, o seu cabelo negro azulado, a sua voz doce e melódica, o seu sorriso e a sua pequena e deliciosa estatura como culpados pela inquietação de que agora se via alvo.

- Quais são as tuas intenções rapaz?

Virou a cabeça de imediato para o lado onde um homem de olhos cansados e faces enrugadas nem se dera ao trabalho de estabelecer contacto visual e muito menos se apresentara.

- Eu, eu... – engolia em seco. – Yumi-san, o-ontem, nós, nós...

- Rapaz! – sentiu-o depositar o braço no seu ombro direito.

- Hai se-senhor...

- Que seja a última vez que te vejo a rondar por aqui, estamos entendidos? – sorria.

Keiichi mirou-o pasmo, todo o seu ser incapaz de aceitar tamanha sugestão, e num espasmo de consciência ou, melhor dizendo, estupidez abriu a boca para timidamente o contrariar:

- Demo, eu gosto imenso do bolo de chocolate daqui...

Saito, o homem ao seu lado, presenteou-o com o mais radiante dos sorrisos. Keiichi julgou ganha a batalha, esquecera-se por completo da regra de ouro da guerra: nunca subestimar o inimigo.

Naruto chegou a casa, mais cedo do que o habitual e não pôde evitar o sobressalto quando viu seu filho estendido no sofá com uma bolsa de gelo sobre o olho direito. Aproximou-se, matreiro, a curiosidade a faiscar dentro de si. Retirou, surpreendendo seu filho, o saco de gelo e não pôde evitar o riso.

- Quem te fez isso?

Keiichi arrebatou o saco das garras de seu pai e colocou-o de novo sobre o olho que o afligia, não se dignando a responder à sua pergunta.

- Senta-te e deixa-me ver isso. – ouviu-o ainda, fazendo muito pouco para tentar conter o riso.

Fez como pedido, apesar de irritado com toda a situação:

- Isto teve algo a ver com a ...

- Terminámos. – cortou-o abruptamente.

- Oh... E porquê?

- Ela era só um passatempo. – sorriu.

Naruto apenas anuiu percebendo de imediato que insistir no assunto iria dar em nada. Levantou-se, enquanto desapertava a gravata fazendo menção de se enfiar no quarto e esquecer o dia que tivera na sua luxuosa suíte, quando se lembrou de algo:

-Ah, por favor, Keiichi, liga à tua mãe ou ela não vai parar de me azucrinar o juízo. – dizia enquanto subia as escadas em direção ao seu quarto. A meio da sua subida ouviu um "Hai!" vindo do loiro de olho inchado e irremediavelmente roxo que deixava em baixo, estatelado no sofá.


Hanabi observava o terreno baldio à sua frente, metros quadrados atrás de metros quadrados virgens, escurecidos pela noite, servindo apenas de habitat a plantas marginais e empatando os seus planos. Ajoelhou-se na neve que cobria todo o solo, o facto de estar a sujar as calças como a última das suas preocupações. Suspirou, uma e outra vez.

Sobre si, a lua, testemunha frequente das suas noites mal dormidas, minguava num céu onde se podia criticar a falta de estrelas e a Hyuuga que adquirira o hábito recente da sua irmã mais velha de contemplar o astro esperava que este fosse de facto bom conselheiro.

Naruto, o cerne do seu desassossego, categoricamente recusara o seu pedido, pior, sem sequer se prestar a ouvir as suas razões alegando que se reformara. Certamente poderia contratar outro paisagista, o problema, no entanto, residia em manter o projeto longe dos olhares da imprensa. Não tinha dúvidas que nenhum arquiteto no Japão, dado ao grande destaque que a família Hyuga tinha na media japonesa, seria capaz de se manter calado por muito tempo. Uzumaki Naruto, por mais que custasse a admitir era a escolha mais acertada, não só devido ao seu currículo como pela certeza de que o seu segredo estaria bem guardado com ele.

Passos por detrás de si despertaram-na para a fria realidade do que era a sua vida e num instante pôs-se de pé, preocupada com o que teria acontecido dessa vez:

- Ele teve mais um dos ataques?

- Iie Hanabi-san, o menino Hideki dorme profundamente.

- Menos mal. – suspirou aliviada perante o sorriso cordial da criada.

- Hiashi-san acaba de chegar e aguarda por si. – informou-a ainda.

Hanabi anuiu e refugiou-se juntamente com a criada para dentro da enorme e luxuosa mansão Hyuuga. Intrigada durante todo o caminho até à ala este, onde Hiashi fizera questão de solicitar a sua presença, sobre os seus motivos para querer vê-la. A suspeita de que este já estivesse a par de tudo o que acontecera pela manhã surgiu quase de imediato.

Quando chegou viu-o sentado com as costas direitas sobre o zabuton, bebendo com toda a calma do mundo o chá verde que lhe era servido por uma Hyuuga de cabelos curtos castanhos. A sua presença ditou a imediata saída da referida morena e o início de uma conversa, no mínimo, acesa.

- O que é que te passou pela cabeça? Uzumaki Naruto? De todos os arquitectos no mundo, ele?

- Otou-san eu não tinha alternativa! – tentava explicar-se. – Como é que eu arranjo um arquitecto sem espalhar para toda a imprensa...

- Desde quando aquele órfão é de confiança? – exaltou-se decalcando com ódio a palavra órfão. – Eu não quero ouvir mais nada, pouco se me dá se ele é o único arquiteto no mundo! Aquele lixo não pisa na minha propriedade!

Exaltado, a fervilhar mesmo de raiva e frustração, Hanabi surpreendeu-o quando longe de acatar as suas ordens o desafiou:

- Se aquele lixo, é o único homem que pode ajudar o Hideki, então eu humilhar-me-ei quantas vezes forem necessárias!

Hiashi atordoado e encolerizado com o que ouvia perdeu controlo das suas emoções e as palavras saíram-lhe pontiagudas, lacerantes e frias.

Hinata dormia quando foi surpreendida pelo bater frenético na sua porta. Levantou-se sonolenta e na escuridão caminhou até à origem do som, gritando entretanto um "Já vai!" a quem quer que lhe estivesse a tentar arrombar a sua porta.

- Calma! – pedia enquanto destrancava a porta o mais rápido possível. – Ha-Hanabi?

Esta apenas sorriu triste, os seus olhos vermelhos e cansados. Carregava uma criança de dois anos e preso ao seu ombro uma mala enorme que, pelo volume, só podia conter objetos de necessidade básica para o pequeno Hyuuga que dormia.

- Eu sei que é tarde, demo podemos entrar? – ouviu-a perguntar receosa. – Está frio e... e...

- Passo-o pra cá. – disse apenas agarrando no pequeno, aliviando, no processo, os braços da sua irmã.

- Arigatou... – ouviu-a murmurar.

Hinata sorriu e dando meia volta entrou no seu apartamento, acendendo as luzes tímidas da casa onde vivia. Hanabi seguiu atrás notando as humildes condições a que se sujeitava sua irmã, outrora herdeira de toda a fortuna Hyuuga. As paredes eram todas de um monótono branco, a casa minúscula, capaz de ser menor que a casa de banho mais pequena da mansão Hyuga, uma cozinha tão estreita que era impossível estarem duas pessoas ao mesmo tempo nela, por último, pelo que via, a decoração de interiores consistia num pequeno vaso de flores sobre uma mesa na sala.

Hinata notando o olhar crítico com que a sua irmã contemplava o seu refúgio, e longe de se encontrar ofendida com tal atitude, disse, serena:

- Eu sei que não é nada comparado com a mansão Hyuuga, demo...

- Gomen. – cortou-a percebendo o quão rude a sua atitude fora. – Eu só não... – suspirou não encontrando justificação válida para o que acabara de fazer.

Sua irmã sorriu apenas e compreensiva assegurou que entendia e que não se sentia, minimamente, ofendida, isto enquanto caminhava para o seu quarto para aconchegar entre lençóis e cobertores um Hideki embrenhado no seu mundo.

Depositou-o no colchão que estendia sobre o chão, onde todos os dias se deitava e abateu-se sobre ela, uma repentina onda de vergonha. Aquilo era o que melhor tinha a oferecer ao seu sobrinho: um quarto gélido e uns lençóis e cobertores que pouco faziam para afastar o frio. Tirou-lhe os sapatinhos e mais não foi capaz tamanha a certeza de que se o fizesse, seu sobrinho estaria num bloco de gelo pela manhã. Beijou-lhe a testa e afastou da suas faces umas quantas farripas de cabelo enquanto pedia perdão.

Hanabi viu sua irmã surgir da escuridão do seu quarto, encostar a porta para depois sentar-se ao seu lado.

- Tens fome?

Hanabi abanou a cabeça e manteve-se imóvel.

- Sede?

Hanabi repetiu o mesmo gesto e resumiu-se ao silêncio.

- O que aconteceu? – atreveu-se a perguntar. Hanabi encarou-a e disse numa voz monótona:

- Ursinhos e corações?

- Hã? – inquiriu obviamente perdida. Hanabi apontou para o pijama que escondia as suas formas do mundo com o um sorriso. – Ah, lindo não é? Estava em promoção.

- É assim que tu esperas arranjar alguém? – dizia repousando a cabeça em cima da mesa de madeira, continuando a contemplar o mau gosto da sua irmã. – Ai, mana... – supirou.

- Pois bem, não podias estar mais enganada. – ouviu a sua irmã levantar-se. – Saito Yumiko tem uma lista interminável de pretendentes.

Hanabi escutava-a na cozinha explicar a sua nova vida como trabalhadora assídua numa pastelaria no coração de Japão enquanto pensava nos extremos que sua irmã fora para evitar seu pai. Havia dias como esse em que compreendia de facto a sua escolha, as suas razões, mas como quer que visse as coisas, cada vez que se lembrava que ela fora até ao ponto de sair do país e mudar de nome para que Hiashi nunca a pudesse encontrar, não conseguia deixar de achar que enfrentar o Hyuga teria sido o caminho mais certo e muito provavelmente o mais fácil.

- Hai! – sobressaltou-se quando ouviu ser chamada.

Uma taça de ramen foi posta à sua frente e apesar dos seus protestos Hinata enfiou pela sua goela abaixo uma boa porção de massa antes de entregar os pauzinhos para que se pudesse servir.

- O que foi? – perguntou reparando no estranho e peculiar sorriso relâmpago que adornara as faces da sua irmã.

- Isto não te faz lembrar ninguém? – apontou para o ramen.

- Oh, sim! Lembro-me perfeitamente, Neji odiava tudo o que havia para odiar neste prato.

Hanabi que percebeu o desviar do assunto que tentava puxar à tona, resolveu alinhar na brincadeira:

- Sim, especialmente narutomaki, ele odiava tanto naruto.

Hinata fuzilou a sua irmã com os seu olhar mais tenebroso, que para Hanabi, confessemos, era absolutamente nada, pelo que continuou:

- Oh, o que me faz lembrar que tu amaavaaas naruto. Espera eu ainda tenho...

- Ok, ok, eu mereci! Podes parar. Obrigada. – agradeceu quando sua irmã baixou o pauzinho com o narutomaki na ponta. – Claro que me lembro dele.

Hanabi anuiu percebendo irritação no tom de voz trémulo da sua irmã e sussurrou um baixo e tímido "Gomen..." em tudo semelhante aos demais "Gomens" ouvidos Japão dentro e fora pois carregava um sentimento de culpa e arrependimento genuíno.