"Manhã e o dia está começando

E eu deixo minha casa

Meu coração está quebrado

E minha juventude passou faz tempo

Noite e estou sozinha.

Céus escuros profundamente intermináveis.

Recordando os dias que eram

Sem adversidade e sem tristeza.

Eu ouço o vento

Grande solidão, interminável, para sempre

O final da longa jornada.

Estou triste pesaroso e abatido.

Após eu, não haverá mais ninguém do meu tipo

Mas, é nosso destino criança.

O dia passou faz tempo

Quando deixei minha casa.

Não há esperança em meu coração.

Há apenas morte".¹

Merlin andava a pé pelas florestas geladas de Albyon. Cantarolava uma triste música, que era a mesma que sua mãe cantava para ele em sua infância. Por vezes, tinha que se controlar e não se emocionar com a letra da canção. Pois ele poderia sem querer, produzir magia, fazendo coisas estranhas acontecerem, apenas porque seu coração bateu mais rápido, ou seus olhos se encheram de lágrimas. Antigamente isso era irreprimível, mas com o passar do tempo, ele conseguiu um mínimo controle sobre suas próprias reações, e consequentes magias.

Haviam pedras pelo caminho, e algumas eram amareladas, outras esverdeadas. Merlin observou divertido essa multiplicidade de cores. Gostaria de encontrar alguma pedra púrpura. Uma pedra acinzentada, adiante no caminho, começou a tremer e a girar em seu próprio eixo. Então foi como se um orvalho púrpura caísse sobre ela. Merlin assobiou. " Rapaz, quando eu vou aprender a controlar meus desejos?" Seguiu andando e apanhou a pedra púrpura como recordação.

Início do flashback.

_ Hunity! Poderia me arranjar seu filho, para ajudar minha lavoura? _ Perguntou a aldeã de meia idade, com as faces rosadas do sol, e os cabelos louros, ressecados e arrepiados, saindo de sua touca de trapo. Ela estava suja de terra, pois desde antes do galo cantar, já estava trabalhando em sua terra.

Merlin não sabia porque sua mãe fazia isso, emprestar seu filho para aquelas pessoas supersticiosas e cheias de humores, que mudavam ao sabor das estações. Na aldeia anterior, onde haviam morado, eles foram expulsos, pois diziam que Merlin atraía azar, com seus prodígios mágicos. Diziam que os deuses antigos não haviam abençoado aquele garoto, logo era uma heresia. Na presente aldeia, as pessoas vinham pedir-lhes que desse uma mãozinha na lavoura, para que ela produzisse mais e melhor.

E lá se foi Merlin, acompanhando a lavradora, que lhe mostrou os campos arados com carro de boi, e as pequenas bagas que estava semeando. Ela olhou sorridente para o garoto e disse apenas "Quero uma grande e farta colheita". Merlin então se ajoelhou e apanhou um punhado de terra negra na mão. Ele sentiu a magia fluindo do seu corpo, para aquela terra de cultivo. Então se levantou e limpou as mãos "Já está feito Senhora". Ela lhe deu algumas frutas e disse "Obrigada, que os deuses te dêem uma boa vida."

Fim do flashback.

Continuando seu caminho, ele viu um coelho branco saltar na sua frente e embrenhar-se mais adiante. Uma raposa vinha seguindo-o. Ela, ao saltar na frente de Merlin, parou, e encarou-o. Merlin achou aquilo muito interessante. Resolveu brincar um pouco. Ajoelhou-se na frente da raposa e falou-lhe o mais solene possível.

_ Amiga raposa, por que caça o pobre coelho branco? Ele tem mulher e filhos, e só saiu hoje cedo, porque tinha que achar comida para sua prole. _ Calou-se e ficou apreciando a reação da raposa, que permanecera imóvel, encarando-o. A raposa virou-se na direção da rota do coelho branco, e de volta para Merlin, então inexplicavelmente, voltou por onde veio. Merlin sorriu e murmurou um "obrigado" para a raposa.

Andando mais um pouco encontrou uma árvore frutífera. Procurou pelo fruto mais apetitoso e desejou que ele caísse em sua mão. O fruto desprendeu-se da árvore e caiu velozmente em direção à cabeça de Merlin. Suas irises tornaram-se amareladas, e então o fruto diminuiu a velocidade até ficar totalmente parado no nível da boca dele. Ele aproximou-se do fruto e mordeu-o. "Delicioso" pensou.

A noite chegou, e Merlin ainda não havia chegado a seu destino. Ele desenrolou sua manta e deitou sobre ela, usando sua beirada como lençol. Pegou sua pedra púrpura e colocou-a um pouco distante. Ficou olhando-a intensamente, até que ela despreendeu uma chama amarela. Aquela pedra iria queimar a noite toda, provendo-lhe calor e afastando animais indesejáveis. Merlin tentou pensar em flores, pássaros e abelhas, pois eram coisas inofensivas, incapazes de lhe proporcionar algum pesadelo, ou emoção forte. E desse modo, não faria magia enquanto dormia.

Ele adormeceu. Mocinhas com asas de libélula, e rapazinhos com asas azuis, o cercaram em seu leito, e o puxaram pelo braço. Eles o fizeram flutuar muito alto. Merlin percebeu que aquilo poderia ser perigoso, pois ele não controlava sua magia totalmente. Resolveu reclamar.

_ O que vocês pensam que estão fazendo? Eu posso cair daqui de cima e morrer, não tenho asas como vocês. _ As sílfides riram, e os silfos o fizeram rodopiar no ar, para em seguida soltarem-no. Ele ia caindo velozmente, quando seus olhos ficaram da cor de fogo. Ele então flutuou no ar, podendo assumir uma posição de pé. Desceu suavemente sobre um grande lago, contudo não chegou a entrar na água, pois suspeitava que estivesse muito gelado, e que iria acabar ficando resfriado. Apenas encostou seus sapatos sobre a superfície da água do lago, e fêz movimentos como se andasse, mas ainda estava flutuando. Merlin sabia que bastaria uma distração para mergulhar no lago.

_ Por que tem tanto medo de se molhar? Afinal de contas, você está apenas sonhando. _ Disse-lhe uma ondina, que surgiu na superfície do lago.

_ Isso já aconteceu comigo antes. Eu estava apenas sonhando, mas quando acordei, todos os meus atos foram reais. Vocês são um sonho, mas eu sou real. E este lago com certeza é real também. _ Merlin reclamou.

_ Se você mergulhar no meu lago, eu te dou um prêmio que está lá na escuridão do fundo do lago. _ A ondina de cabelos azulados e olhos cor de mar o convidou.

_ O que é esse prêmio?

_ Ah, eu não posso te dizer, somente o mais valoroso e corajoso varão da floresta, pode receber esse prêmio. _ Ela lhe falava de maneira cativante.

Por um momento, Merlin considerou se arriscar, mas aí pensou tratar-se de uma pegadinha.

_ Ah, já sei. Você quer me enganar. Não tem prêmio algum aí. Você quer apenas que eu me molhe, e aí vai gritar no meu ouvido: "Dia dos tolos, te peguei". Não, você não me engana. _ Merlin falou orgulhoso da própria sagacidade.

_ Tolo! Eu ia te dar a espada do herói. Agora você perdeu. Adeus. _ A ondina mergulhou no lago e sumiu de vista.

Merlin ficou se sentindo um bobão, mas ele não queria mesmo tomar banho a essa hora da noite. Ele apenas queria voltar a dormir em sua caminha. Agora estava no meio de um imenso lago, e nem sabia qual direção tomar. Resolveu pedir ajuda de quem o havia metido nesta enrascada.

_ Oi! Vocês elementais! Poderiam vir aqui me dar uma mãozinha? _ Merlin gritou esperando que sinceramente eles viessem ajudá-lo. Ele escutou risos variados. Pronto, ele era o bobo da vez. Ninguém viria ajudá-lo. Iriam apenas rir às custas dele. _ Vocês são muito maus. Quero saber quem inventou a mentira que os elementais são bonzinhos. _ Merlin bufou de raiva.

_ Pare de choramingar, seu bobão. _ Uma sílfide de cabelos cacheados da cor da lua, flutuou ao lado dele. O som de "Merlin bobão" ecoou na floresta.

_ Tá, eu sou bobão. Por que não me ajuda agora, a voltar para minha caminha? _ Merlin tentou não choramingar ou ficar colérico com a sílfide.

_ Quando vai aprender a usar magia para achar seu próprio caminho, mago Merlin? _ Um silfo de longos cabelos louros falou às suas costas, fazendo com que Merlin se assustasse e mergulhasse no lago.

No afã de chegar a superfície, ele se debateu e abriu os olhos, para perceber que estava em sua caminha ao lado da pedra púrpura, que já havia consumido todo o fogo. Não estava molhado. Fora apenas um sonho. Merlin suspirou resignado. O céu estava com uma tonalidade laranja-avermelhada. Iria amanhecer logo, logo. Ele precisava continuar sua caminhada em direção ao seu destino, o reino de Camelot.

Fim

¹'S Fagaim Mo Bhaile ( E eu deixo meu lar) Canção de Enya.